Coluna Mulher : Explicada pela ciência, excitação na amamentação segue um tabu
Enviado por alexandre em 20/02/2023 09:36:45

Estranhamento, culpa e falta de informação levam mães a desmamar abruptamente, mas há formas de lidar com a sensação

A lista de cobranças na maternidade começa já na gravidez, entra pelo parto, avança pela amamentação. Vai de se a mãe amamenta ou não a se ela oferece fórmula infantil ou mantém o aleitamento materno exclusivo até os seis meses do bebê.

 

E entre muitos tabus existe um pouquíssimo falado, que desata medos, julgamentos, preconceito e discussões morais: excitação na amamentação. Mães que relatam sentir prazer em algum momento da amamentação, se assustam, se incomodam, se culpam, mas não sabem a quem perguntar ou pedir ajuda.Aconteceu recentemente em redes de mães: um depoimento que desencadeou reações enfurecidas sobre “erotizar” ou “sexualizar” um ato tão simbólico quanto o de amamentar o próprio filho ou filha. Mas o foco deveria ser outro.

 

A ciência explica, e há, hoje, informação e formas variadas de lidar com a situação, que sem atenção pode levar a perturbações e ao desmame precoce, e que é mais comum do que se imagina e não tem nada a ver com o horroroso universo do abuso infantil.

 

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Mãe de duas meninas, a fonoaudióloga Larissa Simon, de 41 anos, amamentou a primeira filha até os seis meses e meio. Quando voltou a trabalhar, entrou a mamadeira, e a pequena desmamou. Com a caçula, houve contato com o universo da humanização —que desaconselha a utilização de bicos artificiais, como chupeta ou mamadeira— e a amamentação durou mais, até os 2 anos e quatro meses da bebê. Mas com uma experiência diferente da primeira:

 

— Estava amamentando um dia normalmente, ela tinha poucos meses, e de repente tive um orgasmo, do nada. Tirei a bebê do peito, passei para o pai, não contei, corri para o banheiro e chorei. Só pensava: “Meu Deus, o que fiz com a minha filha? Como é possível sentir prazer em um momento como esse?”.Sem coragem de perguntar para ninguém, Larissa foi pesquisar, mas há oito anos, idade da segunda filha, havia pouco conteúdo sobre o tema, e praticamente nenhuma exposição em redes sociais.

 

O apoio, diz, veio da equipe humanizada que havia atendido seu parto. Uma enfermeira explicou que, por trás daquelas sensações, havia uma lógica fisiológica, que se revela de maneira distinta em cada mulher.

 

— Existe um lado B da maternidade que ninguém conta. Quando entendi a ciência por trás da coisa, e por ser da área da saúde, fiquei mais tranquila. Falar e desmistificar ajuda as mulheres a desconectarem isso do abuso. Porque o que me deixou mais confusa foi isso. A sensação de que tinha feito algum mal à minha filha — conta Larissa, que depois da segunda gravidez se formou, também, como doula e consultora de amamentação.

 

Ocitocina e estímulo

 

Há poucos estudos científicos sobre a excitação na amamentação. Alguns artigos citam o tema em meio à abordagem sobre a libido na amamentação, que varia entre cada mulher. Há quase 30 anos, no final dos anos 1990, publicação da organização Lamaze Internacional no Journal of Perinatal Education já reconhecia o tabu, mas o tema seguiu escondido.

 

“Este é um fenômeno normal. No entanto, as mães podem se sentir culpadas se tiverem esses sentimentos. Algumas podem parar de amamentar. Se uma mãe decidir falar sobre tais sentimentos, tanto leigos quanto profissionais de saúde podem ficar chocados, ridicularizá-la e até denunciá-la aos serviços de proteção à criança”, dizia o texto à época.

 

Há basicamente dois mecanismos envolvidos no prazer relatado por algumas mães ao amamentar: o estímulo em uma área sensível e erógena da mulher e a liberação do hormônio responsável pela ejeção do leite materno, a ocitonina, que é o mesmo hormônio envolvido na contração do útero durante o trabalho de parto, na relação sexual, no contato com pessoas próximas.

 

A sucção do bebê pode desencadear diferentes respostas no organismo — explica a ginecologista e obstetra Paula Tassinari. — Uma delas é o reflexo nervoso que estimula a liberação da ocitonina, que pode trazer sensações de prazer em algumas mulheres. Outro ponto é que o mamilo é uma das zonas erógenas da mulher, com muitas terminações nervosas que mandam mensagens de prazer para o cérebro. E há uma resposta fisiológica a esse estímulo.

 

Não há explicação científica de por que algumas mães relatam o prazer associado à amamentação e outras não. Pode ter a ver com a sensibilidade na mama e o quanto ela está presente na vida sexual da mulher, antes da maternidade, diz a especialista. Algumas mulheres podem inclusive aproveitar essa sensibilidade aflorada com o (a) parceiro (a).

 

 A questão psicoemocional influencia nessa hora. É um período conturbado, tem o puerpério, e para muitas mulheres o início da amamentação é doloroso, provoca fissuras no peito, mastit

 

Talvez por acontecer com algumas mulheres e outras não, e por ser tão pouco falado, mesmo entre mães, o assunto provoque polêmica ao vir à tona. Recentemente, a bióloga Cris Machado, especialista em cuidado materno infantil e consultora internacional em amamentação e desmame, sofreu uma série de ataques por uma fala em uma live sobre libido na amamentação.

 

 A ideia era naturalizar o tema, porque há formas de resolver, mas o recorte feito sem a contextualização sobre hormônios, perturbação, desmame abrupto, gerou uma onda de ódio, colocando a amamentação no lugar de ato sexual — conta Cris.

 

Ao mesmo tempo, tantas mulheres responderam aliviadas de não serem as únicas, e revelando se sentirem uma aberração, que a especialista resolveu aprofundar o tema:e. Isso pode bloquear os relatos de excitação, porque dor e prazer normalmente são opostas  diz a ginecologista.Em algumas pessoas, a sucção do bebê, principalmente a sucção não nutritiva, pode desencadear o aumento elevado da ocitocina. Mas um abraço de 30 segundos também libera ocitocina, faz a gente se sentir conectado com alguém. É vínculo. Outras mulheres dizem que só sentem sono ou relaxamento ao amamentar. É outra ação da ocitocina explica.

 

TIRAR O FOCO

 

O problema está em não refletir sobre a situação:

 

A sensação de excitação) é algo que incomoda a ponto de virar gatilho para uma perturbação, que vai virar algo negativo, de querer arrancar a criança do peito? Ou se entende que não é atração pelo bebê? Tabu é sexualizar a coisa.

 

Ações como interromper a mamada na hora, trocar de peito, mudar a posição ou se distrair com outras coisas, como uma série ou leitura, podem ajudar. Entender qual mamada desperta esse gatilho, se a da manhã, ou a da noite, quando se está mais cansada, na hora de dormir, também é importante.

 

A fotógrafa Mila Kichalowski, de 39 anos, se distraía com séries na TV ou conversava com o marido ao amamentar o filho mais velho, e depois a caçula.

 

No começo da amamentação, doeu, o peito rachou, sangrou, não tinha como sentir nada. Depois que assentou, senti. Mas não me espantei. Sempre tive muita sensibilidade nessa região. Eu sabia que era normal e que não tinha nada errado comigo, nem com meu filho. Não era nada sexualizado. Não tinha por que olhar com maldade  conta.

 

Mesmo assim, Mila não comentou com ninguém, além do marido e da mãe, com receio de reações negativas.

 


 

 Se houvesse mais abertura na época, talvez tivesse conversado com outras mulheres  diz. Uma vez postei uma foto amamentando minha filha aos quatro anos e uma mulher disse que eu estava sexualizando a menina. Mas precisamos falar sobre essas questões para nos sentirmos acolhidas como mães. Tachar como tabu não ajuda. 

 

Fonte: O Globo

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