Minha visão sobre condução coercitiva
Por Carlos Barros*
Na manhã da última sexta-feira (04/03/16), sob a denominação de “Aletheia” (em alusão à expressão grega que significa “busca da verdade”), foi deflagrada a 24ª etapa da operação “lava jato”, que teve como alvo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dentre outras pessoas.
Aforas as buscas e apreensões em seus domicílios, o ex-presidente foi conduzido coercitivamente até a unidade da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, a fim de ser ouvido pela autoridade policial responsável pela diligência investigativa.
Pois bem.
À parte questões políticas e o mérito da investigação (até porque, por cautela e outros motivos, não convém, aqui, fazer considerações sobre esses aspectos), essa condução coercitiva se revela ilegal, salvo melhor juízo.
Afinal de contas,
a) não houve, até onde se tem notícia, qualquer desobediência a intimação prévia para que o investigado comparecesse perante a autoridade policial para ser ouvido;
b) ainda que tenha sido intimado, o investigado não teria (e não tem) obrigação de dar qualquer declaração à autoridade policial, em razão da garantia da não autoincriminação (direito ao silêncio), insculpida no art. 5º, LXIII, da CF, e no art. 8º, item 2, alínea “g”, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário);
c) o Código de Processo Penal estabelece a condução coercitiva, sendo que: c.1) na fase inquisitorial, a teor do art. 6º, V, ela tem que ocorrer “logo que (a autoridade policial) tiver conhecimento da prática da infração penal”, e, nos termos do art. 260, “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado”, situações essas que, segundo se tem notícia, não incidem no caso em comento; c.2) além dessas hipóteses, a condução coercitiva diz respeito à fase processual, sendo certo, ademais, que, em nenhum momento, se referem ao imputado, especificamente (vide art. 411, § 7º, e art. 535, ambos do CPP).
Sendo assim, salvo melhor juízo, pelo que se tem notícia, ou se deveria intimar o investigado para que ele fosse ouvido, ou se deveria decretar a sua prisão preventiva ou a sua temporária (se essas cautelares fossem cabíveis, claro!), valendo ressaltar que, por evidente, nem mesmo essas medidas extremas (prisões cautelares) não imporiam ao investigado a prestação de qualquer declaração (embora elas tenham ela sido odiosamente utilizadas para a obtenção de delações premiadas, registre-se).
De resto, há que se observar que esse equivocado expediente, data venia, tem sido praxe nas operações deflagradas pela Polícia Federal país afora, não sendo “privilégio” da famigerada “operação lava jato”, revelando-se, pois, mais um indicativo do estado policialesco que se vivencia no Brasil, nos últimos anos, bem como da espetacularização do processo penal, situação que, caso prospere, se reverterá em prejuízo do próprio Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, dos próprios cidadãos brasileiros, inobstante nisso não acreditem os que, cegamente, aplaudem medidas açodadas, do ponto de vista processual penal e constitucional, como a que ora se comenta.
Segue o espetáculo (embora seja melhor que não!).
*Advogado Criminalista |