Justiça : PM ‘de folga’ que se recusou a ajudar jovem negro já ganhou medalha de mérito comunitário
Enviado por alexandre em 16/11/2023 14:16:22


Soldado Tamires Borges, que se recusou a ajudar jovem negro, recebeu medalha da corporação em 2021. Foto: Reprodução/Ponte Jornalismo

A policial militar que chutou e se recusou a ajudar um jovem negro agredido e coagido por um investigador da Polícia Civil em imagens reveladas pela Ponte na segunda-feira (13/11), já ganhou uma medalha da corporação “pelo apoio prestado a um cidadão do Rio Grande do Sul, que se encontrava perdido a cerca de 4 dias sem alimentação alguma pelo Terminal Rodoviário do Tietê, de pronto a policial lhe ofereceu alimento e ajuda com a passagem”.

A policial, identificada pela reportagem, é Tamires Borges Coutinho Siqueira, de 28 anos, que está na corporação desde 2019. Ela recebeu a Medalha do Mérito Comunitário em 2021 pelo comando responsável pela 4ª Companhia do 5º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M). “São atitudes como essa que enobrecem o bom nome da nossa gloriosa Polícia Militar do Estado de São Paulo”, diz a publicação feita no perfil do Instagram do batalhão.

A postagem passou a receber novos comentários de pessoas em solidariedade à soldado nos últimos dias após a reportagem revelar imagens em que ela que diz que, por estar “de folga”, só poderia “ligar 190 e pedir apoio” quando foi contestada por um repórter fotográfico sobre não ter agido quando um homem armado, depois identificado como o investigador Paulo Hyun Bae Kim, xingou, agrediu e perseguiu um jovem negro em frente à estação Carandiru do metrô, na zona norte da capital paulista, no domingo (12/11). O fotógrafo ainda foi ameaçado de prisão por ela e denunciou que a soldado apertou seu pescoço.

Na postagem, há comentários como “Sociedade hipocrita em que vivemos. Força guerreira”, “Você está certíssima!”, “Parabéns! Agiu de acordo com o POP [Procedimento Operacional Padrão]! Sem apoio, não estava em superioridade numérica, estava sem seus EPI’s [equipamento de proteção individual]”, entre outros.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, Tamires “está afastada serviços operacionais” até a conclusão das apurações do Inquérito Policial Militar (IPM). “A atitude é considerada grave, uma vez que não condiz com os procedimentos operacionais e preceitos fundamentais da Instituição. Todo policial militar deve agir prontamente sempre que presenciar um crime, estando ou não em serviço”, declarou a pasta.

Dois coronéis aposentados da PM paulista entrevistados pela reportagem na terça-feira (14/11) também consideraram a atuação da policial como “grave” por entenderem que ela se omitiu diante de uma situação flagrante de ameaça e agressão contra o jovem e que o desfecho só não foi pior pois a mulher que aparece na gravação se coloca à frente do menino e pede para o investigador parar de apontar a arma.

A reportagem também teve acesso à uma nota enviada aos comandantes de policiamento de área nesta semana pelo comandante-geral da corporação, coronel Cássio Araújo de Freitas, que considerou o caso como “fatos lamentáveis” e “deslize” da soldado, que no próprio domingo o Comando de Policiamento de Área Metropolitana 3 (CPA/M-3) instaurou inquérito e que a exposição pela mídia foi “assimétrica”.

“Como não damos brecha em nossas missões constitucionais e nossa postura tem sido sempre legalista e Institucional, é natural que qualquer deslize receba uma exploração assimétrica ou desproporcional. Não nos enganemos, muitos torcem pelo bandido e pelo crime, ou porque foram condicionados a isto, os inocentes úteis, ou porque são integrantes da rede social que envolve o crime ou dele tira algum proveito, mínino (sic) que seja”, escreveu o comandante-geral.

Ele também pediu para que os comandantes reforcem a atuação “legalista” da corporação e que o caso foi excepcional. “Até por isto a minha insistência em termos sempre uma forte ação de comando em divulgar nosso trabalho em todas as áreas, pois quando fatos lamentáveis como este surgirem precisam encontrar cidadãos capazes de identificar isto como uma exceção e não como regra de conduta da Instituição. Sensibilizem seus P-5 [policiais responsáveis pelas relações públicas/comunicação] neste sentido: Guerra de narrativa não tem trégua”, diz o texto.

Ameaça

Já o investigador Paulo Hyun Bae Kim já foi acusado pela irmã de ter agredido a mãe deles e de fazer um disparo de arma de fogo dentro de casa em 2013. O Ministério Público o denunciou por ameaça em 2015. Contudo, as parentes voltaram atrás na representação da denúncia, a mãe negou a agressão e disse que o disparo foi acidental, e, a pedido da Promotoria, o Tribunal de Justiça acabou determinando a extinção da punibilidade porque o crime havia prescrito naquele ano.

Segundo o inquérito da Polícia Civil que a reportagem teve acesso, as versões dos três são contraditórias, e tudo teria iniciado após uma briga entre os irmãos em que a mulher teria chamado a namorada de Paulo de “vagabunda” pelo telefone e ele foi até o prédio dela tirar satisfação. Como ele subiu 11 andares do edifício pelas escadas, por conta de o elevador não estar funcionando, ele teria disparado acidentalmente por “fadiga” quando chegou ao apartamento.

A briga também teria relação com uma suposta disputa pela herança da família. Uma amiga da irmã de Paulo desmentiu a denúncia de agressão e ameaça na investigação e a mãe deles disse que a filha “apresenta distúrbios psicológicos quando está de TPM, fazendo inclusive uso de medicação para tanto, fazendo acompanhamento psicológico”. A irmã disse que Paulo discutiu com elas, ela se escondeu no banheiro e ouviu “gritos de dor” da mãe e um tiro.

A Ponte não conseguiu contatar os policiais nem localizou representantes sobre o caso de domingo. Pedimos entrevista via Secretaria da Segurança Pública, mas não houve retorno.

A pasta disse, nesta quarta-feira (15/11), que assim que a Polícia Civil teve conhecimento da filmagem abriu um inquérito, identificou o homem como investigador e disse que a Corregedoria da corporação apura o caso.


Fotógrafo diz que foi agredido por PM que não ajudou jovem negro em SP: “Agarrou meu pescoço”


Abordagem contra adolescente negro é assistido por PM de folga em São Paulo no último domingo. (Foto: Reprodução)

O repórter fotográfico que testemunhou um investigador da Polícia Civil armado ameaçando um jovem negro relatou ter sido agredido por uma policial militar que presenciou a situação e não fez nada.

“Ela me agarrou pelo pescoço e me segurou por uns cinco segundos. Foi uma agressão. Eu me identifiquei como sendo da imprensa, mas para ela tanto fez, tanto faz”, disse o profissional da fotografia, que preferiu não ter sua identidade revelada.

Após a agressão, o fotógrafo relatou ainda que o investigador se aproximou pedindo o contato da policial militar. A tensão persistiu, e o repórter, ao questionar se o agente civil tinha porte de arma, sentiu-se desconfortável e decidiu deixar o local.

O ouvidor das polícias de São Paulo, Claudio Silva, busca o afastamento e desarmamento do policial civil, citando seu histórico violento. A PM, criticada por omissão, por sua vez, respondeu às ações do fotógrafo alegando seguir o procedimento padrão. Ela deverá responder criminal e disciplinarmente por omissão grave.

A SSP reforçou a obrigação de todos os policiais, estejam ou não em serviço, agirem prontamente diante de um crime.

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