Nada de churrasco. Nada de feijoada. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu comida “vegan”. Isso mesmo: o presidente negro da maior nação do mundo, conhecida por se entupir de hamburguer, deu instruções para que a sua dieta no Brasil seja mais radical que a vegeteriana. Ou seja: nada do que tenha origem animal entra na alimentação. Nem carne, nem leite, nem ovos.
O veganismo, aliás, observa o direito dos animais pelo ângulo da ética, e os adeptos da filosofia não admitem qualquer exploração ou abuso sobre os exemplares da fauna, seja qual for a espécie.
“Já estamos programando um cardápio vegan. O vegan não come nenhum tipo de produto animal. Nem mel, nem ovo, nem queijo. Nada”, revelou ao Congresso em Foco, com exclusividade, a responsável pelos comes e bebes da visita presidencial norte-americana, neste fim-de-semana, a empresária de gastronomia Renata La Porta, dona de um dos mais requisitados buffet da capital federal. Só a comitiva de Obama terá 200 pessoas, entre políticos, empresários, jornalistas, profissionais de inteligência e agentes de segurança. Além, é claro, das mulheres do presidente (a mulher e suas duas filhas).
Em entrevista concedida em seu escritório no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, Renata adiantou à reportagem detalhes da cozinha para o primeiro dia da visita de Obama ao Brasil, no próximo sábado (19). No dia seguinte, a comitiva norte-americana partirá para o Rio de Janeiro, onde um discurso do presidente está previsto na Cinelândia, na zona central da cidade. Aí, já não é mais com ela.
E o que comerá Michelle Obama, a bela e esbelta esposa do presidente? “Não sei te falar. A orientação que recebemos foi de que o cardápio que será servido onde ele estará tem de ser 100% vegan. Então, acredito que ela também seja. Não nos foi solicitado que seja uma parte [do cardápio] vegan e a outra, não”, acrescenta Renata, que trabalha com a estimativa de que, reunindo os quatro eventos da visita, 2 mil pessoas consumam seus produtos.
“Foi pedido também que houvesse uma mistura com produtos brasileiros. Então, por exemplo, estamos promovendo uma feijoada vegan, com alguns itens especiais como espaguete de palmito pupunha. Uma coisa com pegada brasileira, mas sempre respeitando essa restrição vegan”, completou Renata, referindo-se ao dia de alta gastronomia no Palácio do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores), no próximo sábado (19).
O termo vegan (a pronúncia é “vígan”) é uma corruptela da expressão inglesa "vegetarian" – suprimindo-se o núcleo da palavra, sobra a junção entre as três primeiras e as duas últimas letras da versão inglesa da palavra “vegeratiano”. Ao invés de animais irracionais, os adeptos do veganismo preferem chamar os demais seres vivos de “não humanos”.
Vegan no Alvorada
Segundo Renata, ao todo serão quatro eventos em que sua equipe de gastronomia servirá os mais diversos cardápios – claro, observando-se as limitações filosóficas de Obama. O único elemento que estará presente em todos eles – aliás, por recomendação do cerimonial da Casa Branca – são sucos naturais tipicamente brasileiros. “Todo o cardápio tem uma pegada brasileira. Além disso, vamos oferecer outras bebidas nacionais.” Inclusive alcoólicas? “Muito pouca coisa. Como são encontros mais de trabalho, haverá muito pouco alcool. No almoço na Confederação Nacional da Indústria [CNI], não haverá álcool algum. Horário de almoço... não é um evento à noite.”
Além do Itamaraty, convescotes relativos à visita presidencial também serão realizados em um hotel de Brasília e na sede da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), que reunirão empresários de ambos os países. Um deles, o do hotel, reunirá 600 pessoas e é patrocinado pela CNI, cliente habitual de Renata. No pacote, “café da manhã, coffee break, almoço sentado com cinco pratos”. "Vai ser uma coisa bem caprichada”, adianta Renata, que é formada em Administração de Empresas na Europa.
Desde 1998, quando fundou o buffet homônimo e ingressou na atividade conhecida como catering, Renata já serviu a reis, príncipes, magnatas e personalidades diversas. E, na primeira visita de Obama ao Brasil, servirá também à primeira presidenta brasileira. “O outro convite, que partiu do Palácio do Planalto, é para realizarmos um serviço no Palácio da Alvorada, no sábado à noite. Um convite da família da presidenta Dilma para a família do presidente Obama. Vai ser um evento pequeno, restrito, não oficial, de família para família”, informa a empresária.
E o que comerão Dilma e Obama à mesma mesa, já que a presidenta gosta de um bom churrasco gaúcho? “O que eu posso dizer é que será um cardápio de inspiração 100% brasileira, com alguns itens vegan, e extremamente informal. A presidenta Dilma quer uma coisa sem formalidade. Um encontro de família”, adiantou Renata, acostumada a saciar os apetites de políticos de diversos matizes e colorações partidárias. “Tem senadores e deputados extremamente simples em seus gostos, e outros que têm paladares muito rebuscados. O que eu diria é que a maioria sempre gosta de solicitar cardápios que contenham coisas da sua região.”
FBI na cozinha
Segundo Renata, o cardápio sem produtos animais foi a única exigência da Casa Branca quanto ao paladar. Já em relação à segurança, não só à alimentar, o cuidado é máximo. “Isso é típico de todos os dignatários. A gente trabalha com garçons previamente credenciados, só uma parte da equipe é autorizada a chegar perto do presidente”, observou, acrescentando que cada um dos credenciados passam por uma “investigação de bons precedentes”. “Eles fazem uma varredura completa.”
Existe também uma preocupação acerca do acondicionamento dos produtos, bem como em relação à presença dos cozinheiros e dos próprios comensais. “Sempre fechados, água mineral lacrada, para evitar todo e qualquer tipo de perigo. Eles trazem também o degustador deles, vai haver um acompanhamento de agentes da comitiva, dentro da nossa cozinha, que vai liberar a comida do presidente Obama. Isso é praxe”, revela Renata. Cada porção de comida e de bebida, diz, será provada antes por uma pessoa da comitiva – hábito secular que remonta aos provadores que, caso ingerissem algo envenenado, morriam em lugar de reis, rainhas e demais membros da família real.
Low profile
Serão quatro “salas vip” a receber as guloseimas e bebericos de Renata – uma para a comitiva de Obama; uma para a turma da presidenta Dilma Rousseff; uma para empresários; e outra para cerca de 100 jornalistas credenciados no Itamaraty. Mas, a despeito da quantidade de oportunidades, Renata diz que não deve cumprimentar Obama ou quaisquer de seus familiares. “Eu vou estar ralando na cozinha”, brinca, referindo-se à tarefa de cuidar para que tudo saia dentro dos conformes. E não vai querer saber se Obama terá aprovado a comida?
“Eu costumo ter uma postura muito discreta. A não ser que esteja como convidada – o que não é o caso, estou lá para trabalhar –, eu não me sinto no direito de tomar tempo [do cliente em questão]. Jamais peço para tirar uma foto, por exemplo, a não ser que a pessoa ofereça. Acontece muito de o chefe de Estado gostar do nosso trabalho e ir lá na cozinha agradecer”, comentou. “Às vezes, pedem para me conhecer, aí eu vou lá. Eu tomar a iniciativa, não.”
Sobre o fato de ter sido a “escolhida” para prestar o serviço gastronômico, Renata diz que não se sente como tal – até porque, até onde ela sabe, é sua equipe que realiza tais tarefas oficiais em Brasília. “O chefe do cerimonial me disse que queria um buffet à prova de falha, por isso tinha me procurado. Acho que isso é um elogio, não é?”, destacou a empresária brasiliense, profissionalmente precavida. “Eu só gosto de comentar um evento depois que ele aconteceu. Jamais divulgo antes.”
Se depender de Renata, Obama voltará mais bem nutrido para enfrentar a maioria oposicionista no Congresso americano, depois de provar os sucos brasileiros e os petiscos vegan preparados por sua equipe. “Se Deus quiser. Bem alimentado.”
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