A autocrítica que o PT nunca fez
O PT nunca negou apoio à ditadura de Nicolás Maduro. Na foto, o presidente venezuelano e Lula se cumprimentam durante reunião do Foro de São Paulo em Manágua, na Nicarágua, em maio de 2011 Foto: ELMER MARTINEZ / Agência O Globo
A República brasileira hoje enfrenta o maior inimigo que já teve: Jair Bolsonaro. O candidato do PSL não representa só a herança da ditadura militar: representa o porão, a facção que se opunha à abertura de Geisel — que, a propósito, chamou Bolsonaro de “mal militar”. Os cinco generais que Bolsonaro pretende colocar no ministério não estarão lá para administrar suas pastas, mas para manter a ameaça de golpe permanente. Chegamos a um ponto em que Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita francesa, declarou que as coisas que Bolsonaro diz seriam inaceitáveis na França. E a questão é esta: somos uma sociedade como a França, em que mesmo a extrema-direita recusaria Bolsonaro? Ou somos um daqueles negócios exóticos e atrasados para quem o mundo olha e pensa “Eles são assim mesmo, não tem jeito”?
Só Fernando Haddad e o Partido dos Trabalhadores podem defender a República brasileira da ameaça Bolsonaro.
Não, não é a situação ideal.
Mas é o que temos para hoje.
A República exige que os brasileiros tenham em quem votar contra Bolsonaro. Para se tornar essa opção, o PT precisa deixar claro que, se Fernando Haddad for eleito presidente, não repetirá os erros que causaram a queda de Dilma Rousseff em 2016.
O partido deveria ter feito uma autocrítica nos últimos anos. Se tivesse falado abertamente sobre os casos de corrupção envolvendo petistas ou sobre o desastre da política econômica do primeiro mandato de Dilma, seria muito mais fácil prometer que nada disso aconteceria de novo.
Não se deve esperar que o PT passe o segundo turno pedindo desculpas, nem eu defendo que o faça. Campanhas eleitorais são sobre o futuro, e, se formos falar de autocrítica, a turma de Bolsonaro ainda nos deve explicações sobre o assassinato de Vlado Herzog, a explosão da dívida externa nos anos 70, a recessão de 1981, o Maluf e o próprio Bolsonaro.
Mas é importante que as propostas do PT neste segundo turno deixem claro que o partido entendeu o que fez de errado quando foi governo.
Aqui vão alguns pontos que deveriam ter constado em uma autocrítica do PT e minhas sugestões de propostas que deixariam claro que o partido aprendeu com seus erros.
Em primeiro lugar, o PT deveria ter reconhecido que desviou bastante dinheiro da Petrobras. Depois do que a Lava Jato revelou, sabemos que os esquemas que abasteceram o PT já existiam havia décadas; mas garanto que não foi o presidencialismo de coalizão ou a cultura política brasileira que obrigaram os petistas a aceitar subornos milionários do cartel das empreiteiras. Como disse Jaques Wagner, o partido lambuzou-se.
O PT se defende dizendo que nenhum partido fortaleceu mais as instituições de controle, que os ministros que condenaram os petistas foram nomeados por Lula e Dilma e que foram presidentes petistas que assinaram a Lei da Ficha Limpa e a Lei das Delações Premiadas.
Isso é tudo verdade, e o partido tem todo o direito de reivindicar essa herança na campanha eleitoral de 2018. Em especial contra Bolsonaro, cuja turma teria pendurado Sergio Moro no pau de arara se o juiz se metesse a investigar, digamos, o Costa e Silva.
O problema é que, como disse o filósofo Ruy Fausto, o PT fez a autocrítica errada. Os fatos eram: o PT tomou iniciativas importantes contra a corrupção, mas também cometeu grandes crimes. A autocrítica certa era: cometemos muitos crimes. A autocrítica feita depois do impeachment foi: as instituições de controle estão descontroladas.
Para corrigir seu surto de estupidez pós-impeachment, o PT tem de se comprometer a respeitar a Lava Jato. O PT não pode propor nada que enfraqueça o Ministério Público ou possa ser interpretado como ameaça à imprensa. Tem de propor, enfim, o mesmo respeito às instituições que demonstrou quando foi governo.
Da mesma forma, o PT tem todo o direito de discordar da decisão que condenou Lula, mas um novo governo do PT deve deixar claro que Lula se defenderá dentro das regras da Justiça brasileira, sem interferência do novo presidente da República.
Defender a Lava Jato, aliás, traz vantagens para o PT em 2018. Em 2016, a operação realmente deu a impressão de que só o partido era corrupto. De lá para cá, os adversários do PT caíram na rede da operação, um a um, mesmo que depois tenham escapado da prisão por manobras que a direita sabe fazer melhor que a esquerda.
O PT também deve desculpas ao público pela política econômica implementada por Dilma Rousseff em seu primeiro mandato, a chamada Nova Matriz Econômica (NME).
A NME começou como um programa mais ou menos ideológico reivindicado pelo setor industrial — o que a economista Laura Carvalho chamou de “Agenda Fiesp” —, com redução forçada de juros e intervenções no setor elétrico. Deu errado e, conforme a eleição se aproximava, virou um negócio meio avacalhado, com desonerações de impostos para o empresariado. No fim das contas, o crescimento não veio, e o governo quebrou, processo bem descrito no livro Como matar a borboleta azul , da economista e colunista Monica de Bolle. Com informações da revista Época.
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