Quem assina o canal de streaming Max está recebendo em massa recomendações e vendo como destaque na página principal proposta para assistir à “série documental” “Operação Fronteira Brasil” — nada mais, nada menos que uma apologia sequer disfarçada ao trabalho da Polícia Rodoviária Federal.
Aos novos navegantes, a sinopse informa que a série “mostra o trabalho incansável da Polícia Rodoviária Federal no combate ao contrabando e ao crime organizado”. Não há isenção, nem na sinopse, imagine nessa peça de propaganda positiva. Essa lavagem de imagem da PRF, comprometida no governo Jair Bolsonaro, com o complô para barrar eleitores nordestinos nas estradas, no segundo turno das eleições de 2022, envolvendo diretamente seu ex-diretor-geral Silvinei Vasques – hoje em cana na Papuda – não tem, até que se prove, patrocínio público. Mas tire suas conclusões.
Embora esteja ganhando sequência no governo Lula, a primeira temporada completa foi colocada no ar, com dez episódios, em outubro de 2022, últimos meses do governo Bolsonaro – indicando que foi escolhida, teve seu trabalho de pesquisa, foi roteirizada, produzida e filmada (em vários pontos do país, do Rio Grande do Sul a Roraima), bancada e executada durante o governo do inelegível.
Por que continua? Sites de cinema, como o CinePop, dizem que a série é “viciante”, mas fazem mera reprodução da sinopse e do material de divulgação – como quase todos esses sites. O filme é uma coprodução da Warner Bros., Discovery e, como terceira perna, da brasileira Mixer Films, que faz séries e filmes sob encomenda e comerciais. Sediada em São Paulo, tem escritório no Rio.
A empresa produz basicamente entretenimento e tem boa reputação no mercado. Um dos comerciais que produziu foi para a Prevent Senior, especializada no atendimento ao público idoso, investigada pela CPI da Covid. Não há sinal de dinheiro público usado na produção da PRF, que enaltece a instituição, uma das que teve a imagem mais comprometida, junto com as Forças Armadas, na tentativa de fraude e golpe de estado. Novamente, tire suas conclusões.
O DCM entrou em contato, pelo email da comunicação da Mixer Films, informado em seu site oficial, perguntando se a produção recebeu algum dinheiro público, ajuda direta ou indireta, e se usou lei de incentivo cultural. Também questionou se houve algum encontro de produtores da Mixer Films com integrantes do último governo, como a Comunicação Social da Presidência, áreas de publicidade e contratos de algum órgão público, incluindo a PRF, e seu ex-diretor-geral, Silvinei Vasques. Não houve resposta até o fechamento deste texto.
Na série, vemos a equipe da PRF enfrentando o crime organizado em locais estratégicos, como as fronteiras com a Venezuela, Bolívia, Paraguai, Guiana e Uruguai, rotas manjadas do crime organizado. Quem assiste fica convencido de que o crime organizado está sendo desmontado no Brasil e que drogas e armas abastecem cada vez menos as quadrilhas de tráfico e milícias. O que não é a realidade. Na série, vemos, ainda, uma PRF que utiliza tecnologia de ponta para combater o crime, como drones, scanners e sistemas de reconhecimento facial, como algo corriqueiro. Também mostra uma PRF muito bem equipada, de veículos e armamentos.
Nas últimas semanas, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF) anunciou que está apurando possíveis práticas como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e formação de associação criminosa na compra de veículos blindados por parte da PRF. O volume financeiro dos contratos fechados no governo Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, chega a R$ 94 milhões e envolvem a empresa Combat Armor Defense do Brasil Ltda.
Quando a Lava Jato era fenômeno pop, queridinha da mídia e, transbordando o noticiário, virou de marchinha de Carnaval a livro chapa-branca, a Netflix lançou a série “O Mecanismo”, do diretor José Padilha, o mesmo de “Tropa de Elite”, que foi lançada em março de 2018, às vésperas da prisão do hoje presidente Lula. Contava a história dos primeiros passos da operação, misturando passagens ficcionais sobre um policial obcecado, vivido pelo ator Selton Mello, que contracenava com um cover do procurador Deltan Dallagnol.
Mais que controversa, a série é parcial. Em 2017, a Lava Jato chegou também às telas do cinema, com o filme “Polícia Federal: A Lei é para Todos”, reconstituindo os primeiros capítulos da investigação, também em um clima de mocinhos contra bandidos. Os atores Marcelo Serrado e Ary Fontoura interpretavam, respectivamente, Moro e Lula. Desonestidade intelectual, produção suspeita e oportunismo é pouco. Agora é a vez de mostrar a boa imagem da prodigiosa PRF.