As horas do dia permanecem as mesmas, nada mudou, mas o que tem sido alterado em nosso dia a dia para que tenhamos constantemente a sensação de que não estamos dando conta? E no tempo não cabe mais tudo que precisamos e desejamos fazer? Na ânsia de recuperar este tempo, suprimido diante de tantas urgências que se acumulam, corremos. Para onde? Em busca de quê? Nem sempre sabemos a resposta.
Mas estamos correndo, nações inteiras sobrecarregadas, procurando dar conta de várias tarefas ao mesmo tempo – e a vida das mulheres tem sido ainda mais impactadas. Estamos todas exaustas de tanto correr, com as demandas, cobranças e o tanto que o mundo nos consome.
Você tem se sentido assim? Já se perguntou o por quê? Em pesquisa de 2023, o Lab Think Olga (organização não-governamental de inovação social, com foco em criar impacto positivo na vida das mulheres brasileiras) realizou um estudo com o objetivo de compreender o panorama da saúde mental das brasileiras, pós-pandemia, e ouviu 1.078 mulheres, maiores de 18 anos, de todas as classes sociais e regiões do país.
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Os dados são alarmantes, mas não surpreendem, revelando uma realidade cruel que tem afetado muitas de nós: 45% das entrevistadas responderam que já foram diagnosticadas com algum transtorno mental, dentre elas: 35% com ansiedade, e 17% com depressão.
Os sentimentos mais frequentes no cotidiano delas são a ansiedade (55%); o estresse (49%), a irritabilidade (39%). A sonolência, a fadiga e a baixa autoestima aparecem em 28% das entrevistadas, seguidas pela insônia, que acomete 27%, a perda de interesse (26%) e a tristeza (25%) – o que torna essas mulheres constantemente esgotadas e insatisfeitas consigo mesmas e suas vidas.
Para entender as causas de tantas mulheres acometidas por estes sentimentos e diagnósticos, precisamos atrelá-los às questões culturais e sociais, que historicamente, recaem sobre nós, como a responsabilidade com o cuidado dos filhos, casa, família, as duplas e triplas jornadas de trabalho, em cotidianos permeados pela violência doméstica, o racismo, a pobreza e a falta de oportunidade no mundo do trabalho, que influenciam diretamente suas condições sociais e econômicas para ter uma vida digna.
Mais dados desta pesquisa ilustram bem as questões socioeconômicas como fatores que impactam a vida das mulheres. O estudo perguntou às entrevistadas seu nível de satisfação com diversas áreas da vida, e a notícia é que elas não estão minimamente satisfeitas em nenhuma área de suas vidas: 32% não estão satisfeitas com as relações amorosas, seguidas por relações familiares (30%), a relação consigo mesma, autoestima (27%), seguidas pela relação com o trabalho e a saúde emocional (24%). Além das 21% que estão insatisfeitas com a sua capacidade de lidar com diferentes áreas da vida, seguida por 14% que estão insatisfeitas com a sua situação financeira.
A falta de dinheiro e a sobrecarga de trabalho são as maiores questões que afetam hoje a saúde emocional das mulheres brasileiras, e quando perguntadas sobre as áreas da vida que desejariam mudar, ganham destaque a situação financeira (60%) e as condições de trabalho (30%). As baixas remunerações, a falta de valorização e possibilidade de crescimento profissional, atrelados à falta de assistência e estrutura social que cuide dos filhos e pessoas da família, que exigem cuidados, fazem com que muitas delas estejam em condições de trabalho precárias, e até mesmo submetidas à exploração.
O recorte racial para todas estas categorias analisadas mostra que, as mulheres negras seguem sendo as mais afetadas, em decorrência do racismo e machismo que as oprime e nega direitos. O retrato é bastante desolador, e apresenta uma realidade cruel, que eu e você conhecemos bem. Cada mulher sabe as consequências destas e de tantas outras questões que as mantém hoje no sentimento constante de esgotamento emocional e físico.
Diante disto, como podemos mudar esta realidade, e cuidar das mulheres do nosso país? Pois sem as mulheres, sabemos que não há futuro. O primeiro passo foi dado, e a boa notícia é que 91% das mulheres entrevistadas neste estudo, reconhecem que a saúde emocional deve ser levada a sério, e 76% estão buscando prestar mais atenção nisso, principalmente pós-pandemia.
As formas de lidar com o estresse, a ansiedade, a depressão, vão desde acompanhamentos médicos e psicossociais, a processos de autocuidado e cuidado coletivo entre as mulheres, e a garantia de políticas sociais, que lide com as desigualdades sociais, o racismo e a pobreza. bell hooks, intelectual do feminismo negro, em seu célebre livro “Irmãs do inhame: mulheres negras e autorrecuperação” fala da necessidade das mulheres olharem para si, e se compreenderem como sujeitos de direito à uma vida digna, podendo trabalhar processos de autocura das violações sofridas em suas vidas, se acolhendo, ouvindo umas às outras, e contando com apoio para suas questões pessoais.
O contexto em que a escritora fala refere-se a um grupo criado por mulheres negras universitárias para lidar com o racismo em uma universidade nos Estado Unidos, mas aqui podemos pensar nos grupos de mulheres feministas, de autoreflexão, que constroem encontros de acolhimento entre mulheres para que possam olhar para suas dores, e iniciar processos coletivos de cura, de questões que são sentidas de forma individual, mas partem de problemas coletivos, como a violência de gênero.
Fotos: Reprodução
A autorrecuperação é uma atitude de autopreservação, como dizia Audre Lorde, outra intelectual negra que se dedicava ao tema: cuidar de mim, para que eu possa viver bem, melhor e com dignidade. Junto a estes processos, buscar ajuda é parte fundamental para o cuidado com a saúde mental. Terapia não é frescura, e é muito, muito importante contar com ajuda profissional para lidar com a depressão, a ansiedade e tantos outros sintomas que afetam a saúde emocional. Se você sente que não está conseguindo lidar sozinha com as suas questões, procure ajuda, converse, você não está só. Por fim, garantir políticas sociais, como direito à moradia digna, ao trabalho, renda, educação, lazer e saúde também são fundamentais para que as mulheres vivam bem em condições dignas para cuidar de si.
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O primeiro passo é olhar para si, tirar um momento, nem que seja agora, enquanto você lê este texto para se perguntar: como estou me sentindo, do que estou precisando? O cuidado de si começa por cada uma, é uma atitude individual, que só você pode fazer por você mesma, e daí buscar uma rede de apoio, para que juntas os processos de cura comecem. É muito importante dar o primeiro passo, e não naturalizar as sobrecargas, o cansaço, e tanta correria que vem nos adoecendo. Viver bem é um direito de todas nós. Você não está sozinha!
Fonte: Revista IstoÉ