BRASÍLIA — Um órgão quase oculto no sistema de transparência do governo federal virou reduto de um grupo que atuou na campanha à reeleição de Dilma Rousseff e conquistou emprego com salários turbinados e pagamento de altas diárias em viagens internacionais — uma realidade paralela ao cenário de crise, cortes e ajuste fiscal empreendido pelo Executivo a partir de 2015. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), passou a abrigar esses militantes que trocaram cargos no governo por funções na agência com remunerações equivalentes ao dobro do que recebiam. Salários, vantagens, diárias e resoluções internas da ABDI são mantidos sob sigilo, diferentemente da transparência a que estão obrigados os ministérios e demais órgãos do Executivo.
O presidente da ABDI, Alessandro Golombiewski Teixeira, foi nomeado por Dilma para o cargo em fevereiro de 2015. Militante do PT do Rio Grande do Sul, Teixeira coordenou o programa de governo na campanha à reeleição. Ao assumir o comando da ABDI, com salário de R$ 39,3 mil, o petista abrigou no órgão mais três militantes da campanha, ocupantes de cargos de assessoramento especial da diretoria cujas remunerações variam de R$ 19,4 mil a R$ 25,9 mil. É mais do que o dobro do valor pago a esses assessores quando eles ocupavam cargos comissionados no Palácio do Planalto ou no Ministério do Planejamento.
Teixeira já exerceu a função de assessor especial do gabinete de Dilma, secretário-executivo do MDIC e presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Em junho do ano passado, o presidente da ABDI e demais diretores decidiram editar uma resolução — mantida sob sigilo e sem publicidade no site da agência — reajustando o valor das diárias para viagens internacionais da diretoria executiva. No continente americano, o valor saltou de US$ 400 para US$ 700. Fora da América, as diárias saltaram de € 320 para € 700. Ministros de Estado, por exemplo, recebem entre 220 e 460 de diária, podendo optar por dólar ou euro e com variação de valor conforme o destino da viagem.
Na ABDI, presidente e diretores podem viajar em classe executiva — assessores que os acompanham também têm direito ao benefício. Teixeira tem ainda duas secretárias, que ocupam cargos de assessoramento especial e recebem cada uma salário de R$ 19,4 mil.
Em meio a uma crise econômica e a um ajuste fiscal em curso, Dilma anunciou no ano passado o fim da primeira classe para ministros, cortes de diárias e passagens, reduções de salários da própria presidente, do vice e dos ministros — de R$ 30,9 mil para R$ 27,8 mil — e redução de ministérios. O pacote de medidas incluiu a própria ABDI. A proposta da presidente prevê a fusão da agência com a Apex, o que ainda não ocorreu. Fontes da ABDI relatam que, até agora, não houve movimentação do governo nesse sentido.
O chefe de gabinete de Teixeira, Charles Capella de Abreu, atuou tanto na campanha de Dilma de 2010 quanto em 2014. Na disputa pela reeleição, Capella cuidou do escritório da candidata em Brasília. Já a partir de 1º de janeiro de 2015, ele foi exonerado do cargo de chefe de gabinete do ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência, cargo pelo qual recebia R$ 11,2 mil. A secretaria hoje está extinta. Na ABDI, o chefe de gabinete tem salário de R$ 24,9 mil.
No mês passado, Capella participou de acareação com dois personagens centrais da Operação Lava-Jato, promovida pela Polícia Federal (PF). Um inquérito em Curitiba investiga suposto repasse irregular de R$ 2 milhões à campanha de Dilma em 2010 — o ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci é um dos investigados. Capella, que foi assessor de Palocci, participou de acareação com o doleiro Alberto Youssef e com o lobista Fernando Baiano. Youssef, em sua delação, negou ter recebido qualquer pedido de doação à campanha, mas afirmou ter entregue uma quantia de dinheiro similar. No encontro com Capella, não o reconheceu como destinatário do dinheiro. Baiano sustenta ter ocorrido reunião em Brasília para discutir o repasse.
— Não exerci nenhuma atividade de arrecadação na campanha e não conversava com Palocci sobre o tema. Nunca estive, troquei mensagem nem conversei com Paulo Roberto Costa, Youssef e Baiano. Sempre estive tranquilo com o processo e saí de lá ainda mais tranquilo. Não tenho nada a ver com essa história — diz Charles Capella.
O movimento feito do Palácio do Planalto para a ABDI envolve mais duas servidoras. Em março, Leonita de Carvalho deixou cargo de assessora da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência, onde ganhava R$ 8,5 mil, para ser assessora parlamentar da ABDI, com salário de R$ 19,4 mil. Isabelle Agner Brito deixou a função de assessora especial da Subchefia de Assuntos Parlamentares da extinta Secretaria de Relações Institucionais da Presidência (salário de R$ 11,2 mil) para ser gerente de Gestão da ABDI (R$ 25,9 mil de remuneração). Isabelle não aparece na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como tendo atuado na campanha em 2014. Nelson Martins Júnior deixou um cargo de assessor no Ministério do Planejamento para ser assessor da gerência de Gestão da agência. O salário aumentou de R$ 8,5 mil para R$ 19,4 mil. Ele atuou na campanha à reeleição de Dilma.
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, apesar de ser fiscalizada por órgãos de controle, contar com recursos públicos e ser controlada pelo Executivo, não informa salários, pagamentos de diárias e atos adotados pela diretoria executiva. Criada para executar políticas de desenvolvimento industrial, a agência surgiu na forma de Serviço Social Autônomo — uma entidade privada sem fins lucrativos.
O GLOBO
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