Regionais : 30 anos sem Senna: por que todo mundo o acha o maior de todos
Enviado por alexandre em 01/05/2024 09:56:02


Senna, o maior de todos

Em 2013, Paulo Nogueira escreveu este texto sobre Ayrton Senna. Nesta quarta-feira (1°), o mundo do automobilismo relembra os 30 anos de sua trágica morte.

Em 1º de maio de 1994, o tricampeão mundial de F1, à época pela Williams-Renault, morreu em um acidente durante o Grande Prêmio de San Marino, em Ímola, na Itália.

O artigo de Paulo está mais atual que nunca:

“Tenho uma confissão a fazer”, disse, emocionado, o jornalista inglês Jeremy Clarkson no final de um tributo a Ayrton Senna no  programa automobilístico que ele comanda, o Top Gear. Clarkson é, provavelmente, o jornalista mais respeitado quando o assunto é carros não só na Inglaterra – mas em todo o mundo. “Nunca fui fã do Senna. Meu piloto predileto sempre foi o Gilles Villeneuve. Mas depois de ver horas e horas de vídeo para fazer este programa vi que o Villeneuve foi espetacular em algumas corridas ao passo que o Senna foi espetacular cada vez que se sentou num carro de Fórmula 1.” (…)

O site da BBC publicou a lista dos vinte maiores pilotos da história. O número 1 era ele, Ayrton Senna da Silva — isso na terra que inventou as corridas de automóveis e a Fórmula 1, e que foi berço de lendas das pistas como Jim Clark e Nigel Mansell.

Senna continua a fascinar, como se ainda pilotasse. Ou como se ainda vivesse.

Na homenagem a Senna, o Top Gear caprichou. Presenteou o campeão mundial Lewis Hamilton – e por extensão os telespectadores – com uma volta na lendária McLaren em que Senna conquistou a imortalidade na Fórmula 1 com suas vitórias e títulos fundados nua mistura única de audácia extrema, dedicação completa e pilotagem cerebral. Hamilton disse que era um dos momentos mais felizes de sua vida. E contou que se lembrava perfeitamente do dia em que Ayrton Senna morreu – em maio de 1994, aos 34 anos, quando um problema em sua carro o impediu de fazer a Curva Tamburello, no momento em que ele liderava o GP de Ímola, na Itália. “Minha mãe me contou. Eu tinha 9 anos. Posso recriar a cena inteira ainda hoje. Chorei profundamente.”

De tempos em tempos, uma morte tem o poder de comover e marcar milhões de pessoas, irmanadas num luto que cruza fronteiras e atravessa os anos. Foi o que aconteceu em dezembro de 1980, quando um fã descarregou sua arma em John Lennon em frente do edifício em que este morava em Nova York, o Dakota. E foi também o que aconteceu no domingo trágico de 1994 em Ímola. Pessoas numa quantidade formidável – não só no Brasil, mas mundo afora – são capazes de, como o piloto Lewis Hamilton, lembrar, quase vinte anos depois, o que estavam fazendo no preciso momento em que souberam da morte de Senna.

As estatísticas explicam parte do fascínio duradouro exercido por Senna.  Nos anos em que correu na Fórmula 1, ele conquistou três títulos, ganhou 41 vezes e fez 65 pole positions. É muita coisa, mas outros pilotos têm números superiores aos dele. O alemão Michael Schumacher, por exemplo, tem sete títulos e 91 vitórias.  Recentemente, vários pilotos foram ouvidos sobre quem foi o maior da história. O espanhol Fernando Alonson disse na hora: “Senna”. Hamilton também. Felipe Massa e Rubens Barrichello igualmente citaram Senna imediatamente diante da pergunta. O finlandês Mika Hakkinen, duas vezes campeão na década de 1990, ficou também com Senna. Ao saber da escolha de seus colegas, o próprio Schumacher disse: “Se me perguntarem quem foi o maior piloto de todos, eu também fico com o Senna”.

Como explicar o triunfo de Senna sobre os números que lhe são desfavoráveis? Primeiro, e acima de tudo, é preciso considerar que na Fórmula 1 o carro faz muita diferença – e Schumacher foi beneficiado por isso em diversas temporadas. Na Ferrari, particularmente, Schumacher não apenas teve um automóvel muito acima dos demais como ganhou da equipe companheiros que estavam na pista basicamente para ajudá-lo. Numa de suas vitórias, Schumacher ultrapassou seu colega de Ferrari Barrichello no momento em que este, por ordem da escuderia, virtualmente parou para que ele pudesse vencer. Foi um triunfo ultrajante. Mesmo assim, está computado nos números de Schumacher. Se não bastassem as supermáquinas e a posição ultraprivilegiada na Ferrari, Schumacher teve a sorte de correr numa era de pilotos medíocres.

Senna, ao contrário, competiu com gigantes como Alain Prost, com quem protagonizou uma das mais eletrizantes rivalidades da Fórmula 1. Nos dois anos em que eles foram companheiros na McLaren, em 1988 e 1999, Senna e Prost com seus carros vermelhos e brancos idênticos elevaram a Formula 1 a um patamar de competição e espetáculo que nunca mais voltaria a ser alcançado posteriormente. Disputaram o título nos dois anos volta a volta, prova a prova. Senna derrotou Prost em 1988 e só não repetiu isso em 1989 porque foi fechado pelo rival na prova decisiva quando estava prestes a passá-lo. (Em 1990, Senna daria o troco a Prost, batendo propositadamente na Ferrari deste logo na primeira curva da corrida que definiria o título, no Japão. Senna seria campeão se Prost não terminasse a prova, e Senna logo providenciou isso ao manter o carro descaradamente numa linha reta quando Prost ia tomando a ponta na curva.)

Senna, fora Prost, enfrentou nas listas outros pilotos formidáveis, como o brasileiro Nelson Piquet e o inglês Nigel Mansell. Por tudo isso, Senna prevalece nas comparações com Schumacher. É como se em Schumacher o mundo da Fórmula 1 visse a ação do carro superior aos outros e dos cartolas, para não falar dos adversários limitados, e, em Senna, puramente o fator humano. O mito é também alimentado pela morte prematura e sensacional. Mas a imagem de Senna como um piloto extraordinário nasceu bem antes que ele vencesse sua primeira prova na Fórmula 1. Mais precisamente: antes que ele disputasse sua primeira corrida na principal categoria do automobilismo mundial.

Senna deixou o Brasil para viver na Inglaterra, a pátria das corridas de automóvel, em 1981, aos 21 anos. No Brasil, ele já era conhecido como um piloto incomum graças a uma coleção de vitórias obtidas no kart desde que era criança. (No resto da vida, Senna falaria com nostalgia dos tempos de kart, em que o que havia era “pura corrida, sem dinheiro, sem politicagem”.) Na Inglaterra, Senna logo chamaria a atenção dos dirigentes das principais escuderias de Fórmula 1 ao ser campeão em divisões inferiores em 1982 e 1983 bem a seu estilo – ultrapassagens sensacionais e inconformismo com outra posição que não fosse a primeira. Sua vontade de vencer – colossal, para muitos doentia, mas sem dúvida essencial para que ele fosse o que foi – tem um bom paralelo, nos dias de hoje, com a gana do tenista espanhol Rafael Nadal.

Logo em sua primeira temporada na Fórmula 1, na pequena Toleman, Senna confirmou as expectativas elevadas em torno de seu futuro. Numa prova em que uma chuva forte praticamente igualou os carros, Senna, para admiração e surpresa de todos, parecia dirigir como se a pista só para ele estivesse seca. Largou de trás, foi passando um a um, com seu carro modesto, os adversários e quando tirava quatro segundos por volta do líder Alain Prost a corrida foi interrompida. Foi o primeiro de uma série memorável de desempenhos na chuva. A familiaridade de Senna com as pistas encharcadas veio dos dias de menino. Ele gostava de ir ao kartódromo, em São Paulo, quando chovia. Senna logo iria para equipes melhores – primeiro a Lotus, intermediária, e depois para a McLaren, onde ele viveria seus dias de ouro.

Em Senna se reuniam vários contrastes. O piloto exuberante se transformava, fora do carro, num homem discreto. Reservadamente, sem espalhafato, ele assim que pôde começou a ajudar crianças pobres em seus estudos – a maneira mais eficiente de permitir que ascendam. No documentário “Senna”, uma de suas falas apontava para algo que é hoje intensamente debatido no mundo: a disparidade social. No Brasil, notava ele, a beleza natural tem como contrapartida a violência, “provocada pela desigualdade”. Na pista, Senna ajudou brasileiros de todas as classes  — alegrando-os com suas vitórias nos domingos pela manhã e mostrando, ao carregar a bandeira do país nas voltas de comemoração, que o Brasil tinha, sim, jeito.

Era religioso. Disse – com a proeza suprema de não cair no ridículo – que falou com Deus ao ganhar seu primeiro título.  A fé vinha da mãe, Neide. Numa entrevista no começo da carreira de Senna, ela disse que pedia a Deus todos os dias que nada acontecesse com o garoto. Dez anos depois, o carro pilotado por seu filho não faria a curva Tamburello. Não existe registro, na história recente do país, de uma comoção comparável à que se viu no enterro de Senna.

Em seu túmulo, no Cemitério do Morumbi, está gravada uma inscrição: “Nada pode me separar do amor de Deus”. Pessoas mais céticas podem não acreditar em tais palavras, extraídas da bíblia. Mas ninguém ousaria discutir que nada pode separar Ayrton Senna do coração de milhões e milhões de pessoas de todas as partes que tiveram o privilégio de um dia vê-lo nas pistas – indomável, insaciável e, para muitos, absolutamente incomparável.


Médico que socorreu Ayrton Senna revela o que causou morte do piloto


Ayrton Senna, piloto brasileiro. Foto: PlanetF1

O médico italiano Alessandro Misley, integrante da equipe de socorristas do Autódromo Enzo e Dino Ferrari nos anos 90, recordou os momentos do acidente que resultou na morte do piloto brasileiro Ayrton Senna há 30 anos, em 1º de maio de 1994.

O médico anestesista, originário da cidade de Modena, relata que ficou evidente de imediato que as condições do brasileiro eram extremamente críticas e que, logo na pista, havia o temor pelo pior desfecho.

“Infelizmente, a situação rapidamente se tornou dramática, pois Ayrton sofreu lesões na cabeça, na cervical e na base do crânio. Ele ficou inconsciente instantaneamente. Os sinais vitais estavam comprometidos. Tudo indicava um desfecho sombrio. Havia sangue saindo pela boca e pelo nariz, e, infelizmente, também havia matéria cerebral. Mesmo assim, tentamos várias vezes aspirar, ventilar e oxigenar”, conta.

As imagens logo após o acidente mostraram Senna movendo levemente a cabeça. Contudo, Dr. Misley afirma que foi um movimento involuntário e que, desde o momento do impacto, Senna não recuperou a consciência. O italiano, juntamente com o médico da Fórmula 1 Sid Watkins, acompanhou Senna de helicóptero até o Hospital Maggiore, em Bolonha.

É amplamente difundida a teoria de que o principal fator agravante do acidente de Ayrton Senna foi o impacto da barra de suspensão, que, ao se soltar logo após a colisão, atingiu a viseira do capacete do piloto e, em seguida, sua testa. No entanto, Misley é categórico ao afirmar que esse não foi o motivo da morte do automobilista.

“Absolutamente não. Isso é falso. De fato, um pedaço da suspensão penetrou no capacete e causou uma lesão na região frontal de poucos centímetros, o que, é claro, não é inofensivo. Mas, com certeza, não foi isso que provocou a morte de Senna. A morte de Senna foi causada pela fratura na base do crânio, devido ao forte impacto causado pela desaceleração. A lesão da barra de suspensão é secundária e não fatal. [Se fosse apenas isso], Senna estaria vivo.”

O médico italiano Alessandro Misley. Foto: Reprodução

A fratura da base craniana é uma lesão grave na qual a parte inferior do crânio, onde o cérebro se apoia, se fratura devido a um impacto forte ou a um movimento brusco.

Após uma desaceleração abrupta de um corpo em alta velocidade, o cérebro, que flutua dentro do crânio, continua em movimento mesmo após o fim do impacto e a parada do corpo após o acidente. Isso pode resultar em um efeito de “chicote”, no qual o cérebro se movimenta dentro do crânio e pode colidir com as paredes internas, incluindo a base craniana.

O carro de Senna estava a pouco mais de 300 km/h no momento do impacto. A brusca desaceleração, causada pelo impacto contra o muro de proteção, durou um pouco mais de 1 segundo. Àquela época, a cabeça do piloto ficava totalmente exposta, protegida apenas pelo capacete.

Segundo o Dr. Misley, a ausência de dispositivos de segurança atualmente presentes foi determinante para o desfecho do acidente, como o sistema HANS (Head and Neck Support), estrutura que protege a cabeça e o pescoço dos pilotos, desenvolvido na metade dos anos 90 e agora de uso obrigatório. “Não estou dizendo que [com o HANS] não teria ocorrido nada [com Senna], mas certamente o impacto e os danos teriam sido menores”, conta.

Na véspera da morte de Senna, um acidente durante o treino para a qualificação tirou a vida do piloto da Simtek, o austríaco Roland Ratzenberger. Um dia antes, o brasileiro Rubens Barrichello, da Jordan, também se envolveu em um grave acidente na pista.

“Foi um fim de semana muito atípico, que culminou na morte de Senna. Eu fazia parte de uma das duas equipes médicas posicionadas em pontos opostos da pista. Também tínhamos dois enfermeiros, o motorista e um ortopedista. Eu atendi ao acidente de Barrichello; o de Ratzenberger, não”, disse.

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