Regionais : Resenha Política por Robson Oliveira
Enviado por alexandre em 10/03/2011 18:09:02



Fui tomado por um sentimento de profunda tristeza, nesta quarta-feira cinzenta, quando o advogado Pedro Origa me avisou abruptamente do falecimento de PAULO Queiroz Bezerra, um amigo de quase trinta anos. Um guru, um irmão, uma referência.

Quanta tristeza tomou conta do meu peito, quanta dor assolou minha alma!
O ‘cabo’ (era com esta patente que nos tratávamos) Paulo morreu. E com ele foi-se a beleza da pena. O texto refinado. A sagacidade inteligente. A eloqüência fácil. A grandeza de um cabra de qualidade.

Restaram-me muitas boas lembranças. Os causos que ele adorava contar de sua atribulada vida boêmia. E as aventuras da passagem pela luta armada. Foi através dela que protagonizou a maior façanha da adolescência.
... meados dos anos setenta.

Plena Ditadura Militar. Paulo e mais quatro jovens inconformados com os destinos do país resolvem fazer uma ação política contra o governo autoritário: combinam desapropriar, através de uma ação armada, recursos de um banco para financiar a guerrilha. (Desconfio até hoje que a grana era para financiar uma farra no bar da fava, na 13 de maio, em João Pessoa)
Encurtando a ação, coube ao ‘cabo’ Paulo a responsabilidade de retirar os camaradas do local, após o assalto.
Eis que surgiu um grande problema: Paulo não sabia dirigir. Um camarada disse a ele que bastava engatar a ré e pisar no acelerador para fugir do cerco. Assim aconteceu a maior presepada armada dos anos de chumbo.

Os quatro amigos ao invés de entrarem no banco acertado, nervosos, entraram numa tabacaria, pegaram uns maços de continental sem filtro e saíram em disparada na direção de Paulo, assim que ouviram um apito de um policial.
Era um simples guarda de trânsito.

Entraram na rural estacionada na lagoa, centro de João Pessoa, e gritaram para o Paulo sair em disparada. Ele engatou a ré e, sem notar, abalroou o jeep do policial.
Ninguém foi preso. O guarda era um colega de colégio, Liceu Paraibano, que, gentilmente, engatou a primeira marchar da rural e mandou os amigos caírem fora. Sem antes confiscar um pacote do continental.
Foi de ré, portanto, segundo versão de Paulo, que ele aprendeu a dirigir.
Nunca duvidei da veracidade do ‘causo’.

O cabo contava e repetia a aventura em todas as rodas de cachaçada. Nunca desconfiei dele. Sempre achei que o ‘causo’ era verdade. Afinal, ‘causo’ é ‘causo, e basta.
Mas, um dia qualquer de sábado, depois de muita cachaça, ofereci o meu carro para o cabo dirigir. Ele agradeceu, e voltou a contar que era perito apenas na ré. Pedi então que ele estacionasse minha velha Brasília na frente do Bangalô.
Como todo gênio, saiu-se com essa: - cabo, depois. Se for pra bater na frente e atrás, vamos beber mais um pouco, pois você bate melhor que eu.

Assim era o contador de ‘causos’ Paulo Queiroz...
Nos últimos anos o ‘cabo’ Paulo optou pelo recolhimento. Suas saídas noturnas se resumiam a um evento político eventual. Isso quando alguém o convencia a ir. Lembro-me que, em dezembro passado, foi uma luta para eu convencê-lo sair da hibernação e participar do tradicional jantar natalino oferecido anualmente pelo senador Valdir Raupp.
Disse ele: - cabo, eu vou. Mas você vai ter que me pegar em casa e levar de volta.
Sem avisá-lo que o evento aconteceria a menos de cinqüenta metros de sua residência, topei sem pestanejar.
Paulo estava vivendo anos quase só, sem se chocar com mais nada, adquirira uma sensibilidade muito viva e capaz de sofrer profundamente sem incomodar ninguém.

Nunca sofrera críticas, nunca se atirou em publicidade, vivia imerso no seu mundo, incubado e mantido vivo pelo calor de seus livros e aos acordes da filarmônica de Berlim, sua preferida.
Fora dos livros de filosofia e dos CDs, seus fins de semana não existiam. Trocava poucas banalidades. E quando balbuciava algumas delas, era com a mesma genialidade como se abordasse sobre uma tese. Genialidade era lhe algo peculiar. Intrínseco a sua formação intelectual.

A ambição, o egoísmo e a traição, nada disso que transpira o ódio tinham entrado no seu jeito de ser. Uma pessoa de um caráter incomum. Reto. Um temperamento equilibrado. Calmo. Poucas foram às vezes nessas duas décadas e meia de convívio em que presenciei ele perder a compostura. E quando perdeu a perdeu com razão. Nada afetava o afeto que o cabo Paulo tinha pelas pessoas.

Um boêmio assumido que durante toda a vida conseguiu amealhar o que de mais rico pode uma pessoa possuir: o respeito e a admiração de todos.
Este paraibano por adoção, pedia para que eu não revelasse, mas seu registro de nascimento consta a naturalidade de Quixeramubim, no sertão cearense, perto da Paraíba.

A família desembarcou em Pombal, na minha Paraíba, quando ele ainda não havia completado seu primeiro ano de vida. Daí o amor eterno pela Paraíba. Fazia questão de dizer que viveu seus melhores dias de juventude no mais belo sertão nordestino e na mais bela cidade paraibana, Pombal.

E que foi feliz na amada Porto Velho, onde dedicou todas as energias para escrever o dia a dia da política rondoniense. Foi aqui também que seu fígado deu os primeiros sinais de fadiga alcoólica. Adorava fazer galhofa com o próprio gosto pela bebida. Sofria calado, só, sem gemido. Um homem da melhor qualidade e da maior genialidade que tive o prazer de conviver e ser chamado por ele mesmo de grande amigo.
Dedicou a vida a escrever. Chegou a cursar filosofia, medicina, comunicação social e história. Mas consta nos anais da Universidade Federal da Paraíba a conclusão de matemática.

Sabia como ninguém armar qualquer fração política, diminuir os exageros, apurar a prova das informações, somar os ‘off’ e chegar a um resultado que somente ele, matemático de instrução, poderia alcançar. Estava pronta mais uma coluna “Política em três tempos”. Nome dado pelo falecido jornalista Vinícius Danin, seu ex-editor do Guaporé.
No campo pessoal, vivia de pagar juros bancários e em dividir o pouco que ganhava com a profissão com todos que pediam ajuda. Era bom em quase tudo que fazia. Menos em economia. Nunca economizou nada.
Nem a inteligência. Nem a generosidade. Nem a grandeza da humildade. Paulo Queiroz simplesmente era uma unanimidade. E não era uma burra.

Fui por muitos anos um dos poucos confidentes. Ele me revelava angústias, frustrações e as tristezas. Em fevereiro passado o hospedei na minha residência em Brasília. Conversamos noite adentro. Andava abalado com um problema familiar e muito chateado com a forma com que foi tratado pelo staff do atual mandatário estadual. Avisou-me que pouparia em sua colunas o titular, mas seria implacável nas suas analises políticas com pessoas próximas do governante.
Pedi que ponderasse a desfeita que lhe fizeram e que novas campanhas hão de vir. Ele riu pra mim e disse: - cabo, pois bem, pondero, mas não esqueça que sou jornalista acima de tudo. Aparecendo um fato que mereça uma análise mais acurada e mais acerba, não tenha dúvida, abordarei com o mesmo respeito e com a mesma gentileza com que fui tratado pelo comitê de campanha.

Retruquei chamando-o de carcará sanguinolento.
Mudamos de assunto e ele revelou o convite que o nosso amigo em comum, Rubens Coutinho, havia feito. Assim como o Estadão. Dei minha opinião e ainda brinquei: - desse jeito cabo você vai ficar com a tulha cheia. Ele abriu aquele sorriso já esquecido entre os fios brancos de sua inseparável barba.
Trabalhamos lado a lado na última campanha eleitoral. De lá para cá, não havia um dia sequer sem que eu ou ele entrasse em contato pelo menos duas vezes.

Nas terças, quartas e quintas fico em Brasília e os outros dias da semana aqui. Em todos mantínhamos contato. Nem no domingo, dia que eu reservo para ficar em casa com meus filhos assistindo o Mengão, ele deixava de me ligar.
Às vezes perguntava banalidades, outras trivialidades. E muitas opiniões. Divergíamos pouco sobre o cenário político. Mas divergíamos. Respeitosamente, claro!

Aliás, na última sexta-feira, ele conseguiu me alcançar por telefone para ler um texto que divergi. Estava eu dirigindo sob uma chuva torrencial na Dutra, que liga São Paulo ao Rio. Trocamos algumas palavras durante uns cinco minutos. Depois desliguei o celular. Voltei a ligar nesta quarta-feira cinzenta. Pelo email que me enviou na segunda, acho que minutos antes de morrer, reclamou que a chamada caía na caixa postal.

Para minha surpresa, li o texto dele feito na sexta com as modificações que eu havia sugerido e que ele havia discordado.
Fui pego de surpresa quando às nove horas da noite desta quarta-feira cinzenta Pedro Origa me alcançou no celular para me dar a péssima notícia de seu falecimento. Perguntei imediatamente: - morreu de quê? Como? Aonde? Pedro não soube explicar.

Disparei ligações para todos os amigos comuns, visto que me encontro em viagem, longe demais da nossa querida Porto Velho, e distante do meu amigo.

Falei com Rubinho, Fogaça, Leivinha, Demetrio, Ribamar, Raupp e mais um lista de outros amigos. Entre uma lágrima e outra, resolvi postar no site Tudorondonia um singelo comentário sobre a partida do cabo PQ.
Fiquei ainda mais triste ao ler um email, nesta mesma quarta-feira à noite, postada por ele com uma mensagem que começa assim: “cabo, tentei falar contigo nesta segunda-feira, são 13.30, seu celular só dava caixa postal. Deixei com o Fogaça um envelope pra te entregar. Sei que a única pessoa que posso contar é contigo...
Fez mais uma revelação pessoal e pediu para eu manter em segredo. E o pedido que me fez, com certeza, procurarei realizá-lo e somente o destinatário ficará sabendo. Morreu com a mesma grandeza que em vida exerceu.
Conheço apenas dois indivíduos que Paulo detestava. Ambos, no passado, foram seus amigos. E ambos, também num passado recente, o sacanearam de forma sórdida.

Apesar da grandeza de espírito, da solidariedade com que amava o próximo, PQ nunca perdoou estes dois cabras sem qualidade. Passei também a nutrir desprezo pelos dois. Hoje, com a partida do cabo, ódio. Espero que passe.
Descrever a figura humana do Paulo Queiroz é tão fácil que fica difícil de juntar as palavras. Elas brotam na cabeça com uma velocidade quase impossível de juntá-las.

Mas, entre todas as palavras, com apenas uma frase podemos sintetizar quem foi Paulo Queiroz Bezerra em vida: um boêmio feliz, um amigo dileto, um pai afetuoso, um intelectual refinado, um jornalista brilhante, um poeta eventual, um rondoniense por amor e um Paraíba por opção.
Paulo Queiroz era apenas o melhor, entre nós.
Vai com Deus, meu amigo.
Não tenha pressa para me encontrar.
Não deixe de me recomendar ao Homem daí de cima.

Robson Oliveira, amigo.

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