O babalorixá Benedito Vitor dos Santos parece um fabuloso personagem extraído das páginas de uma obra de Lima Barreto. Sua história de vida começa com um desacerto do pai, que no caminho para registrá-lo no único cartório de Colômbia, cidade com pouco mais de cinco mil habitantes no interior de São Paulo, esqueceu o nome que a mãe tinha lhe rogado. Em vez do previamente combinado, o progenitor escolheu Benedito Januário dos Santos, sem comunicar o equívoco aos familiares. Eles só descobriram a verdadeira alcunha na hora de matricular a criança na escola. Até então, no entanto, para o garoto de infância humilde e caçula entre onze irmãos, “Vitão” já fazia parte de sua identidade. Hoje ele acha graça da imprecisão. Ao lembrar-se dela, o semblante é de quem respeita, quase como um estoico, os desígnios do destino. Foi assim que aceitou o convite do ministro José Dias Toffoli para a cerimônia de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal, segundo ele, com direito a formar dupla de moda de viola com o ministro Gilmar Mendes, num “after” somente para os íntimos. Não era a primeira vez que Vitão embarcava para Brasília. Ela se deu quando Toffoli ainda era subchefe para assuntos jurídicos do então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, no primeiro governo Lula. E não foi bem sucedida. Quando convidado, nem passou por sua cabeça que viraria capa de jornal no “escândalo das passagens aéreas” pagas pelo poder público. Por sorte, os problemas acabaram por aí. Hoje, sua presença é mais do que bem-vinda no STF. “Quando vou para Brasília, na surdina, vem o Fachin, os outros… Eles querem saber como é. Eu dou as orientações, faço a energização”, relata, ao mesmo tempo em que pede para que a informação não seja publicada, diante, segundo ele, do preconceito contra as religiões de matriz africana e das implicações que o assunto pode causar dentro do STF.
O trabalho do babalorixá, como explica, não é exatamente o de revelar o futuro do cliente, ainda que isso seja possível. “Faço trabalho para transformar negativo em positivo, e não negativo em negativo. Por mais que paguem, não prejudico ninguém.” Seu ofício é feito no próprio apartamento e não em terreiro. Em troca, cobra o valor, para ele, irrisório, de cinquenta reais, o que já lhe custou brigas com outros babalaôs que o acusaram de dificultar a concorrência. Ele, que já chegou a jogar búzios para a família de ex-prefeito da cidade paulistana Paulo Maluf, afirma que os números podem ser exacerbados, tudo depende do que se pede. “Tem pessoas que vêm até mim com um poder aquisitivo grande, muita gente de Brasília… Eu jogo, oriento, coloco as defesas em dia, porque gente assim é um alvo, tem que revitalizar as energias”.
No começo de sua trajetória, Vitão, também ex-seminarista, tinha dificuldade para aceitar a sua mediunidade por causa do catolicismo. “Achei que estava ficando louco”, confessou. Foi quando os próprios padres intercederam em seu socorro e o ajudaram a compreender as razões da perda de consciência repentina. No Departamento Jurídico XI de Agosto (DJ), da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde trabalha atualmente como coordenador da assistência judiciária, Benedito Vitor dos Santos se aproximou da religião – por meio de contato com comunidades de mesma crença. Lá ele foi apresentado a Toffoli, quando o ex-advogado do Partido dos Trabalhadores (PT) ainda era estagiário do DJ.
No Largo São Francisco, a experiência de Vitão é ainda anterior. Além de babalaô, ex-seminarista e coordenador do DJ, é o Rei da Peruada. Isso mesmo. É ele quem comanda uma das festas mais tradicionais de São Paulo, que passou, recentemente, a fazer parte do currículo da cidade. A primeira foi em 1982, entoando o movimento pelas Diretas Já. Desde então, ele já subia no caminhão da “passeata circense, política e carnavalesca” segurando um peru em seus braços, no horário do almoço, em uma sexta-feira. Hoje, aos 72 anos de idade, ele exerce a mesma função, mas sem carregar o peru. Segundo ele, “por conta das reclamações de movimento em defesa da vida animal”. Para Vitão, a Peruada hoje está esvaziada politicamente. “No início, o pessoal achava que era coisa do PT. Falávamos principalmente sobre lentidão da Justiça.” Sobre o seu amigo de STF, caracteriza-o como alguém de uma humildade fantástica. “Quem sou eu? Quantos não queriam um convite daquele [para participar da cerimônia de posse]? Quantos professores e desembargadores gostariam de ser convidados? E eu fui o primeiro a ser”, jura. Dono de uma voz grave, que pode ser escutada ao longe, e gesticulando com os dedos compridos, afirma que religião é uma “questão de cada um”. “Não precisa ser terrivelmente evangélico [para ocupar o STF]. Tem que ser um bom ministro”, encerra.