A tese da redução da maioridade penal nos conduz a um perigoso e impensado clamor popular e/ou midiático, o qual não consegue mensurar a dimensão das consequências que resultariam dessa medida.
Em momentos de grande furor social como esse, devemos agir com maior ponderação, haja vista que leis anteriormente aplicadas com as mesmas finalidades pretendidas como a da redução, apesar de utilizadas, são ineficazes em seus objetivos de reduzir a criminalidade (a lei de crimes hediondos, por exemplo). Sobretudo quando se trata da tutela aos jovens maiores de 16 anos e menores de 18, que tanto necessitam de uma proteção especial por parte do Estado, e que diante disso possuem um Estatuto próprio, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos resultaria em retirar do ECA a proteção e tutela de todos os jovens nessa faixa etária, e de forma tácita, ainda que a primeiro momento o plano seja puni-los para crimes hediondos, mesmo assim, não há o que se falar em proteção até mesmo àqueles que não cometerem nenhum “crime”. É imprescindível que as leis sejam formuladas com coerência e aplicabilidade, afinal, se um jovem responde com responsabilidade por um crime grave, porque não responderia por um crime de menor potencial ofensivo. Em ambas as hipóteses, o encarceramento não poderia ser levado como a melhor opção. Em análise e estudo á proposta, busquei opiniões de profissionais de outras áreas, e encontrei um posicionamento do grande mestre do Direito, o professor de Direito Penal da USP, Pierpaolo Cruz Bottini, o qual afirma que com a redução da maioridade penal, as infrações penais e administrativas elencadas no ECA deixariam de ser imputáveis a quem as cometesse contra os maiores de 16 anos. Mas o que isso acarretaria de negativo? Bom, dessa forma, abriríamos brechas para que fosse possível produzir e vender pornografia com jovens menores de 18 ( art. 240 a 241-E do ECA), assim como vender bebidas alcoólicas (art. 242), ou hospedagem em motel (art. 250) desses mesmos jovens. O Estado tira de sua responsabilidade a proteção ao jovem, e o encarcera nas escolas do crime, fazendo-nos sentir uma falsa sensação de segurança. Falsa porque o índice de reincidência para os presidiários no Brasil é de mais de 70%. Um país que se denomina pátria educadora não pode abrir mão de dar oportunidade aos seus jovens, mesmo que esses sejam responsáveis por apenas 0,9% dos crimes cometidos no Brasil, segundo dados levantados pelo Ministério da Justiça. Aos que são a favor da medida, existe o argumento que países desenvolvidos aderiram a essa idade penal, porém o que muitos não sabem é que países como a Alemanha e a Espanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Atualmente, 70% dos países estabelecem 18 anos como a idade penal mínima. Ainda assim, nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência, o que mostra a inexpressividade da medida. Em entrevista a uma emissora de televisão, a pesquisadora em criminologia pela Universidade de Brasília (UNB), Beatriz Vargas afirmou: “Não podemos transformar a punição na lógica irradiadora (…) há 22 anos que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não é cumprido, é com isso que nós temos que nos preocupar. Nós aparecemos com a polícia antes de aparecer com a saúde e com a escola”. As medidas sócio-educativas que o legislativo criou seriam eficazes se realmente fossem aplicadas, mas como o que se vê é o oposto, de forma que se um estatuto especial não é respeitado, criar uma lei específica também a tornaria ineficaz, resultando em apenas uma única consequência - criar e formar marginais e bandidos profissionais, que se fossem tutelados pela verdadeira aplicabilidade do ECA, reduziria o índice de reincidência a 20%, com base em dados do PNAD. Na teoria a redução já ocorre, os centros de internação a menores infratores existeM, mas são verdadeiras escolas do crime. Se essa realidade já ocorre com um tempo máximo de 3 anos com a liberdade cerceada, imagine se abrirmos brecha para que esses jovens passem tempo igual ou superior em contato com adultos encarcerados? Precisamos discutir o processo de execução das medidas aplicadas aos menores, que é repleto de falhas. É preciso corrigir, fazer funcionar e aperfeiçoar, assim recupera-se os jovens envolvidos em crimes, e criamos novas perspectivas de um futuro saudável para eles. E para os que ainda estão protegidos no seio de suas famílias, é preciso criar medidas educativas, fomentar o esporte e a cultura. Não podemos responsabilizar nossos jovens por um erro que começa na relação entre Estado, Poder Público, Família e Sociedade. Quando olhamos um jovem na rua, ficamos calados. Quando vemos um jovem sem escola ou sem opção de aperfeiçoamento profissional, não clamamos por mudança. Mas quando o resultado de todas essas consequências é palpável, a sociedade grita por encarceramento, e não por justiça e nem por igualdade de oportunidades. Se o Estado cumprisse suas políticas sociais básicas, se ele aplicasse suas leis com eficiência, se os pais cumprissem seus deveres do pátrio poder e as políticas públicas fossem realmente aplicadas, não teríamos que falar em redução da maioridade penal. |