Tenho uma forte lembrança de voltar à cidade nas tardes de domingo e pensar quero ficar, e de chegar ao escritório nas manhãs de segunda-feira e, em vez de abrir o e-mail, abrir as câmeras ao vivo do mar e ver quatro pessoas entrando na água pensando: quero ser um desses caras — diz.
A ligação entre o homem e a água remonta a tempos históricos, como fonte de vida, espaço de renovação e tranquilidade. Dos antigos banhos termais romanos aos rituais de purificação no Ganges, às férias na praia e até ao duche ao final do dia, a água tem uma longa lista de antecedentes sendo interpretada como um elemento chave para o restabelecimento físico e emocional.
Longe de ser uma sensação abstrata, tanto da ciência como da psicologia, esta relação foi estudada com diferentes abordagens e a conclusão foi sempre a mesma: o contato com a água tem um impacto positivo no homem, a nível físico e emocional. Neste campo de análise, a maior referência é Wallace J. Nichols, biólogo marinho que dedicou a sua vida ao estudo deste fenómeno e nomeou-o “Mente Azul” .
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Em seu best-seller, Blue Mind: The Surprising Science That Shows How Being Near, In, On, or Under Water Can Make You Happy, Healthy, More Connected, and Better at What You Do (Em tradução livre: Mente Azul: a ciência surpreendente que mostra como estar perto, dentro ou debaixo d’água pode torná-lo feliz, saudável, mais conectado e melhor no que faz), Nichols apresenta uma ampla gama de estudos. que ligam a proximidade à água, seja através do oceano, dos rios, dos lagos ou das piscinas, à calma, à saúde, à criatividade, à eficiência e, em última análise, ao bem-estar pessoal.
O autor compara o estado da Mente Azul com a Mente Vermelha , nome que utiliza para se referir ao estado de estresse crônico , superestimulação e hiperatividade típico da vida moderna que, no longo prazo, leva à ansiedade, fadiga mental e desconexão emocional.
NATURALMENTE ATRAÍDO
Nichols introduz o conceito de biofilia marinha para explicar por que a maioria das pessoas é atraída pela água e experimenta benefícios em sua presença. O termo, popularizado pelo biólogo Edward Wilson, sugere que essa conexão é resultado de milhões de anos de evolução perto de rios, lagos e oceanos, o que fez com que nossos cérebros fossem programados para se sentirem bem perto deles. Também alude ao fato de que nossa composição biológica é principalmente água.
— O corpo humano é composto por 70% de água e depende dela para sobreviver. Ao ver ou ouvir, seu cérebro recebe o sinal de que você está no lugar certo — afirma o cientista.
A NEUROCIÊNCIA POR TRÁS DO FENÔMENO
A partir de uma abordagem neurocientífica, Nichols afirma que os ambientes aquáticos — através da exposição a estímulos sensoriais suaves e repetitivos como o som das ondas, o contato com a água e até a contemplação de corpos d'água — desencadeiam uma série de respostas neuroquímicas que ativam a produção de hormônios, como dopamina, serotonina e ocitocina, todas associadas ao prazer, relaxamento e calma; ao mesmo tempo que reduz os níveis de cortisol, o hormônio do estresse.
Os principais estudos a que se refere são, por um lado, os do psicólogo ambiental Roger Ulrich e a sua teoria da recuperação na natureza, com a qual demonstrou que a presença da água e das paisagens naturais acelera a recuperação dos pacientes e reduz o stress.
Por outro, a do Laboratório de Neurociências da Universidade de Exeter, na Inglaterra, que revelou que as pessoas que vivem a menos de um quilómetro da costa relatam melhor saúde mental em comparação com aquelas que vivem mais longe das fontes de água. Mathew White, um dos investigadores responsáveis, é coautor de vários estudos que mostram que viver perto da água melhora a saúde mental e reduz o risco de depressão.
Na mesma linha, a psicóloga Mariana Kerestezachi, que há três anos se mudou para Miami, cidade litorânea por excelência, explica que o contato com a água se tornou um recurso terapêutico respaldado pela ciência. — Hoje tenho a oportunidade de vivenciar pessoalmente como é viver perto do mar e os efeitos que isso tem na mente e no corpo — disse em entrevista ao La Nacion.
Nichols sugere ainda que o contato regular com a água pode contribuir para a neuroplasticidade: a capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões neurais, o que também leva à redução do estresse crônico. Nesse sentido, ele menciona a Teoria da Restauração da Atenção desenvolvida por Rachel e Stephen Kaplan na década de 1980, que afirma que ambientes naturais como a água são restauradores, porque captam a atenção sem esforço e permitem que o cérebro se recupere do cansaço mental.
Benefícios de uma vida em contato com a água
Produção de hormônios positivos, como dopamina, serotonina e oxitocina
Redução do cortisol, um hormônio associado ao estresse e à ansiedade
Recuperação da fadiga mental
Melhor qualidade de sono
Benefícios para problemas respiratórios, como asma ou alergias
Menos tendência a sofrer de doenças crônicas
Melhor saúde mental e menos risco de depressão
Melhora os processos criativos e de introspecção
Menos doenças e melhor sono
Passando para o lado físico da questão, o autor cita o projeto BlueHealth financiado pela União Europeia, que após pesquisas e estudos em diversos países do território, observou que o contato regular com espaços azuis (como mares, rios, lagos e canais) está associado a menos prevalência de doenças crônicas — como as doenças cardiovasculares e a diabetes tipo 2 — e com menor taxa de mortalidade.
Isso ocorre porque as pessoas que vivem perto de ambientes aquáticos tendem a ter níveis mais elevados de atividade física e níveis mais baixos de estresse; em outras palavras: níveis mais baixos de cortisol e pressão arterial.
Os estudos do projeto BlueHealth falam também dos benefícios para a saúde respiratória em ambientes costeiros: o ar tende a ser menos poluído e mais húmido, atenuando condições como asma e alergias; e a relação entre os ambientes aquáticos e a melhoria da qualidade do sono, por induzir facilmente estados de calma e relaxamento, reduzindo a ansiedade.
O campo da psicologia clínica reforça esses benefícios. Kerestezachi cita vários estudos que sugerem que nadar no mar duas a três vezes por semana durante pelo menos 30 minutos pode levar a melhorias significativas no bem-estar emocional, e que os ambientes aquáticos são particularmente eficazes no combate ao stress e à ansiedade, o que se traduz numa maior felicidade e satisfação pessoal.
— Mesmo para quem prefere apenas contemplar o mar, dedicar pelo menos duas horas por semana perto da água é suficiente para notar efeitos positivos — afirma a especialista.
CRIATIVIDADE, ABERTURA E REFÚGIO EMOCIONAL
A água como fonte de criatividade e conexão emocional é outro aspecto que Nichols enfatiza. O autor afirma que estar perto da água permite que a mente se desconecte das distrações do dia a dia e entre em um estado mais livre, onde ideias e pensamentos inovadores fluem com mais naturalidade.
— A água acalma todos os ruídos e conecta você com seus próprios pensamentos e seu sentido de ser. Quando você submerge na água, há uma mudança na sua consciência, na química do seu cérebro, que pode levar a novas ideias e pensamentos criativos — escreve ele em seu livro. Nichols refere-se ao conceito científico de Rede Neural Padrão (DMN), um conjunto de regiões cerebrais que é ativado quando uma pessoa não está focada no mundo exterior, mas envolvida em pensamentos internos como reflexão, criatividade e introspecção.
Fotos:Reprodução
Seguindo essa ideia, pesquisas como a da Brighton and Sussex Medical School descobriram que sons naturais — como os das ondas, do fluxo do rio ou da chuva — ativam o córtex pré-frontal medial e a ínsula, ambas áreas ligadas à autorreflexão e a percepção de estados emocionais internos. Enquanto sons artificiais tendem a induzir atenção relacionada ao estresse e ruminação mental.
Nichols também defende que, ao promover comportamentos mais relaxados e abertos, a água tem um efeito positivo nas relações interpessoais, incentivando a empatia e a cooperação.
ADMIRAÇÃO E SUAVE FASCÍNIO
Os neurocientistas afirmam que participar de atividades aquáticas, como nadar ou surfar, pode nos ajudar a entrar em um “estado de fluxo” onde nos encontramos totalmente imersos no que estamos fazendo. — Isso acalma o estado interno da nossa mente, que é frequentemente absorvida por preocupações e preocupações — explica Ricardo Gil da Costa, neurocientista e CEO da Neuroverse.
Aqueles que estudaram o tema de como a água afeta o cérebro humano também mencionam que a água pode produzir uma “gloriosa sensação de admiração”. Isto, explicam, acontece porque a reação emocional a algo vasto – como, por exemplo, o oceano – expande e desafia a nossa visão do mundo, ao mesmo tempo que reduz o stress e ajuda a colocar as coisas em perspetiva.
Outro conceito a que os investigadores se referem é o de “fascínio suave”, gerado pela água. Ao mover-se ritmicamente, produzindo jogos de luzes, cores e sons, capta a nossa atenção, mas não de forma exigente. Em vez disso, dá ao nosso cérebro uma pausa na atenção concentrada e intensa que grande parte da nossa vida diária exige e que é cognitivamente exaustiva.
Kerestezachi lembra de uma época de sua vida profissional em que trabalhou com um psiquiatra argentino que também valorizava os benefícios desse elemento para o psiquismo.
— Ele sempre recomendou aos pacientes com depressão que eu encaminhava para tratamento médico que nadassem pelo menos três vezes por semana. Foi parte integrante de sua abordagem terapêutica e muitos pacientes relataram melhorias significativas em seu humor. As evidências apoiam a prática, já que tanto a natação quanto outras atividades aquáticas estão relacionadas à liberação de endorfinas e à redução do cortisol — explica.
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A psicóloga, que sempre viveu em cidades distantes do oceano, garante que o impacto que isso tem na sua vida pessoal e profissional é imenso e que, atualmente, a sua terapia é ir para o mar. “A ciência confirma o que muitos de nós já sentimos: a água tem um poder transformador na mente e no corpo.”
Fonte: O Globo