Os “kids pretos” são uma das tropas mais especializadas do Exército Brasileiro. Com histórico que remonta a 1957, o grupo é composto por militares da ativa e da reserva treinados em Operações Especiais. O nome informal, segundo o Exército, deriva do gorro preto usado pelos membros. Internamente, também são conhecidos como Forças Especiais (FE).
Os militares que desejam integrar os “kids pretos” passam por rigorosos processos seletivos e cursos especializados, como o de Ações de Comandos e o de Forças Especiais. A formação ocorre em centros estratégicos, como o Centro de Instrução de Operações Especiais, em Niterói (RJ), o Comando de Operações Especiais, em Goiânia (GO), e a 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus (AM).
Durante o treinamento, os candidatos aprendem a executar missões de alto risco e sigilo, incluindo combate ao terrorismo, guerrilha, insurreição, sabotagem, inteligência militar, e planejamento de fugas. Essas operações são classificadas como “guerra irregular”.
O lema divulgado em um vídeo oficial das forças especiais resume a mentalidade desses soldados: “O ideal como motivação. A abnegação como rotina. O perigo como irmão. A morte como companheira”.
Com um efetivo estimado em 2,5 mil militares até 2023, os “kids pretos” são treinados para atuar em todo o território nacional. Porém, sua utilização depende de ordens diretas do Comando do Exército, respeitando normas legais e protocolos de engajamento.
A especialização desse grupo inclui o uso de equipamentos avançados e táticas sofisticadas, o que torna suas ações notáveis. Um exemplo é o uso de granadas GL-310, comumente apelidadas de “bailarinas”, empregadas em treinamentos militares.
Apesar do prestígio técnico, os “kids pretos” caíram em descrédito após as eleições de 2022. Investigações da Polícia Federal identificaram a participação de membros da reserva em atos golpistas, incluindo os ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Depoimentos e vídeos sugerem que as táticas empregadas nos atos de vandalismo contra o Congresso Nacional, STF e Palácio do Planalto tinham características de coordenação militar.
Entre os envolvidos estão Rafael Martins de Oliveira, Hélio Ferreira Lima, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Mário Fernandes, os quatro presos desta quarta-feira. Outros membros do grupo, como o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, gravou vídeos incentivando os atos golpistas.
General revelou que Bolsonaro concordou com trama golpista em áudio, diz PF
As investigações da Polícia Federal, que culminou na prisão de militares dos “kids pretos” nesta terça-feira (19), revelaram que o general Mário Fernandes, detido por suspeita de envolvimento em planos golpistas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), esteve com o então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 8 de dezembro de 2022, e comemorado o resultado da conversa em áudio enviado para aliados após a reunião.
O encontro ocorreu quase um mês após Fernandes imprimir, no Palácio do Planalto, o planejamento operacional que incluía a prisão e execução do ministro Alexandre de Moraes e o assassinato de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin. A investigação também aponta que o ex-presidente teria participado da redação da minuta golpista.
Segundo a PF, o plano golpista foi impresso duas vezes: a primeira em novembro e a segunda em 6 de dezembro. Dois dias depois, Fernandes esteve no Palácio da Alvorada entre 17h e 17h40, conforme registros de controle de acesso. Em 9 de dezembro, ele enviou um áudio ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, comemorando que o ex-presidente havia aceitado o “nosso assessoramento”.
No áudio, Fernandes celebra a postura de Bolsonaro em se dirigir a apoiadores no Alvorada e agradeceu ao então ajudante de Ordens da Presidência: “Força, Cid. Meu amigo, muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento. Porra, deu a cara pro público dele, pra galera que confia, acredita nele até a morte. Foi muito bacana mesmo, cara. Todo mundo vibrando. Transmite isso pra ele”.
Além de exaltar Bolsonaro, Fernandes demonstrou preocupação com a proximidade da posse dos novos comandantes das Forças Armadas, marcada para 20 de dezembro. Segundo ele, a mudança na cúpula militar poderia frustrar os planos golpistas, indicando a urgência de uma ofensiva para interromper a transição.
A PF apontou o general como um dos principais elos entre o governo Bolsonaro e os manifestantes golpistas que se concentravam em frente aos quartéis. “Além de receber informações, também servia como provedor material, financeiro e orientador dos manifestantes antidemocráticos instalados nas adjacências do QG do Exército em Brasília”, afirma a investigação.
Os acampamentos em frente aos quartéis, organizados com apoio do general, também foram destacados pela PF como cruciais para a tentativa de golpe de Estado culminada nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Fernandes, identificado como “ponto focal” do governo com os golpistas, teria articulado o fornecimento de recursos e coordenado estratégias de mobilização.
Militares planejavam usar “técnicas terroristas” para matar Lula e Alckmin, diz Moraes
O plano de militares para assassinar o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin incluía uso de “técnicas militares e terroristas”, segundo o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também alvo dos golpistas. Em decisão que autorizou a Operação Contragolpe, que prendeu o grupo, o magistrado ainda apontou a “extrema periculosidade” dos envolvidos.
“Os elementos comprovam a existência de gravíssimos crimes e indícios suficientes da autoria, além de demonstrarem a extrema periculosidade dos agentes, integrantes de uma organização criminosa, com objetivo de executar atos de violência, com monitoramento de alvos e planejamento de sequestro e, possivelmente, homicídios”, escreveu o ministro.
Quatro militares do Exército ligados às Forças Especiais da corporação, os “kids pretos”, e um policial federal foram presos nesta terça. No despacho que autorizou a ação, o ministro ainda cita suspeitas de uso de aparato público-militar no plano, com o uso de um veículo oficial do Batalhão de Ações de Comandos.
“Os investigados contribuíram para o planejamento de um Golpe de Estado, cuja consumação presumia a detenção ilegal e possível execução, com uso de técnicas militares e terroristas, além de possível assassinato dos candidatos eleitos nas Eleições de 2022, Lula e Alckmin, e, eventualmente, as prisões de pessoas que pudessem oferecer qualquer resistência institucional à empreitada golpista”, prossegue o documento.
O grupo monitorou Lula, Alckmin e Moraes após uma reunião na casa do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente, no dia 12 de novembro de 2022, segundo o magistrado.
Os investigados planejavam envenenar as autoridades ou usar explosivos contra elas e admitiam a hipótese de morrerem durante o atentado.
“Claramente para os investigados a morte não só do ministro, mas também de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era admissível para cumprimento da missão de ‘neutralizar’ o denominado ‘centro de gravidade’, que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe de Estado”, diz outro trecho da decisão.