Um jaleco médico bordado, algumas blusas coloridas, fotos na parede, cremes, pelúcias, um passaporte. Os objetos fazem parte do “Cantinho de Ray Lima”, um lugar da casa de Maria José da Costa, 56, dedicado às lembranças da filha, morta aos 31 anos na Nicarágua.
Raynéia Gabrielle Lima foi atingida com um tiro de fuzil quando dirigia seu carro pela capital, Manágua, onde estudava medicina, no dia 23 de julho de 2018. O país vivia então o auge de uma onda de protestos contra o ditador Daniel Ortega e uma forte repressão a opositores que deixou centenas de mortos e milhares de feridos.
Um ano depois, a família de Raynéia terá representantes legais pela primeira vez. A Acción Penal, uma organização de advogados que defende gratuitamente vítimas de violações de direitos humanos na Nicarágua, vai assumir o caso. No último dia 3, a defesa do homem que confessou o crime pediu à Justiça a extinção do processo contra ele, o que pode colocá-lo em liberdade.
“Soubemos que a dona Maria José não se sentia representada e tinha dúvidas sobre a forma como foi conduzido o caso de sua filha. Isso nos comoveu e nos colocamos às ordens”, diz o advogado Roberto Fúnez, que representará a família. “Estamos interessados em que esses casos tenham um bom término, um processo conforme a lei.”
Desde o ano passado, Maria José vem reclamando da falta de informações sobre as investigações. Diz que só sabe do que acontece por reportagens da imprensa local -que tem sofrido com censura e com a perseguição a jornalistas. O julgamento do caso foi a portas fechadas, durou apenas 35 minutos e não teve a presença de um representante da família da vítima.
Maria José questiona o desaparecimento de provas, como imagens de câmeras de segurança e o próprio carro da estudante. Também levanta dúvidas sobre a autoria do assassinato. Cinco dias depois do crime, a polícia informou que o vigilante Pierson Gutiérrez Solís tinha confessado. Em sua versão, ele viu o veículo da estudante em alta velocidade, achou que corria perigo, pegou uma arma em seu carro e atirou.
Segundo investigou o jornal Confidencial, Solís é militante da Frente Sandinista de Libertação Nacional, de Daniel Ortega, e trabalhava como segurança na Albanisa, uma parceria do governo com a petroleira estatal venezuelana PDVSA.