Justiça : Juiz é condenado por litigância de má-fé contra jornalista (e o pior: acusou o jornalista errado)
Enviado por alexandre em 06/08/2024 10:44:10


O juiz Rudson Marcos

POR THIAGO SUMAN

O jornalista Francisco Chagas, popularmente conhecido como Chico Alves, venceu o juiz Rudson Marcos na justiça. O caso é recheado de erros e má utilização do poder judiciário.

Em 2020, o Brasil ficou chocado com os desdobramentos do caso Mari Ferrer, que levou aos tribunais sua denúncia de abuso sexual, sofrido, segundo ela, pelo empresário André Camargo Aranha, em Santa Catarina. Durante o julgamento, houve uma escalada de degradação moral, humilhação e violência verbal contra a vítima, que ouviu de Cláudio Gastão, advogado de defesa de André (famoso por defender Olavo de Carvalho em processo contra o historiador Marco Antônio Villa), horrores, como: “Eu jamais teria uma filha do ‘nível’ de Mariana” ou “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

A conduta do juiz, na ocasião, foi punida com advertência pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Mais tarde, Rudson absolveu o réu em primeira instância, entendendo que a acusação de estupro estava fragilmente sustentada pelos relatos da influencer e de sua mãe. Esse caso culminou, inclusive, com a Lei Mari Ferrer, de 2022, que pune agentes públicos que causam sofrimento desnecessário às vítimas de crimes de violência sexual.

Durante o julgamento, e ao analisar a sentença, o jornalista Chico Alves publicou uma coluna de opinião ainda pelo UOL (onde trabalhava à época; hoje Chico está no ICL), criticando a condução do juiz Rudson Marcos naquele caso.

Em resposta, o magistrado decidiu processar o jornalista, pedindo indenização de R$ 52.800,00 por alegar que ele lhe atribuiu uma decisão judicial baseada em uma “tese” de “estupro culposo”. Porém, fica evidente que o jornalista nunca alegou isso em nenhuma linha do seu texto.

Para agravar ainda mais a situação, Rudson acusou a pessoa errada: o alvo foi outro jornalista chamado Chico Alves. Sim, um homônimo de Francisco Chagas (chamado Francisco Edson). Edson apresentou contestação explicando que era o alvo errado da intenção do juiz. E, para adicionar ainda mais camadas à confusão, o magistrado replicou, insistindo na versão de que estava certo.

A defesa de Chico Alves (Francisco Edson), representada pelo escritório Flora, Matheus & Mangabeira Sociedade de Advogados, apresentou uma nova petição detalhando mais provas de que se tratava de pessoas diferentes. Só depois disso é que se conseguiu estancar uma aberração jurídica, extinguindo o processo por ilegitimidade passiva.

“Trata-se de um típico caso de assédio judicial, uma pessoa poderosa usando o Judiciário para amedrontar seus críticos. Dessa vez, o Sr. Rudson trocou os pés pelas mãos: processou a pessoa evidentemente errada, mentiu ao juízo e, a nosso pedido, foi condenado. A sentença foi exemplar”, diz Lucas Mourão, advogado que ainda enfatiza: “Espero que esse resultado iniba o Sr. Rudson de seguir praticando assédio judicial contra jornalistas e comunicadores”.

O juiz Rudson Marcos foi condenado por litigância de má-fé, indenizando Chico Alves (Francisco Edson), além de arcar com honorários de sucumbência e custas processuais. O montante girou em torno de R$ 12.000,00.

Chico Alves, autor do texto, comentou sobre sua matéria: “As alegações que o juiz faz na sua acusação, sobre eu ter citado estupro culposo, são tremendamente fantasiosas. Eu nunca citei isso. Fiz uma crítica ao juiz e à forma como ele conduziu o processo. Algo muito comum em democracias, né?”

O jornalista também lamenta que o colega e xará tenha passado por esse caos judicial e diz que riu muito da inépcia de todo o processo: “É um absurdo tão grande que eu fiquei bem tranquilo durante o processo, pois, de tão surreal, sabia que não se consumaria”.

Já o “réu errado”, Francisco Edson, faz um desabafo comemorando o resultado como uma vitória do jornalismo: “Há mais de três décadas, dedico minha vida profissional a um jornalismo isento, justo e verdadeiro. Meus esforços resultam em uma carreira reconhecida e premiada até aqui. Por isso me surpreendi ao ver meu nome citado como suposto ‘réu’ numa ação judicial que não tinha nada a ver comigo. Mas a atuação dos meus advogados foi firme e exemplar, me fazendo redobrar a confiança na justiça. Dedico essa vitória a todos os colegas de profissão”.

O CNJ exigiu, em abril deste ano, que o juiz Rudson desse explicações sobre ações judiciais contra críticos. A União Brasileira das Mulheres identificou mais de 160 ações judiciais contra pessoas que usaram a hashtag #estuproculposo, em referência à decisão do julgamento de Mari Ferrer.

Os “Chicos Alves” juntos na redação do jornal O Dia: Francisco Edson Alves (vermelho) e Francisco Alves das Chagas Filho (azul)

Além disso, o magistrado já havia processado a repórter Schirlei Alves, do The Intercept Brasil, que também cobriu esse caso, por “difamação e injúria”. Cabe destacar que Rudson é citado pela ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) em seu “Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas”.

Todo o processo envolvendo o juiz Rudson e os Chicos Alves está sendo apoiado pela ONG internacional britânica Media Defence, que acompanha casos em que a liberdade de imprensa está ameaçada e jornalistas são perseguidos. A organização internacional atua em todos os continentes.

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