Os eventos climáticos extremos estão se tornando mais violentos e mais frequentes e isso tem reflexo na saúde das pessoas. Mais queimadas significam mais problemas respiratórios, enchentes aumentam os casos de leptospirose, calor intenso amplia o número de AVCs, sem falar na influência das doenças sazonais que tem seus ciclos alterados e acabam por se sobrepor pelas mudanças climáticas, sem falar nas doenças mentais pós eventos extremos.
O Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, se dedica há 15 anos a estudar essa relação, e analisando os dados apenas de cidades que decretaram estado de calamidade, os números impressionam: em 2019 foram 2.010 os eventos extremos, em 2023 chegaram a 6.772. O impacto em pessoas que adoeceram diante desses eventos saiu de 69.093 para 156.521.
Esses números são a ponta do iceberg diz Renata Gracie, uma das coordenadoras do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz. O sistema de saúde hoje não está estruturado de forma a captar todos os efeitos do clima sobre a saúde, diz. Uma coisa, no entanto, é certa, afirma Renata, será preciso repensar o orçamento e o atendimento do SUS para atender a essas emergências, cada vez mais frequentes.
Veja também
Amazônia branca: sem proteger a Antártida, adeus clima
Seca de 2024 no Rio Negro é a maior já registrada em Manaus, aponta CPRM
- Mudanças climáticas sobrecarregam o sistema de saúde. Os dados mostram que os eventos extremos, além de todas as enfermidades que causa, agrava todos os problemas crônicos, mesmo daqueles que não são diretamente atingidos. Há o estresse da situação, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, aos medicamentos. Será preciso pensar alternativas logísticas para locais isolados. Por exemplo, para dar atendimento em caso de enchentes como a do Rio Grande do Sul, que fechou postos de saúde e hospitais, e também em casos como da seca no Norte do país que impede que profissionais e insumos cheguem por barcos, diante da inavegabilidade dos rios - exemplifica a especialista.
Renata diz que essa não é uma missão apenas para os ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, mas terá que envolver as pastas de Fazenda, Inovação, Defesa, não só para os planos de mitigação, como para os de prevenção.
- Em eventos extremos as vulnerabilidades se sobrepõem, quem está em moradias precárias, sem acesso à água e saneamento, por exemplo, multiplica suas chances de adoecer.
Se faltam ainda estudos no Brasil, um relatório feito pela renomada revista científica inglesa Lancet, focado na Europa, divulgado em maio, apontou que o risco de uma epidemia de dengue na Europa, diz o levantamento, aumento 55,94% de 1960 a 2022. O período de duração anual de transmissão do vírus da dengue passou de zero meses em 1960 para quatro meses em 2022. Já As regiões com condições ambientais para casos de Leishmaniose na Europa passaram de 55% para 68%. O fato é que com o aquecimento global o clima europeu ficou mais propício para proliferação de doenças como dengue, chikungunya e zika.
A preocupação com os impactos das mudanças climáticas na saúde não se restringe ao setor público. Maior rede integrada de saúde do Brasil e quinta maior do mundo, a Dasa vem se debruçando sobre esse tema, no uso de inteligência de dados para analisar os mais de 390 mil exames feitos por ano em mil unidades distribuídas pelo país. Leonardo Vedolin, VP médico da Dasa, e o virologista, José Eduardo Levi, têm se dedicados a essa análise sobre os impactos desse aquecimento na proliferação de doenças e pandemias e no sistema de saúde do Brasil.
- Até pouco tempo esse era um tema discutido em uma mesa dos grandes congressos internacionais, hoje é destaque no mundo inteiro. Será preciso usar a inteligência de dados para que se desenhem estratégias para atuar tanto na prevenção, quanto quando acontecerem os eventos extremos. Organizar esses dados será fundamental daqui para frente - Levi.
Segundo Paulo Correia, médico, coordenador do Pronto Socorro do Hospital Brasília, da rede Dasa, os períodos prolongados de calor extremo provocam aumento de mortalidade em até 22% em doenças cardiovasculares - principalmente, renais e respiratórias, como demonstrado por inúmeros estudos científicos recentes e são especialmente graves em populações vulneráveis às variações de temperatura, como idosos, crianças, pacientes com doenças crônicas e aquelas com baixo status socioeconômicos.
-O aquecimento global é uma realidade que está promovendo ascendentes efeitos sobre a saúde, na Europa, em 2022, estima-se ter provocado até 61 mil mortes e alguns estudos indicam que as ondas de calor e seus efeitos sobre a saúde pode ter sido responsável por até 0,94% durante as estações quentes e um planejamento adequado com otimização estrutural, preservação e reconstrução ambiental, educação e conscientização da população são fundamentais para uma adaptação a essa nova realidade - afirma Correia.
Nesse contexto, Renata Gracie ressalta que a transição para uma economia mais sustentável é uma necessidade para além do meio ambiente e de ultrapassar entrave comerciais, como o imposto pela União Europeia para a importação de produtos. A coordenadora do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz explica que a redução de emissão de gases de efeito estufa é uma questão de saúde pública e tudo que ela envolve.
- O cenário que temos hoje é o efeito de elevação de 1,5 grau, se continuarmos a emitir gases como hoje isso vai se agravar e não só os efeitos imediatos. Temos visto em várias cidades onde as queimadas estão intensas orientações para que as pessoas não saiam de casa para evitar problemas respiratórios, mas respirar as partículas em suspenso da fumada das queimadas a longo prazo pode elevar casos de alguns tipos de câncer, por exemplo. Tenho visto muita gente falar que estamos chegando ao ponto de não retorno e as pessoas acabam jogando a toalha. Não é dessa postura que precisamos, muito pelo contrário, temos que envolver a todos, conscientizar para trabalhar em inovação, avançar em direção a sustentabilidade. Vai demorar para voltarmos ao que era no passado, mas sempre é tempo de fazer alguma coisa para mudar esse cenário ou continuaremos a enxugar gelo - afirma.
Fonte: O Globo