Pedro Lima, 52 anos, é o atual presidente do Grupo 3 Corações
A vida inteira dele teve relação com o café. Tanto é que diz ter nascido com “os dentes dentro do café”. Pedro Lima, 52 anos, atual presidente do Grupo 3 Corações, vem de uma família humilde nascida em São Miguel, um pequeno município localizado no interior do Rio Grande do Norte, a 430 quilômetros da capital Natal. Mas a distância foi pequena para Pedro. Sucessor de um pequeno negócio do pai, João Alves de Lima, ele não teve medo de arriscar. Percorreu o próprio estado, chegando a cursar agronomia na Escola Superior de Agricultura de Mossoró (Esam). Voltou para São Miguel guiado pelo cheiro de café. Enfrentou altos e baixos. Com a criação do Grupo Santa Clara – atualmente uma marca do Grupo 3 Corações – conquistou mercado no Brasil inteiro. Em 2015, Pedro foi eleito o empreendedor do ano na 7ª edição do prêmio Ernst & Young Empreendedor do Ano na categoria master, o que significa que ele é um empresário que impacta positivamente o mercado brasileiro. Em 2016, a sua empresa teve um faturamento de R$ 3,6 bilhões. Os números, nas últimas décadas, como o próprio Pedro se orgulha de dizer, crescem dois dígitos a cada ano. A expectativa é de que o fechamento de 2017 fique em R$ 4,2 bilhões. Nesta semana, Pedro esteve no Recife para o relançamento do Café Cirol – antigo Cirol Royal, que agora faz parte do portfólio do 3 Corações.
O PONTO DE PARTIDA “João Alves de Lima, que por coincidência é meu pai, criou uns pequenos negócios na nossa cidade de São Miguel. Papai era um empreendedor inventivo. Na altura dos meus 50 anos, eu descobri isso. Ele nunca virou empresário, era inventivo. No mesmo lugar, ele tinha uma padaria “pequenininha”, uma fábrica de sabão – mas não tem nada a ver sabão com café! – e um negócio de café. Ele saia criando negócios e não ganhava dinheiro. E mamãe dizia ‘Olhe, você tem que estudar e sair de São Miguel ligeiro e ir pra Natal se desenvolver’. Mamãe era costureira. Uma costureira de primeira. Atendia todo mundo lá. ‘ O dinheiro que eu ganho como costureira é só pra pagar os estudos de vocês, o pai de vocês nesse negócio dele não ganha nada’, ela falava. Éramos oito irmãos na década de 1950. Lá em São Miguel não tinha hospital, não tinha estrada, não tinha médico, não tinha nada mesmo. Nós perdemos três irmãos antes de os meninos ficarem grandes. Um com 5 anos, um com 1 ano e outro logo quando nasceu.”
O INÍCIO DO SONHO “Eu deixei minha faculdade em 1984. Fiz cinco períodos de agronomia na faculdade em Natal. Eu estava morando em uma residência universitária lá, e vi que não tinha nada a ver com agronomia. Pensei: ‘Eu vou é voltar pra São Miguel e fazer alguma coisa com o negócio de papai, ver se desenvolvo ele’. Voltei pra casa e disse: ‘Mamãe, eu não vou mais estudar não, vou é cuidar do negócio de papai’. Ela disse: ‘Você é louco de deixar os estudos e a faculdade pra vir pra cá’? Eu disse ainda que já tinha chamado Vicente e Paulo (seus irmãos). Eu com uns 20 anos, Paulo com 18 e Vicente, 16. Aí ela ligou para os meus outros dois irmãos, que já estavam velhos, dizendo que eu fiz uma loucura grande e ia ser um desastre na minha vida. Mamãe foi sempre muito providencial, muito firme. Papai já estava com 60 anos. Então, assumimos o negócio e criamos a Jal, uma empresa em homenagem ao nome dele.” O SANTA CLARA “O nome do café era Nossa Senhora de Fátima. Procurei uma agência (de marketing) em Natal e o cara disse: ‘Pedro, como é que você quer fazer propaganda se o café tem quatro nomes? É muita coisa, tem que trocar esse nome’. Voltei pra São Miguel e disse a Vicente e a Paulo que a gente tinha que trocar o nome. Vicente achou a marca Santa Clara de fácil pronúncia. Registramos e começamos nossa luta de aproximação e relação com o consumidor.”
RECIFE NO CAMINHO “Eu digo que o meu primeiro batizado foi aqui no Recife. Em 1985, com uns 20 anos, eu vim ao Recife para uma reunião no IBC, o Instituto Brasileiro de Café. Eu vim em um ônibus expresso de luxo – o pessoal que tem mais de 50 anos já ouviu falar –, desci na rodoviária e fiquei fazendo hora ‘um pedaço’. Fui lá pra a Avenida Agamenon Magalhães, por ali. Eu sei que meu acidente foi na Agamenon. Eu nunca esqueci isso. Estava chovendo uma garoazinha e eu estava ‘chichelando’ o sapato, que estava fazendo calo. Eu fui atravessar o sinal, mas ele abriu e o ônibus pensou que eu tinha passado. E eu cai. O ônibus me deu uma pancada, minha perna ficou presa no ônibus. Fui bater no Hospital da Restauração, com o rosto todo quebrado. Quando olhei no espelho estava tudo inchado, aquele negócio feio. Pensei: ‘Rapaz, se eu não tivesse casado – tinha casado uns 6 meses antes – eu nunca mais casava na minha vida’. Estava tudo amassado. Quebrou o nariz e o maxilar. Quando voltei ao normal e me recuperei – porque na pancada fiquei desmaiado –, aí consegui avisar que minha irmã era médica. Ela falou com o médico, que me liberou para ser levado para Natal e me recuperei por lá. Foi um batismo. Foi a nossa primeira aproximação com o Recife. Às vezes, acontece uma coisa ruim na sua vida que é um sinal positivo.”
O “PADRINHO” FAGNER “A gente começou a se desenvolver. Fomos para Fortaleza, temos uma história interessante também com o Ceará. Nós somos amigos de Fagner, o cantor. Fagner, aquela beleza da música popular brasileira, entuasiasta. Fagner ia lá para São Miguel antes dele ser famoso. Ele fazia arquitetura com umas pessoas de São Miguel e andava por lá com uns amigos nossos. Mesmo depois que ficou famoso continuou andando por lá. Quando eu já tinha subido no negócio, ele dizia: ‘Pedrinho, esse café de vocês é bom. Eu não tomo café bom lá em Fortaleza’. Ele dizia mais para agradar a gente, né? Mas eu acreditei. E eu tinha uns cunhados que moravam em Fortaleza, aí era um estímulo. O Tasso Jereissati (hoje, presidente nacional interino do PSDB), que foi governador do Ceará, criou a cesta básica e baixou os impostos na época. Aí, estimulados por isso, fomos para o Ceará. Não tínhamos dinheiro, pegamos dinheiro no Banco do Nordeste e fizemos a nossa pequena fábrica lá (no município de Eusébio).”
EXPANSÃO “A primeira aquisição nossa foi do café Kimimo (em 1996), que era líder no Rio Grande do Norte. Quando a gente começou a dividir o mercado, o dono me chamou e disse que tinha interesse em vender o negócio. Aí ele vendeu e criamos um valor com a marca Kimimo. Uma coisa importante do nosso projeto é criar valor com as aquisições e marcas da gente. Nós desenvolvemos muito a Santa Clara, que nós criamos, e também criamos valor com as marcas que a gente adquiriu.”
INÍCIO DA HOLDING “Em 1999, nós criamos a nossa holding (sociedade gestora de participações sociais que administra conglomerados de um determinado grupo), a São Miguel Holding, que é uma plataforma de logística nossa. Nós fomos pioneiros na implantação do SAP no Nordeste, um software de gestão espetacular. Foi a gente, a Petrobras e a Norsa, da Coca-Cola. Até hoje funciona e é um espetáculo no nosso projeto. E a gente já estava virando líder no Norte e Nordeste, a gente queria crescer. Eu me encontrava muito com Ricardo Tavares lá no Rio, na ABIC (Asociação Brasileira da Indústria do Café), que era dono da 3 Corações. Encontrava também com o pessoal da família Bueno. A gente, então, chamou os dois para fazer uma empresa só. Mas não deu negócio. No ano seguinte, o Grupo 3 Corações foi vendido para o nosso sócio atual, a Strauss, que é uma empresa israelense familiar. Em 2000 tentamos – Santa Clara e Strauss – nos juntar e não deu certo. Ficamos amigos e continuamos trabalhando.”
LIDERANÇA NO NORDESTE “Viramos (em 2002) líderes de café no Nordeste e, em 2003, compramos a Pimpinela, no Rio de Janeiro. Nós queríamos crescer e fomos para o Rio. Quando adquirimos a Pimpinela, ela tinha 8% de market share (participação de mercado) no Rio. Hoje nós temos 30%. Somos a segunda marca dividindo com um concorrente.”
3 CORAÇÕES “Ofra Strauss (que comandava a 3 Corações) me ligou e disse que queria se encontrar comigo em Guarulhos, São Paulo. Nós nos encontramos. Ela disse que estava com negócio no Brasil há cinco anos, mas que nunca tinha crescido. Queria fazer negócio comigo. A gente faturava R$ 70 milhões e ela faturava R$ 115 milhões, por aí. Aceitamos fazer 50% e 50% de sociedade. Ela incorporou a 3 Corações dentro do Grupo Santa Clara. Ficamos com dez anos de sociedade. Nós só criamos valor. Fechamos o ano passado com R$ 3,6 bilhões. Foi um negócio interessante. Eu sempre acreditei na marca 3 Corações. Para você ter ideia, em São Paulo, ela tinha menos de 0,5% de market share. Hoje tem 20%.”
LÍDER NO BRASIL “Quando você chega num certo nível as coisas são mais fáceis. O perigo é fazer ‘a virada’ da vida. As pessoas antigamente puxavam muito você para trás, e é uma luta pra avançar. Mas quando você vai conquistando e avançando, as coisas vão ficando mais fluentes. Viramos líderes no Brasil em 2012. A família Tavares voltou ao negócio de café, criou a Fino Grão e já estava tomando mercado. Quando a Strauss já era dona da 3 Corações, a Fino Grão começou a tomar mercado da Strauss. Aí quando assumimos, compramos a Fino Grão deles e também a Frisco da Unilever em 2009.”
MUDANÇA DE NOME “No Rio de Janeiro, diziam que a gente era da Pimpinela. No Nordeste, diziam que era da Santa Clara. Aí nós contratamos uma grande empresa de branding (gestão da marca) do Brasil, que fez marketing de várias empresas grandes, para fazer a nossa. Fizemos pesquisas com o consumidor para saber qual seria a melhor marca para representar o grupo. Aí deu 3 Corações. Quase que “rasga” o coração da gente. Mas no negócio não tem conversa, tem que seguir o que o consumidor quer. Criamos a nova logo, fizemos um vídeo institucional e fui em cada unidade explicar às pessoas porque estávamos fazendo a mudança e porque era importante. Existem duas formas de convencer as pessoas: pela força ou pelo convencimento. Nós optamos pelo convencimento. Se eu não convencer, não consigo fazer as coisas bem feitas, então isso foi muito importante para a gente. A palavra mais moderna hoje no mundo é confiança.”
CAFÉ CIROL “Voltamos com o Café Cirol. Eu acredito que seu Edgar (Wanderley, antigo dono da marca) está feliz, porque a gente está relançando um patrimônio do Recife, com toda a sinceridade. Eu fui aluno de seu Edgar. Seu Edgar foi um dos guardiões da qualidade do café no Brasil. Era um soldado da ABIC. Meu pai e seu Edgar foram sócios-fundadores da ABIC. Foram 40 anos em defesa da qualidade do café. O consumidor ficou surpreso porque o Cirol saiu do mercado. Tenho o compromisso e cuidado de voltar com o mesmo padrão de qualidade e a mesma simplicidade com que seu Edgar desenvolveu essas cores e essa arte (se referindo à embalagem). Eu fui sucessor do negócio de meu pai e seu Edgar também. Herdou do pai dele (Abel Wanderley) e construiu uma plataforma de negócios extraordinária que o povo do Recife tanto gostou e aprovou.”
diário de pernambuco
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