Brasil : Amazônia queima mais de “duas Bélgicas” por ano desde 1985
Enviado por alexandre em 06/05/2023 10:24:12

Pará e Mato Grosso são os Estados que mais acumularam área queimada na Amazônia no período.


Todos os anos, desde 1985, uma área equivalente a mais de "duas Bélgicas" pega fogo na Amazônia brasileira. O bioma foi o mais queimado do país nas últimas quatro décadas, com uma média de 68 mil km² atingidos pelo fogo anualmente. É o que mostra a série de dados da Coleção 2 do 'MapBiomas Fogo', que mapeia as cicatrizes do fogo no Brasil. O mapeamento é realizado pela rede MapBiomas em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que também é responsável pelo mapeamento da Amazônia.

A área queimada ao menos uma vez entre 1985 e 2022 anos soma 809,5 mil km², ou 19% da Amazônia brasileira. Mantendo a comparação com o país europeu, 27 Bélgicas seriam necessárias para ocupar o mesmo espaço – ou mais que a metade do estado do Amazonas. O fogo foi mais frequente na maior parte das regiões: cerca de 68% da área afetada foi queimada mais de uma vez no período.

"A Amazônia é um ecossistema sensível ao fogo, o que significa que o fogo não é parte natural do processo de evolução ecológica das florestas do bioma. O fogo na Amazônia é totalmente decorrente das queimadas relacionadas ao desmatamento e ao manejo de pastagem. Essas acabam escapando para as florestas, originando incêndios florestais e causando degradação",

avalia Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo.
Amazônia queima mais de “duas Bélgicas” por ano desde 1985. Foto: Mágson Alves/Unsplash

Em 38 anos, a Amazônia concentrou 43% de tudo o que foi queimado no país. Praticamente a mesma proporção vale para o Cerrado, que abrigou 42,7% de toda a área queimada em território nacional. Os dois maiores biomas da América do Sul foram afetados por 85,7% do fogo que se alastrou pelo Brasil desde 1985. 

Onde queima e por quê 

A vegetação nativa preenchia 44,3% da área queimada na Amazônia nos últimos 38 anos, enquanto que 55,7% do fogo no período ocorreu em áreas antrópicas, de uso humano, principalmente nas pastagens.

"O fogo é usado em uma etapa do processo de desmatamento, como uma forma 'rápida e barata de limpar a terra' para conversão da floresta em área de agricultura ou pecuária. A prática em áreas protegidas pode ocorrer por várias razões e, infelizmente, muitas dessas áreas na Amazônia são alvo de crimes ambientais, em que o fogo é usado para destruir evidências de desmatamento e para a expansão de atividades ilegais. No entanto, vale destacar a importância do Manejo Integrado do Fogo em áreas protegidas como estratégia para prevenir e controlar incêndios florestais de maneira sustentável e segura. Também é necessário que esse tipo de manejo seja realizado de forma planejada, levando em consideração as condições climáticas, a biodiversidade local, além de análises das necessidades das comunidades que habitam essas localidades"

explica Felipe Martenexen, pesquisador no IPAM.

Propriedades rurais privadas tiveram 41,1% da ocorrência de fogo no bioma entre 1985 e 2022, seguidas por assentamentos (17,1%), terras públicas (16%), terras indígenas (7,3%), unidades de conservação (7,1%) e florestas públicas não destinadas (6,8%).  

Área queimada acumulada na Amazônia brasileira de 1985 a 2022. Fonte: MapBiomas Fogo

Estados 

Pará e Mato Grosso são os Estados que mais acumularam área queimada na Amazônia no período, com 269,8 mil km² e 221,9 mil km² atingidos pelo fogo. Na sequência estão: Rondônia (92,6 mil km²); Maranhão (68,7 mil km²); Roraima (50,7 mil km²); Amazonas (43,2 mil km²); Acre (26,2 mil km²); Tocantins (20,6 mil km²) e Amapá (15,3 mil km²).


A violência contra os povos indígenas e seus impactos socioambientais

Os ataques às terras indígenas têm sido uma triste realidade no Brasil há décadas, mas nos últimos quatro anos, o problema se agravou de maneira alarmante, devido a condescendência durante o governo passado. A exploração desenfreada do garimpo ilegal é um dos principais fatores que contribuem para a destruição das florestas, dos rios e para a perda de territórios dos povos originários.

Os rios são poluídos com mercúrio, cianeto e outros metais pesados despejados pelos que exploram o garimpo ilegal, matando peixes e afetando a saúde dos animais e das pessoas que dependem da pesca e do uso da água. Mas os impactos do garimpo ilegal não se limitam ao meio ambiente. A atividade também é responsável pela violação dos direitos humanos e da dignidade dos povos originários. As comunidades indígenas são expulsas de suas terras, ameaçadas, intimidadas e muitas vezes mortas por garimpeiros ilegais e suas milícias como aconteceu no último sábado (29) quando dois indígenas foram baleados e um foi morto com um tiro na cabeça dentro das terras Yanomami.

Garimpo ilegal na Terra Indígena Kayapó, no estado do Pará, em 2017. — Foto: Felipe Werneck/Ibama

Durante o governo Bolsonaro ocorreu a paralisação das demarcações de terras indígenas e omissão completa em relação à proteção das terras já demarcadas.

Em 2021, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) registrou 305 invasões que atingiram pelo menos 226 Terras Indígenas (TIs) em 22 estados do país. No ano anterior, 263 casos de invasão haviam afetado 201 terras em 19 estados. A quantidade de casos em 2021 é quase três vezes maior do que a registrada em 2018, quando foram contabilizados 109 casos do tipo. (Dados do Cimi). É o claro reflexo das políticas anti-indígenas implementadas nos últimos anos. Políticas que entre outros fins, servem para enfraquecer as instituições responsáveis pela proteção das terras e dos direitos indígenas.
A proteção das terras indígenas não é apenas uma questão ambiental ou humanitária, mas também uma questão de justiça social.
A falta de assistência aos indígenas tem sido um dos pontos mais críticos da situação, com muitas comunidades sem acesso a serviços básicos como saúde e educação.

Por outro lado, considero indispensável que as comunidades indígenas sejam ouvidas e respeitadas em todas as decisões que afetam suas terras e modos de vida. Isso inclui a realização de consultas livres, prévias e informadas, conforme estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essas consultas devem ser realizadas de maneira adequada e inclusiva, garantindo que as comunidades indígenas tenham acesso a informações claras e suficientes e possam expressar livremente suas opiniões e preocupações.
O momento é crítico, mas ainda é possível reverter a situação. É necessária uma mudança de mentalidade e ações efetivas para combater o garimpo ilegal, fortalecer as instituições responsáveis pela proteção das terras indígenas e fornecer assistência às comunidades afetadas. Os povos indígenas são os verdadeiros guardiões das florestas e dos recursos naturais do Brasil. Sem a sua preservação e respeito aos seus direitos, toda a sociedade brasileira sofrerá as consequências.

Agora é a hora, e o Brasil tem uma oportunidade única de liderar a proteção das florestas tropicais e dos povos indígenas, mas isso só será possível com o engajamento de todos os setores da sociedade. Todos nós devemos ter responsabilidade em proteger a diversidade cultural e biológica do Brasil. É hora de agir! 

Sobre o autor

Olímpio Guarany é jornalista, documentarista e professor universitário.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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