Brasil : Biodiversidade: crédito é habilitado em seringal com disputa fundiária
Enviado por alexandre em 23/12/2024 13:16:49

Biodiversidade: crédito é habilitado em seringal com disputa fundiária

Um projeto de geração de créditos de biodiversidade na Amazônia, mais especificamente em um seringal na região de Sena Madureira (AC), foi certificado por uma empresa especializada e validado por um instituto apesar da existência de uma disputa fundiária no lugar, que opõe posseiros e ocupantes tradicionais do seringal ao empresário que tem registro de propriedade das terras.

 

Agricultores, ribeirinhos e extrativistas dizem ter assinado documentos sob pressão e coação –parte deles sem compreensão sobre o que estava escrito nos contratos, por não saberem ler, segundo a Defensoria Pública do Acre.

 

Em outubro, o núcleo de cidadania da Defensoria Pública esteve no seringal Porongaba e começou a reunir documentos para o ingresso de ações de usucapião a favor de moradores da comunidade.

 

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Os defensores dizem que atuarão ainda em duas frentes na Justiça do Acre: pedido de anulação de acordos de posse feitos entre agricultores e o empresário apontado como dono do imóvel rural, em razão da destinação de fatias de terra menores do que os espaços ocupados pelos posseiros, e ação contra reintegração de posse decidida a favor do fazendeiro.

 

Mesmo com a disputa em curso, e com acusação de parte dos ocupantes do seringal de que estariam sendo expulsos da área, o Porongaba foi habilitado para geração e oferta de créditos de biodiversidade. Esses créditos são o novo filão na área de monetização da conservação ambiental. São muito semelhantes aos créditos de carbono, mas remunera-se a garantia da biodiversidade, não a retenção do carbono.

 

Crédito de biodiversidade é habilitado em local em disputa - 22/12/2024 -  Ambiente - Folha

 

Créditos de biodiversidade não são regulamentados, e a discussão ainda engatinha, como a feita na COP16, a conferência de biodiversidade da Organização das Nações Unidas (ONU) realizada em outubro e novembro em Cali, na Colômbia. Mesmo assim, há empresas no Brasil atuando na certificação de créditos, assim como já existe uma plataforma com divulgação desses títulos.

 

Uma das principais certificadoras é a Neocert, responsável pela validação de sete projetos de crédito de biodiversidade na amazônia. A plataforma é alimentada pelo Instituto Life, que atua no desenvolvimento de normas de certificação e no credenciamento de certificadores. O projeto do seringal Porongaba foi validado pela Neocert e pela Life.

 

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A empresa responsável pelo desenvolvimento do projeto dos créditos é a Yaco, que obteve certificações para mais três seringais no Acre. O dono das terras do Porongaba, segundo certidão em cartório em Sena Madureira, é Junior Galvane Batista. Junior é filho do empresário Moacir Crocetta Batista, que teve créditos de biodiversidade validados em outro imóvel rural, a Fazenda Cabaça 1 e 2, em nome de uma empresa de Crocetta, a M.I. Incorporadora. A fazenda fica na região de Borba, leste do Amazonas.

 

A Folha mostrou em reportagem publicada no último dia 10 que a M.I. foi multada duas vezes, e teve duas áreas embargadas na Fazenda Cabaça 1 e 2, por desmatamento ilegal. As multas foram aplicadas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que apontou que o desmatamento sem autorização objetivou “pastagens e benfeitorias para pecuária”.

 

Crocetta e uma segunda empresa do grupo foram multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2022, também por desmatamento ilegal. Ao todo, as cinco multas aplicadas –incluídas as lavradas pelo Ipaam– somam R$ 473 mil. Após serem contatados pela reportagem, Life e Neocert comunicaram a suspensão da certificação dos créditos de biodiversidade em Borba (AM). O empresário disse que as multas são “descabidas” e estão sendo contestadas.

 

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Em nota, o instituto Life afirmou, em relação à certificação de créditos no seringal Porongaba, no Acre, que “todos os certificados emitidos e que podem ter alguma relação com as denúncias aqui discutidas estão em processo de revisão a pedido do instituto”. A Neocert disse, em nota, que documentos fundiários demonstram regularmente a propriedade das terras. “Vimos que famílias de comunitários tradicionais tiveram seus direitos de posse reconhecidos pelo proprietário, que titulou e doou terras aos posseiros tradicionais.”

 

A Yaco e a M.I. afirmaram que o proprietário da área do seringal reconheceu formalmente os direitos de posse da comunidade tradicional, por meio de título de doação de 3.000 hectares a 42 famílias. Crimes ambientais são cometidos por grileiros e invasores, o que levou a área desmatada no seringal a 12,72% em 2024, conforme nota das empresas. Em 2005, eram 3,16%, disseram. Segundo lideranças que buscaram a Defensoria Pública do Acre, há 70 famílias no seringal. Parte delas está há décadas no lugar, outras chegaram há poucos anos, a partir da compra de acordos de posse em poder de antigos ocupantes.

 

São essas famílias tradicionais que garantiram a preservação da floresta ao longo das décadas, segundo os posseiros, em razão da importância da castanha, da seringa, da caça e de pequenas roças para a subsistência dos moradores. Conforme os relatos dos moradores, a pressão sobre as famílias ganhou força em 2021, quando teve início um projeto de créditos de carbono no seringal. Acordos de posse teriam sido rejeitados numa reunião, e foram aceitos individualmente, por um grupo de cerca de 40 famílias, a partir de uma ofensiva do grupo do dono do imóvel rural com registro em cartório, relataram posseiros.

 

O seringal tem 31.183 hectares, segundo a certidão registrada em cartório. O projeto de créditos de biodiversidade envolve 2.690 hectares, conforme o instituto Life. “O seringal Porongaba é uma comunidade remota que está passando por transformações significativas”, diz o instituto na plataforma de divulgação dos créditos. “A partir das iniciativas do projeto implementado de REDD+ [referente a créditos de carbono], a área recebeu melhorias na conectividade com a instalação de uma torre de comunicação para internet e kits de energia solar.”

 

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Fotos: Reprdução

 

Segundo o defensor Celso Araújo Rodrigues, coordenador de cidadania da Defensoria Pública do Acre, o órgão foi procurado por moradores do seringal, que alegaram estar sendo expulsos pelos proprietários. “Fomos à comunidade. As pessoas estavam sendo retiradas da área, e citaram ameaças e assinatura de documentos sob pressão, muitos sem saberem ler”, disse o defensor. “Vamos mover ações para anulação de reconhecimento de áreas menores do que essas pessoas têm direito.”

 

EMPRESAS DEFENDEM PRÁTICAS


Yaco e M.I. afirmaram que o reconhecimento do direito de posse no seringal permitiu que a comunidade tivesse acesso a financiamentos e programas públicos de fomento a atividades rurais.

 

“A regularização fundiária realizada pelo proprietário foi um ato antecipado de reconhecimento de direitos”, disseram as empresas. “O proprietário adquiriu o seringal há quase três décadas, e nesse tempo todo nunca promoveu o desmatamento de nem um hectare sequer. Os novos invasores, vindos de outras regiões, é que estão desmatando extensas áreas de florestas.”

 

O instituto Life afirmou que a metodologia desenvolvida exige cumprimento rigoroso da legislação vigente. Entre os critérios que devem ser levados em conta estão o acompanhamento de pendências jurídicas e comprovação de direitos de uso e posse da terra, disse.

 


 

A Neocert, por sua vez, afirmou que incluiu instituições locais em consulta pública e que nenhum indício foi levantado. “Havia processos de reintegração de posse sobre invasores, com ganho de causa para a empresa, citando inclusive desmatamentos realizados por invasores.” 

 

Fonte: Revista Cenarium

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