Regionais : Condenado a 8 anos de prisão, Kaká Mendonça
Enviado por alexandre em 15/10/2010 11:04:09



Da reportagem do TUDORONDONIA
Os 10.658 votos obtidos no dia 3 de outubro pelo deputado estadual Kaká Mendonça continuarão invalidados pela Justiça Eleitoral e o parlamentar, que disputou a reeleição, continua com o pedido de registro de candidatura indeferido. Foi o que decidiu, no último dia 13, o ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao julgar recurso especial impetrado por Kaká.

Ficha suja, Kaká Mendonça está inelegível. O deputado foi condenado em 17 de novembro de 2008 pelo Tribunal de Justiça de Rondônia pelos crimes de concussão e formação de quadrilha. O parlamentar está condenado a oito anos, quatro meses e quinze dias de prisão em regime fechado.

Ele foi apanhado na Operação Dominó da Polícia Federal que investigou o desvio de R$ 70 milhões da Assembléia Legislativa de Rondônia.

Em decorrência de tal condenação, o Tribunal Regional Eleitoral entendeu aplicável ao candidato a hipótese de inelegibilidade prevista na Lei 135 (Lei da Ficha Limpa), decisão confirmada agora pelo TSE.

Na sua decisão, o ministro Marcelo Ribeiro anotou: “Na Roma antiga os candidatos a cargos eletivos trajavam uma toga alva como forma de identificá-los e distingui-los dos demais cidadãos. Nesse sentido, lembrei que a palavra ‘candidato’ vem do latim candidatus, que significa ‘aquele que veste roupa branca’ , representando a pureza, a honestidade, a idoneidade moral para o exercício do cargo postulado”.

Ao analisar o recurso de Kaká Mendonça, o ministro não encontrou nenhuma dessas características no deputado.


Decisão Monocrática em 13/10/2010 - RESPE Nº 96863 MINISTRO MARCELO RIBEIRO
DECISÃO

Cuida-se de recurso especial interposto por João Ricardo Gerolomo de Mendonça (fls. 119-153) contra decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia (TRE/RO) que, acolhendo impugnação formulada pelo Ministério Público Eleitoral, indeferiu seu registro de candidatura ao cargo de deputado estadual, por entender configurada a hipótese de inelegibilidade capitulada no art. 1º, I, e, item 1, da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/2010.

Eis a ementa do acórdão (fl. 110):

Eleições 2010. RRC (Requerimento de Registro de Candidatura -Pedido coletivo). Deputado Estadual. Impugnação ministerial. Arguições de inconstitucionalidade da Lei-Complementar n. 135/2010 arredadas (princípio da anualidade, da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição). Condenação passada por órgão colegiado. Crime contra Administração Pública (CP, art. 316). Lei-Complementar n. 64/90, art. 1º, inciso I, alínea "e" , item "1" . Procedência. Inelegibilidade. Registro de candidatura indeferido.

Arguições de inconstitucionalidade afastadas. Impugnação julgada procedente. Registro indeferido.

O recorrente aponta contrariedade aos arts. 5º, II, XXXVI, XXXIX, LV, e LVII, e 16 da Constituição Federal; 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil; e 1º, I, e, da LC nº 64/90.

Argumenta, em síntese, que:

a) "no caso em estudo, a Lei Complementar n. 135/2010 alterou o processo eleitoral, eis que `rompeu de forma direta e clara a igualdade entre os candidatos¿, sem olvidar que está sendo `fator de perturbação do pleito¿, porquanto afrontou o comando cogente esculpido no art. 16 da CF" (fl. 134);

b) não obstante a ADI nº 3685, julgada pela Suprema Corte, tenha tido objeto diverso da dos autos, qual seja, o exame do art. 2º da EC nº 52, "o que ora se destaca é a repercussão vinculante dos fundamentos utilizados pela Corte Constitucional naquela ocasião que assinalaram a ofensa ao princípio da anterioridade da Lei Eleitoral" (fl. 135);

c) o art. 16 da Constituição Federal busca assegurar o "devido processo legal eleitoral" , na sua compreensão mais ampla, e não as simples normas adjetivas de processo, que não têm a faculdade de modificar o quadro político que antecede os pleitos eleitorais;

d) "Da leitura da LC n. 135/2010 verifica-se que todas as causas de inelegibilidade ali dispostas têm a natureza de inelegibilidade sanção, uma vez que decorrem do cometimento de atos reprimidos pelo ordenamento jurídico. Considerada tal premissa, o argumento de que impedir uma candidatura com base na Lei da Ficha Limpa não se está antecipando o cumprimento de uma pena cai por terra" (fls. 137-138);

e) "Considerando-se as inelegibilidades da Lei da Ficha Limpa como pena, ou não, a jurisprudência do STF é farta no sentido de que ninguém poderá ser considerado culpado nem ter direitos restringidos sem antes ter contra si decisão condenatória transitada em julgado (art. 5º, LVII, CF) [...] Além disso, o próprio art. 15, III, da Constituição estabeleceu que a suspensão dos direitos políticos decorre de condenação criminal transitada em julgado" (fl. 138);

f) "ainda que não se considere a inelegibilidade uma pena, ela significa, no mínimo, uma restrição de direito - o de ser votado - que, do mesmo modo, não pode ser suprimido com base no mesmo princípio constitucional da presunção da inocência" (fl. 140);

g) "O próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 144, ao confrontar os princípios constitucionais da presunção da inocência (art. 5º, LVII) e da moralidade e probidade para o exercício do mandato eletivo (art. 14, § 9º), assentou a prevalência absoluta do primeiro, sem mesmo ter considerado inelegibilidade uma sanção" (fls. 140-141);

h) a LC nº 135/2010 não pode retroagir para alcançar situações jurídicas constituídas antes de sua vigência. "Nesse sentido, no entender do Recorrente, não se deve relacionar o tempo da lei nova eleitoral com o tempo do registro de candidatura, mas, sim, confrontá-la com o tempo do ato ilícito que fez nascer a inelegibilidade ou com o tempo da relação processual em cuja decisão anexou-se a sanção" (fl. 147);

i) "a segurança do ato jurídico perfeito, que é resguardada pelo art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução, preconiza que o ato jurídico válido, consumado durante a vigência da lei que contempla aquele direito, não poderá ser alcançado por lei posterior, sendo inclusive imunizado contra quaisquer requisitos formais exigidos pela nova lei" (fl. 149);

j) "devido ao foro privilegiado, o Recorrente foi julgado tão somente pelo e. TJ/RO, pendendo ainda recurso que viabilize o duplo grau de jurisdição. Não é razoável que a declaração de inelegibilidade possa também atropelar o duplo grau de jurisdição, além do princípio da presunção de inocência, pois aquele é um princípio também umbilicalmente ligado ao devido processo legal, razão pela qual adquire status de garantia constitucional" (fl. 151); e
k) o termo "decisões proferidas por órgão colegiado" deve ser entendido como aquelas confirmadas pelos tribunais e não as examinadas originariamente, para se preservar a segurança jurídica, proporcionando um reexame que impeça ou diminua erro, e assegurar o direito ao inconformismo das decisões judiciais, manifestado por meio da interposição de recurso.

Em contrarrazões (fls. 156-181), o Ministério Público Eleitoral sustenta, em síntese, que:

a) as normas relativas às inelegibilidades não estão afetas ao direito processual eleitoral, ao revés, constituem-se em normas de direito material, não havendo, portanto, qualquer violação ao princípio da anualidade;

b) a garantia prevista no art. 5º, LVII, da Constituição Federal pode sofrer limitações, porquanto não se trata de uma norma-regra (absoluta, se inexistente uma cláusula de exceção), mas de uma norma-princípio, que, embora considerado um direito fundamental, não é absoluta nem imponderável;

c) a LC nº 64/90 nada mais fez do que "explicitar o que já era exigido pelo art. 14, § 9º da Constituição Federal, vale dizer, criou hipóteses de inelegibilidades a fim de proteger os valores da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato, já que se o disputante sequer assim se comportou ao concorrer ao cargo almejado, o que dirá quando do início de suas atividades como agente público" (fl. 170);

d) não se pode olvidar que os princípios e direitos fundamentais elencados na Constituição Federal têm como destinatários também a coletividade, não se restringindo à esfera individual. No cotejo entre o direito individual de ser votado e o direito coletivo de ter representantes políticos "ficha limpa" , deve prevalecer este último;

e) "as hipóteses de inelegibilidade previstas na LC 135/2010 devem ser aferidas no momento do registro de candidatura, aplicando-se inclusive às situações configuradas antes de sua entrada em vigor. E, nessa hipótese, não há que se falar em aplicação retroativa da lei, porquanto essa está sendo aplicada em registros de candidaturas posteriores à sua entrada em vigor, e não a registros de candidatura passados" (fls. 173-174);

f) "o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição não tem natureza constitucional, não obstante seja consectário lógico da estrutura judiciária, cuja presciência extrai-se da competência recursal dos tribunais pátrios" (fl. 180); e

g) o foro por prerrogativa de função, preceituado no art. 69 do diploma processual, fora instituído em razão da relevância da função desempenhada por determinada pessoa, porquanto visa resguardar a função pública, não havendo se invocar este instituto como privilégio pessoal para se escusar ao cumprimento da lei.

A Procuradoria-Geral Eleitoral manifesta-se pelo desprovimento do recurso (fls. 184-188).

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, recebo o recurso como ordinário, porquanto interposto de acórdão que versa sobre inelegibilidade (art. 49, I, da Resolução TSE nº 23.221/2010).

Entretanto, o recurso não tem condições de êxito.

Consta dos autos que João Ricardo Gerolomo de Mendonça, ora recorrente, foi condenado, em 17.11.2008, por órgão colegiado (TJ/RO), pelo cometimento de crime de concussão e formação de quadrilha (CP, arts. 316 e 288), sendo-lhe cominada pena de 8 (oito) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 248 (duzentos e quarenta e oito) dias-multa, em regime inicial fechado.

Em decorrência de tal condenação, a Corte Regional entendeu aplicável ao candidato a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, item 1, da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/2010.

Em primeiro lugar, no que se refere à aplicabilidade imediata da LC nº 135/2010, assentei em meu voto, nos autos do RO nº 4336-27/CE, em 25.8.2010, a sua não incidência nas Eleições de 2010, ante o princípio da anualidade eleitoral insculpido no art. 16 da Constituição Federal.

Esta Corte, todavia - confirmando posicionamento fixado na Consulta nº 1120-26.2010.6.00.0000/DF - decidiu, contra o meu entendimento, que as inovações trazidas pela LC nº 135/2010 não alteram o processo eleitoral e, por isso, a sua incidência às eleições do corrente ano não implica violação ao aludido princípio.

Entendo, ainda, que a LC nº 135/2010 não se aplica aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, em face do princípio basilar da irretroatividade das leis que encerram situações jurídicas gravosas.

Com efeito, a meu ver, não é possível o estabelecimento de uma causa de inelegibilidade que considera período anterior à vigência da lei, porquanto, ainda que não configure sanção, na espécie, qualifica-se como matéria de direito estrito, dela decorrendo sérias restrições ao exercício da cidadania passiva, sujeitando-se, portanto, aos ditames da irretroatividade.

Sucede que, não obstante o meu ponto de vista, este Tribunal, em sessão do dia 30.9.2010, nos autos do RO nº 609-98.2010.6.01.0000/AC, de relatoria do Min. Arnaldo Versiani, firmou que as causas de inelegibilidade do art. 1º, I, e, da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/2010, incidem de imediato sobre todas as hipóteses nela contempladas, ainda que os fatos a que se referem tenham ocorrido antes da sua entrada em vigor, e mesmo que não tenha havido o respectivo trânsito em julgado da decisão condenatória, bastando, para tanto, que tenha sido proferida por órgão judicial colegiado.


A propósito, transcrevo trecho do voto proferido pelo e. Min. Relator, que fundamentou o decisum nos seguintes termos:

No que diz respeito à alegação de violação ao princípio da anualidade, anoto que este Tribunal Superior já se pronunciou no sentido de que a aplicação imediata da referida lei complementar às próximas eleições de 2010 não ofende o art. 16 da Constituição Federal.

Cumpre citar, a propósito, o voto do Ministro Ricardo Lewandowski no Recurso Ordinário nº 4336-27.2010.6.06.0000, que confirmou o entendimento do Tribunal quando respondeu à Consulta nº 1120-26.2010.6.00.0000, relator o Ministro Hamilton Carvalhido:

Quanto à aplicação do art. 16 da Lei Complementar 135/2010, a solução passa por uma reflexão a respeito do alcance do princípio da anterioridade da lei eleitoral consagrado no art. 16 da Constituição, que, nas palavras do Min. Celso de Mello, "foi enunciado pelo Constituinte com o declarado propósito de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações casuisticamente nele introduzidas, aptas a romperem a igualdade de participação dos que nele atuem como protagonistas principais: as agremiações partidárias, de um lado, e os próprios candidatos, de outro".

O art. 16 da Constituição estabelece que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência" .

Com efeito, na Sessão Plenária de 6/8/2006, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu o alcance do art. 16 da Constituição no julgamento da ADI 3.741/DF, de minha relatoria, ajuizada pelo Partido Social Cristão - PSC, objetivando a aplicação do princípio da anterioridade à totalidade da Lei 11.300, de 10 de maio de 2006, denominada Minirreforma Eleitoral.

O acórdão recebeu a seguinte ementa:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MINI-REFORMA ELEITORAL). ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA. MERO APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES DO PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO DIRETA.

I - Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral.

II - Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições.

III - Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito.

IV - Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico.

V - Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral.

VI - Direito à informação livre e plural como valor indissociável da idéia de democracia.

VII - Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997" .

Naquela oportunidade, sustentei que só se pode cogitar de afronta ao princípio da anterioridade quando ocorrer: i) o rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; ii) a criação de deformação que afete a normalidade das eleições; iii) a introdução de fator de perturbação do pleito, ou iv) a promoção de alteração motivada por propósito casuístico (Cf. ADI 3.345/DF, Rel. Min. Celso de Mello, de 25/8/2005).

Penso, assim, que não há falar na incidência do art. 16 da Constituição no caso de criação, por lei complementar, de nova causa de inelegibilidade. É que, nessa hipótese, não há o rompimento da igualdade das condições de disputa entre os contendores, ocorrendo, simplesmente, o surgimento de novo regramento legal, de caráter linear, diga-se, que visa a atender ao disposto no art. 14, § 9º, da Constituição, segundo o qual:

"Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta" (grifei).

Na verdade, existiria rompimento da chamada "paridade de armas" caso a legislação eleitoral criasse mecanismos que importassem num desequilíbrio na disputa eleitoral, prestigiando determinada candidatura, partido político ou coligação em detrimento dos demais. Isso porque o processo eleitoral é integrado por normas que regulam as condições em que ocorrerá o pleito não se incluindo entre elas os critérios de definição daqueles que podem ou não apresentar candidaturas.

Tal afirmação arrima-se no fato de que a modificação das regras relativas às condições regedoras da disputa eleitoral daria azo à quebra da isonomia entre os contendores. Isso não ocorre, todavia, com a alteração das regras que definem os requisitos para o registro de candidaturas. Neste caso, as normas direcionam-se a todas as candidaturas, sem fazer distinção entre candidatos, não tendo, portanto, o condão de afetar a necessária isonomia.

Registro, por oportuno, que este Tribunal, ao apreciar a Cta 1.120-26/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, assentou a plena aplicabilidade da Lei Complementar 135/2010 para as eleições 2010. À ocasião, o eminente Relator assentou que

"as inovações trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010 têm a natureza de norma eleitoral material e em nada se identificam com as do processo eleitoral, deixando de incidir, destarte, o óbice esposado no dispositivo constitucional" .

Nesse sentido também é o entendimento pretérito desta Corte Eleitoral, que, analisando a aplicação do princípio da anterioridade no tocante à Lei Complementar 64/90, assentou que a matéria que cuidava de idêntica questão relativa às inelegibilidades não se insere no rol daquelas que podem interferir no processo eleitoral (Cta 11.173 - Resolução-TSE 16.551, de 31/5/1990, Rel. Min. Octávio Gallotti).

Ao pontuar que a norma deveria ter vigência imediata, o Relator, Min. Octavio Gallotti, destacou que

"o estabelecimento, por lei complementar, de outros casos de inelegibilidade, além dos diretamente previstos na Constituição, é exigido pelo art. 14, § 9º, desta e não configura alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta" .

José Afonso da Silva, em seu comentário contextual ao art. 16 da Constituição, conceitua o processo eleitoral como a dinâmica composta pelos atos que

"postos em ação (procedimento) visam a decidir, mediante eleição, quem será eleito; visam, enfim, a selecionar e designar autoridades governamentais. Os atos desse processo são a apresentação de candidaturas, seu registro, o sistema de votos (cédulas ou urnas eletrônicas), organização das seções eleitorais, organização e realização do escrutínio e o contencioso eleitoral. Em síntese, a lei que dispuser sobre essa matéria estará alterando o processo eleitoral" .

Destaco, por oportuno, trechos dos votos proferidos pelos Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira, respectivamente, no julgamento do RE 129.392/DF, verbis:

"Sr. Presidente, a meu ver, a lei complementar a que se refere o § 9º do artigo 14 da Constituição federal não está sujeita à norma do artigo 16 da mesma Carta Magna, a qual visa, apenas, a impedir a edição das mudanças abusivas do processo eleitoral que se faziam pouco antes de cada eleição. Não se aplica ela, porém, a essa lei complementar que a própria Constituição determinou, no referido parágrafo 9º, fosse editada a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta" .

"Quando o Direito Eleitoral regula o processo eleitoral já o prevê na sua complexidade. De fato, o processo eleitoral, de acordo com a parte terceira do Código Eleitoral, compreende desde o alistamento dos eleitores até a fase de votação e apuração dos resultados dos pleitos, encerrando-se com a diplomação dos eleitos. Quando, entretanto, a Constituição, que não dispõe sobre o processo eleitoral na sua complexidade, regula a matéria atinente à elegibilidade e inelegibilidade, confere a este tema uma natureza específica.

(...)

Compreendo, pois, que a matéria nunca perdeu a natureza constitucional, e, por isso mesmo, quando se cuida de inelegibilidade, o assunto é de índole constitucional, e não se comporta, a meu ver, dessa sorte, no simples âmbito do processo eleitoral, enquanto este se compõe de procedimentos que visam à realização das diferentes fases do pleito eleitoral, desde o alistamento até a apuração dos resultados e diplomação dos eleitos.

Não tendo, portanto, a matéria de que se cogita nos autos como de natureza processual eleitoral, mas, sim, de índole constitucional, não considero a Lei Complementar nº 64 compreendida na restrição do art. 16, no que concerne à possibilidade da sua imediata aplicação" .

Lembro, por fim, que o Supremo Tribunal Federal, na Sessão Plenária de 6/8/2008, no julgamento da ADPF 144/DF, Rel. Min. Celso de Mello, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, assentou a impossibilidade constitucional de definir-se, como causa de inelegibilidade, a mera instauração, contra o candidato, de procedimentos judiciais quando inocorrente condenação transitada em julgado.

Na oportunidade, consignei que em Roma antiga os candidatos a cargos eletivos trajavam uma toga alva como forma de identificá-los e distingui-los dos demais cidadãos. Nesse sentido, lembrei que a palavra "candidato" vem do latim candidatus, que significa "aquele que veste roupa branca" , representando a pureza, a honestidade, a idoneidade moral para o exercício do cargo postulado.

Naquela quadra, ressaltei que estávamos diante de uma verdadeira norma em branco

"que permitiria aos juízes eleitorais determinarem a inelegibilidade de certo candidato com base em uma avaliação eminentemente subjetiva daquilo que a Constituição denomina de `vida pregressa¿, a fim de proteger, segundo o alvedrio de cada julgador, a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato" .

Entretanto, ressalvei em meu voto que, "enquanto outro critério não for escolhido pelos membros do Congresso Nacional" , é melhor que prevaleça "aquele estabelecido pela lei complementar vigente" .

É dizer, em nenhum momento exclui a possibilidade de o legislador complementar, mediante critérios objetivos, que visem a proteger a probidade administrativa e a moralidade eleitoral, criar nova causa de inelegibilidade, tendo em conta aquilo que a Constituição denominou "vida pregressa do candidato" .

Entendo, desse modo, que a Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a qual estabelece casos de inelegibilidade, prazos de sua cessação e determina outras providências, teve em mira proteger valores constitucionais que servem de arrimo ao próprio regime republicano, abrigados no § 9º do art. 14 da Constituição, que integra e complementa o rol de direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Lei Maior.

Afasto, portanto, a alegada violação do art. 16 da Constituição Federal (...).

De outra parte, assentou o Tribunal, naquele mesmo julgado, que a inelegibilidade não constitui pena, não se podendo cogitar de ofensa ao princípio da irretroatividade das leis, pois a Lei Complementar nº 135/2010 entrou em vigor antes da data estabelecida para o pedido de registro das candidaturas às eleições de 2010, quando devem ser aferidas as respectivas causas de inelegibilidade.

Afirmou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança nº 22.087:

(...) inelegibilidade não constitui pena. Destarte, é possível a aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Complementar nº 64, de 1990, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. No acórdão 12.590, Rec. 9.7.97-PR, do T.S.E., o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, deixou expresso que a inelegibilidade não é pena, sendo-lhe impertinente o princípio da anterioridade da lei. (Rel. Min. Carlos Mário Velloso, de 28.6.1996)

No citado precedente (Acórdão nº 12.590, Recurso nº 9.797, rel. Min. Sepúlveda Pertence, de 19.9.92), este Tribunal decidiu que a "inelegibilidade não é pena e independe até de que o fato que a gere seja imputável àquela a que se aplica; por isso, à incidência da regra que a estabelece são impertinentes os princípios constitucionais relativos à eficácia da lei penal do tempo. Aplica-se, pois, a alínea e, do art. 1º, I, da Lei de Inelegibilidades aos condenados pelos crimes nela referidos, ainda que o fato e a condenação sejam anteriores à vigência".

De se relembrar, também, o Acórdão nº 11.134, no Recurso nº 8.818, relator o Ministro Octávio Gallotti, de 14.8.90: "a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64-90, aplica-se às eleições do corrente ano de 1990 e abrange sentenças criminais condenatórias anteriores à edição daquele diploma legal" .

Destaca-se, ainda, trecho de acórdão deste Tribunal no Recurso nº 9.052, relator o Ministro Pedro Acioli, de 30.8.90, in verbis:

(...) a decisão recorrida se posiciona diametralmente oposta a incontáveis decisões deste Colendo Tribunal, que entende da aplicabilidade da LC 64/90, em toda a sua extensão, aos casos em que a causa da inelegibilidade tenha ocorrido em gestão administrativa anterior.

Ao contrário do que afirmado no voto condutor, a norma ínsita na LC 64/90, não tem caráter de norma penal, e sim, se reveste de norma de caráter de proteção à coletividade. Ela não retroage para punir, mas sim busca colocar ao seu jugo os desmandos e malbaratações de bens e erário público cometidos por administradores. Não tem o caráter de apená-los por tais, já que na esfera competente e própria e que responderão pelos mesmos; mas sim, resguardar o interesse público de ser, novamente submetido ao comando daquele que demonstrou anteriormente não ser a melhor indicação para o exercício do cargo.

Bem se posiciona o recorrente, em suas razoes, quando assim expressa:

O argumento de que a lei não pode retroagir para prejudicar, em matéria eleitoral, ou seja, que o art. 1°, I, `g¿, da LC 64/90 não pode ser aplicada a fatos pretéritos à sua vigência, contrapõe-se a doutrina pátria, representada pelo festejado CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (in Instituições de Direito Civil - Vol I - Ed. Forense - 1971 - p. 11O):

`As leis políticas, abrangendo as de natureza constitucional, eleitoral e administrativa, têm aplicação imediata e abarcam todas as situações individuais. Se uma lei nova declara que ficam sem efeito as inscrições eleitorais anteriores e determina que todo cidadão deve requerer novo título, aplica-se a todos, sem que ninguém possa opor à nova disposição a circunstancia de já se ter qualificado eleitor anteriormente.¿

Com a devida vênia, as inelegibilidades representam ditames de interesse público, fundados nos objetivos superiores que são a moralidade e a probidade; à luz da atual construção doutrinária vigente os coletivos se sobrepõem aos interesses individuais, não ferindo o regramento constitucional.

Ademais o princípio da irretroatividade para prejudicar não é absoluto, como na lei penal. A se validar aquele entendimento, chegaríamos à absurda hipótese de deferir registro a candidato que até o dia 20 de maio passado, como titular de cargo público, cometeu os maiores desmandos administrativos (a data é a véspera da vigência da LC 64/90). Ora, o interesse público recomendou e fez incluir na legislação referida a penalização da inelegibilidade para os casos de improbidade, não restringindo a sua aplicabilidade a qualquer título; aliás/esse eg. TSE, respondendo às Consultas nº 11.136 e 11.173 (em 31.05.90) da mesma forma, não mencionou qualquer restrição à vigência dessa lei complementar. (fls. 114/115).

Realmente, não há, a meu ver, como se imaginar a inelegibilidade como pena ou sanção em si mesma, na medida em que ela se aplica a determinadas categorias, por exemplo, a de juízes ou a de integrantes do Ministério Público, não porque eles devam sofrer essa pena, mas, sim, porque o legislador os incluiu na categoria daqueles que podem exercer certo grau de influência no eleitorado. Daí, inclusive, a necessidade de prévio afastamento definitivo de suas funções.

O mesmo se diga a respeito dos parentes de titular de cargo eletivo, que também sofrem a mesma restrição de elegibilidade. Ainda os inalistáveis e os analfabetos padecem de semelhante inelegibilidade, sem que se possa falar de imposição de pena.

A inelegibilidade, assim como a falta de qualquer condição de elegibilidade, nada mais é do que uma restrição temporária à possibilidade de qualquer pessoa se candidatar, ou melhor, de exercer algum mandato. Isso pode ocorrer por eventual influência no eleitorado, ou por sua condição pessoal, ou pela categoria a que pertença, ou, ainda, por incidir em qualquer outra causa de inelegibilidade.

Como sempre entendeu a Justiça Eleitoral, as condições de elegibilidade, bem como as causas de inelegibilidade, devem ser aferidas à data do pedido do registro de candidatura.

Já agora, de acordo com o disposto no § 10 do art. 11 da Lei nº 9.504/97, introduzido pela Lei nº 12.034/09:

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições.

(...)

§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

Por isso, é irrelevante saber o tempo verbal empregado pelo legislador complementar, quando prevê a inelegibilidade daqueles que "forem condenados", ou "tenham sido condenados", ou "tiverem contas rejeitadas", ou "tenham tido contas rejeitadas", ou "perderem os mandatos", ou "tenham perdido os mandatos".

Estabelecido, sobretudo, agora, em lei, que o momento de aferição das causas de inelegibilidade é o da "formalização do pedido de registro da candidatura", pouco importa o tempo verbal.

As novas disposições legais atingirão igualmente todos aqueles que, "no momento da formalização do pedido de registro da candidatura" , incidirem em alguma causa de inelegibilidade, não se podendo cogitar de direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas.

Essa questão, por sinal, não é nova e já foi decidida antes por este Tribunal, quando entrou em vigor a própria Lei Complementar nº 64/90, como se viu dos precedentes nos Recursos nos 8.818 e 9.797, segundo os quais a "inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64-90, aplica-se às eleições do corrente ano de 1990 e abrange sentenças criminais condenatórias anteriores à edição daquele diploma legal", "ainda que o fato e a condenação sejam anteriores à vigência" .

E a antiga redação da citada alínea e já continha a expressão, que é repetida na nova redação dada pela Lei Complementar nº 135/10, a saber, "os que forem condenados criminalmente, ..." .

Semelhante situação ocorreu, ainda, com a alínea g do mesmo inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, que previa a inelegibilidade dos que "tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas ..." .

Nem por isso a Justiça Eleitoral considerou de fazer incidir a causa de inelegibilidade apenas àqueles que tivessem contas rejeitadas a partir da entrada em vigor da LC nº 64/90. Ao contrário, tornaram-se inelegíveis todos aqueles que, à data do pedido de registro para as eleições de 1990, tivessem contas rejeitadas, mesmo que essa rejeição houvesse acontecido antes de maio desse ano.

Em suma, não se trata de retroatividade de norma eleitoral, mas, sim, de sua aplicação aos pedidos de registro de candidatura futuros, posteriores à sua entrada em vigor, não havendo que se perquirir de nenhum agravamento, pois a causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento de registro da candidatura. Com relação à alegação de violação ao princípio da presunção de inocência, ao argumento de que a nova lei prevê hipótese de inelegibilidade, mesmo sem trânsito em julgado dos processos e definição da culpa, em caráter definitivo, reafirmo o que já consignei na decisão agravada (fls. 131-132).

Sobre o tema, destaco trecho do meu voto na

Consulta nº 1.147-09.2010.6.00.0000:

(...) cabe examinar a aplicação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, no sentido de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" .

Tenho para mim, no entanto, que, independentemente de saber se esse dispositivo se aplica exclusivamente a processos criminais, como nele está dito, certo é que, quando se trata de inelegibilidade, ninguém está sendo considerado culpado do que quer que seja.

Em outras palavras, como a inelegibilidade, conforme já procurei demonstrar, não constitui pena, o fato de ela incidir em hipótese prevista em lei não significa que se esteja antecipando o cumprimento de qualquer pena.

Por isso, a presunção de inocência pode até persistir, não só no processo criminal, como também em outras espécies de processos, mas o cidadão ficará inelegível se houver decisão por órgão colegiado que o condene naqueles casos estabelecidos em lei.

Seria até mesmo contraditório que a Justiça Eleitoral, por exemplo, cassasse, por corrupção, o mandato de algum ocupante de cargo majoritário, com o cumprimento imediato da decisão, isto é, sem a necessidade de trânsito em julgado, mas se pudesse permitir que esse mesmo ocupante, anteriormente cassado, voltasse a pleitear o mesmo ou outro cargo majoritário ou proporcional.

Pode-se, sem dúvida, contrapor o argumento de que, se a decisão condenatória não transitou em julgado, o cidadão acabará sendo impedido de participar da eleição e exercer o mandato, mesmo se vier a ser reconhecida, no futuro, a sua inocência.

De fato, essa hipótese pode ocorrer e eu mesmo já utilizei esse argumento quando fui contrário à revisão da Súmula nº 1 deste Tribunal, por entender que bastaria o ajuizamento de ação anulatória contra a decisão que rejeitou contas, não havendo necessidade de cautela liminar ou antecipação de tutela, exatamente porque existiria o risco de o candidato ser vitorioso ao final e perder a oportunidade de exercer aquele mandato.

Estou convencido, entretanto, atualmente, de que é absolutamente imprescindível a obtenção de qualquer liminar, para não se incorrer no risco inverso, ou seja, o risco que representaria para a sociedade alguém exercer mandato, quando já tivesse sido condenado, por decisão de órgão colegiado, nas espécies de processos indicados na nova lei.

Desse modo, não obstante o meu entendimento em sentido contrário, conforme já demonstrado, curvo-me à jurisprudência da Corte e, uma vez que o pré-candidato, ora recorrente, foi condenado por órgão colegiado, em 17.11.2008, pela prática do crime de concussão e formação de quadrilha (fl. 115v), sobre ele deve incidir a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, item 1, da LC nº 64/90.

Do exposto, nego seguimento ao recurso ordinário, com base no art. 36, § 6º, do RITSE, para manter o indeferimento do registro de candidatura de João Ricardo Gerolomo de Mendonça ao cargo de deputado estadual.

Brasília, 13 de outubro de 2010.

Ministro Marcelo Ribeiro, relator.

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