O luto que vive a cidade de Janaúba (MG) pela tragédia ocorrida na quinta-feira (5) numa creche municipal, em que 7 das 9 vítimas fatais foram crianças, encontra amparo no exemplo deixado por uma das vítimas, a professora Heley de Abreu Silva Batista, 43.
Dedicada ao que fazia, a pedagoga estava sempre preocupada em promover novas formas de ensino para que os alunos tivessem melhor desempenho no aprendizado.
Uma das principais bandeiras de Heley era a inclusão de alunos com algum tipo de deficiência, área em que se especializou em 2016. “Era uma aluna preocupada com os rumos da educação, discutia métodos, queria maior interação, fruto do amor que tinha pela sala de aula e seus alunos”, disse a pedagoga Tania Maria Silva, professora de Heley no curso de pós-graduação em Educação Especial Inclusiva.
No Centro de Educação Municipal Gente Inocente, a creche onde ocorreu o incêndio, Heley lecionava desde 2016, quando ingressou por concurso nos quadros da Prefeitura de Janaúba, cidade de 71 mil habitantes no norte de Minas Gerais. Segundo a prefeitura, “vinha realizando um ótimo trabalho, aliando a diversão ao aprendizado”.
Para a Semana da Criança, cujo ápice das comemorações seria nesta sexta-feira, tinha preparado uma série de atividades na creche. No momento do incêndio, por exemplo, tentava mostrar às crianças a magia do cinema, com pipoca e doces.
Os amigos falam em atitude heroica. Heley morreu salvando as crianças das labaredas, colocando algumas por cima da janela.
Seu corpo foi encontrado ao lado do algoz, o vigia noturno da creche Damião Soares Santos, um homem solitário de 50 anos que nunca casou nem teve filhos, e que durante o dia vendia picolés feitos por ele próprio para completar a renda. Leia Também: Ricardo, Gervásio Maia e Joás de Brito prestigiam posse de Dodge
Por isso na casa dele tinha tantos galões de álcool, usado para acelerar o congelamento dos picolés. A polícia diz ainda não ter certeza se ele usou álcool ou outro produto para pôr fogo em si próprio e nas crianças, para as quais costumava dar picolés de presente em dias de festa, como os que estavam ocorrendo nesta semana.
Na creche, Heley e Damião tinham relacionamento profissional considerado normal, assim como com qualquer outro funcionário. No momento do fogo, contudo, a professora entrou em luta corporal com o vigia, numa batalha arriscada pela vida das crianças.
“Essa atitude dela, de entrar em luta corporal, diz muito sobre o que ela era e representa para nós, como pessoa, profissional, amiga. Será para sempre a nossa heroína”, comentou a técnica farmacêutica Edna Silva, 43, colega de Heley durante o ensino fundamental.
“Desde novinha ela era interessada pelas atividades da escola. Quando tinha gincana, entrava na disputa para valer, não queria saber de perder, não. Ela ia atrás do que tinha de providenciar e conseguia. É uma pessoa que vai fazer muita falta na minha vida”, afirmou.
A dona de casa Dilzane Rodrigues, 40, amiga de infância da professora, observa que a Heley sempre teve um lado “guerreiro” que a fazia superar as dificuldades da vida: “Um exemplo foi quando ela perdeu o filho de 4 anos, que, por acidente, morreu afogado na piscina de um clube da cidade. Isso já tem 16 anos”, lembrou a amiga.
A tragédia familiar de Herley, casada há 23 anos com Luís Carlos Batista, não demorou muito para ser superada. Logo ela teria duas meninas, que hoje têm 15 anos e 12 anos. Há um ano e três meses, nasceu sua filha mais nova.
Fora da escola, Heley tinha uma vida social dividida entre atividades religiosas na Pastoral da Família, da Igreja Católica, onde era membro ativo dos encontros de casais, e os churrascos que adorava realizar com as amigas. “Era uma pessoa que estava sempre alegre”, disse Dilzane.
E esta não foi a primeira vez que uma tragédia abalou a região do norte de Minas. Há oito anos, lembra a pedagoga Denise Santos, oito professoras da cidade vizinha de Porteirinha morreram quando estavam voltando da zona rural no último dia de aula do ano letivo.
“O motorista da van em que viajavam perdeu o controle do veículo e bateu em um caminhão, só ficou uma viva. Elas eram professoras de creche também”, disse Denise, que trabalha numa creche vizinha a de Heley, só que um pouco maior – lá estão matriculados 350 alunos.
O enterro do corpo de Heley, que aconteceu nessa sexta, foi antecedido por um cortejo fúnebre formado por dezenas de moradores. Sobre o caixão branco, uma grande imagem de Nossa Senhora. No velório da professora, Denise representava a Secretaria Municipal de Educação de Janaúba. Aos presentes, falou: “O que nos abala mais num caso desses é que ele ocorreu em sala de aula, um local sagrado para os educadores, como Heley, profissional exemplar. Mas ao mesmo tempo são pessoas como ela que nos inspiram a dar a volta por cima e mostrar que, com muita luta, tudo pode ser reconstruído”.
Fonte: BOL
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