Recesso do STF deixa Lula ao alcance de Moro
Josias de Souza
Ao discursar para a multidão que foi à Avenida Paulista protestar contra o impeachment, Lula disse que, na próxima terça-feira, estaria na Casa Civil da Presidência “servindo à companheira Dilma”. Não estará. Ao suspender sua nomeação, o ministro Gilmar Mendes, do STF, colocou Lula ao alcance de Sérgio Moro pelo menos até o início de abril abril. Só o plenário do Supremo pode revogar a decisão de Gilmar, que tem caráter liminar. E os ministros da Suprema Corte se autoconcederam um recesso branco na Semana Santa.
Gilmar Mendes não pretende esperar por um recurso da Advocacia-Geral da União para levar o caso ao plenário do Supremo. Ele já prepara o voto que submeterá aos colegas no julgamento do mérito da causa. No entanto, o plenário do STF só voltará a funcionar em 30 de março. E ainda será necessário requisitar uma manifestação da Presidência e, provavelmente, da Procuradoria-Geral da República. Depois, será preciso encaixar a encrenca na pauta.
Ou seja, de nada adiantou a pressa do governo para prover a Lula o escudo do foro privilegiado. Em ritmo de toque de caixa, Dilma mandara rodar uma edição extraordinária do Diário Oficial para formalizar a nomeação do investigado. Programada inicialmente para a próxima terça-feira (22), a posse de Lula foi antecipada em cinco dias. Tudo para livrá-lo da caneta do juiz da Lava Jato.
Havia nos subterrâneos do petismo e do governo um receio de que Moro estivesse tramando a prisão de Lula. Com seu despacho, Gilmar Mendes como que condenou o novo “subordinado'' de Dilma a padecer de ‘morofabia’ por mais tempo do que gostaria.
Preço de agir fora da legalidade é alto demais
Ronaldo Lemos - Folha de S.Paulo
É intolerável este governo. Mas é também intolerável que no afã de se encontrar um caminho para seu ocaso, desrespeite-se a lei e a Constituição. Ninguém impede um país de se tornar uma Coreia do Norte adotando práticas da Coreia do Norte. Causa preocupação, assim, a decisão do juiz Sergio Moro de divulgar publicamente os grampos telefônicos.
A lei de interceptação telefônica em vigor no Brasil (lei 9.296 de 1996) obriga o juiz a manter as escutas em sigilo.
O texto da lei não poderia ser mais claro, dizendo em seu artigo 8º: "A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas". Isso não foi respeitado.
A situação agrava-se ainda mais na medida em que parte das escutas foram feitas após determinação judicial para que a interceptação cessasse. Essas escutas não são sequer admissíveis nos autos. São o que na doutrina jurídica se costuma chamar de "fruto da árvore envenenada": prova obtida sem amparo de autorização legal.
Limites aplicam-se também a escutas envolvendo cargos com foro privilegiado ou conversas protegidas pelo sigilo entre advogado e cliente. Diante da gravidade da crise política, esses direitos podem parecer "menores". Mas não são.
Como a maioria dos brasileiros, tenho grandes expectativas com relação à operação Lava Jato. No entanto, agora que a operação chega a um momento crítico, ela não pode sucumbir à tentação de que "os fins justificam os meios". A legalidade é um valor essencial em momentos de crise. O preço de agir fora dela é alto demais.
A questão transcende o Brasil. Um dos temas mais importantes do mundo contemporâneo é justamente os limites do uso da tecnologia para fins de vigilância. Nossos celulares e computadores não são meros produtos de consumo. São as mais poderosas ferramentas de escuta já criadas.
Essa é uma das maiores ameaças ao progresso humano. No artigo "Surveillance and the Creative Mind" (A Vigilância e a Mente Criativa), o especialista em política externa Tim Ridout diz que "na história, aqueles que questionam o saber tradicional ou as estruturas existentes de poder invocam o desejo de vingança do status quo, como Galileu, Martin Luther King, ou Ai Wei Wei".
Edward Snowden costuma dizer que a defesa contra a vigilância é a própria tecnologia. Na visão dele, todos deveríamos adotar medidas técnicas para resguardar nosso sigilo. Considero essa posição derrotista. Em um contexto em que a tecnologia se torna onipresente, a principal forma de proteção contra a vigilância não pode ser "fogo contra fogo", mas sim a lei.
|