Qualquer semelhança ... O escândalo Lava Jato no Brasil, que já levou José Dirceu para a cadeia, e agora pode chegar até Lula, tem muitas semelhanças com a famosa operação Mãos Limpas, desencadeada por procuradores da Itália. No início dos anos 90, o dissidente Vladimir Bukovski trouxe dos Arquivos de Moscou as provas de que praticamente toda a imprensa socialdemocrata da Europa tinha sido financiada pela KGB durante a década de 80. No começo, as denúncias de Bukovski não estavam despertando interesse, pois havia uma recusa generalizada movida pelo pretexto de que não se deveria reabrir "velhas feridas", e de que o assunto sobre a guerra fria era um assunto superado. Até que pouco a pouco, os jornais passaram a dar atenção aos documentos de Bukovski e suas as graves implicações. Chegou a ser revelado que o Partido Comunista Italiano havia recebido pelo menos quatro milhões de dólares da KGB. O Parlamento Italiano foi então pressionado pela opinião pública a realizar uma devassa fiscal em todos os envolvidos, o que provocou a reação do Partido Comunista Italiano. Como resposta, o PCI convocou juízes que estavam em seu quadro de colaboradores, para que organizasse uma campanha de grande repercussão publicitária na mídia internacional com objetivo mudar a estrutura polarizada que tradicionalmente caracterizava a vida política da Itália, baseada na oposição entre regimes democráticos e comunistas, tendo como resultado o descrédito de toda reivindicação fundamentada no anticomunismo. Assim, todos os partidos políticos, com exceção do PCI, acabaram por serem investigados, ao mesmo tempo que a campanha operação Mãos Limpas tomou para si, por meio de um golpe publicitário, o mérito pelo combate a máfia, uma luta que já estava sendo realizada desde a década de 1980 quando ficaram notórios os trabalhos solitários de magistrados como Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, este último realizando seu combate contra a máfia durante onze anos em seu escritório-fortaleza. Isso sem falar no testemunho do ex-mafioso Tommaso Buscetta por ser o primeiro "capo" da máfia italiana a quebrar o código de silêncio. Durante a campanha da operação Mãos Limpas, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. A publicidade gerada pela operação Mãos Limpas acabou por deixar na opinião pública a impressão de que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todos contratos do governo, sendo este estado de coisas apelidado com a expressão Tangentopoli ou "cidade do suborno". A operação Mãos Limpas chegou a alterar a correlação de forças na disputa política da Itália, reduzindo o poder de partidos que haviam dominado o cenário político italiano. Todos os quatro partidos no governo em 1992 - a Democracia Cristã (DC), o Partido Socialista (PSI), o Socialdemocrata e o Liberal - desapareceram posteriormente, de algum modo. O Partido Democrático da Esquerda, o Partido Republicano e o Movimento Social e Italiano foram os únicos partidos de expressão nacional a sobreviver, e apenas o Partido Republicano manteve a sua denominação. O eixo era a delação, um delatava cinco, cinco delatavam dez e o processo gerava uma multiplicação geométrica de réus, delatados pelos réus anteriores. Na economia, a Mãos Limpas levou a Itália à crise permanente, que dura até hoje. O outrora pujante e criativo meio empresarial italiano entrou em decadência porque grandes empresários foram aniquilados. O caso Gardini, que cometeu suicídio, é o mais impressionante. A economia ficou medíocre e sem dinamismo, traumatizada por centenas de empresários presos ou falidos. Foi a partir da pista livre de políticos de tradição que surgiu um predador da pior espécie, Silvio Berlusconi, ex-cantor de navio e milionário da TV, que ficou no poder de 1994 a 2011, um finório, depravado e mais corrupto do que os antigos políticos e que só venceu pela falta de adversários, todos eles presos, mortos ou exilados pelas Mãos Limpas. Nesse sentido a Mãos Limpas foi um monumental fracasso, o espetáculo de combate à corrupção não acabou com a corrupção, apenas criou uma corrupção nova, com outros personagens mais rapinantes do que os antigos. MAGNO MARTINS
|