Três dos seis supostos médicos que utilizavam documentos de terceiros para trabalhar na região de Sorocaba (SP) foram ouvidos, nesta quinta-feira (30), no Fórum e na delegacia de Mairinque (SP). Eles prestaram esclarecimentos ao Ministério Público e à Polícia Civil sobre o caso, que envolve hospitais de Alumínio (SP), São Roque (SP) e Mairinque. Pablo Mussolini e Jaime Ricardo Chumacero Júnior saíram da delegacia juntos, algemados e com os rostos cobertos. De lá, os dois foram levados para o Fórum. Natani Thaísse de Oliveira, que está presa na cadeia de Votorantim (SP), chegou em uma viatura logo em seguida. Ela também estava algemada e escondeu o rosto. Apenas Jaime, que é de Guajará-Mirim, em Rondônia, estava acompanhado do advogado, Bruno Valverde. Ele garantiu que o cliente é médico. “Jaime é formado na Bolívia, está cursando agora a revalidação em uma faculdade brasileira para obter o CRM brasileiro”, afirma Valverde. Jaime trabalhava no pronto-atendimento de Alumínio e se apresentou espontaneamente à polícia nesta quarta-feira (29). Já Vilka de Souza, a primeira a ser descoberta trabalhando com o CRM de outra pessoa, continua foragida. Ela já teve a prisão temporária decretada. Além das quatro pessoas já identificadas, a polícia investiga mais dois suspeitos. Outros inquéritos sobre o caso também estão em andamento. “Nós estamos traçando todos aqueles parâmetros que falamos na [operação] Placebo I: a questão de outros falsos médicos e o envolvimento das empresas. Em continuidade, nós estamos trabalhando exatamente para traçar qual foi a participação de cada pessoa. Se houver participação do poder público, eventualmente, eles podem responder”, afirma a delegada Fernanda Ueda. Investigação do MP O promotor de Mairinque responsável pelo caso dos falsos médicos que atuavam na região de Sorocaba, Joaquim Portela, informou que o Ministério Público vai investigar a responsabilidade dos órgãos de fiscalização das prefeituras sobre a contratação dos profissionais e se eles poderiam ter evitado as fraudes. “Nós vamos apurar tanto a qualidade do serviço público quanto a responsabilidade e eventual omissão dos agentes públicos na fiscalização dos contratos ou mesmo na condução do serviço de saúde, que é extremamente essencial à população. No caso de São Roque, por exemplo, qualquer pessoa normal pode imaginar que algumas das 60 mortes poderiam ser evitadas se essas pessoas tivessem sido atendidas por um médico habilitado”, explica Portela. Ainda nesta semana, o MP deve denunciar à Justiça o primeiro inquérito policial sobre o caso, concluído na semana passada. “Esse inquérito tem quase 30 volumes e se refere aos quatro médicos [que atuavam na cidade]. A princípio, eles vão responder por uso de documento falso, exercício ilegal da medicina e formação de quadrilha, mas, a partir da análise desses documentos, podem surgir outras imputações”, diz o promotor. Segundo Portela, as empresas que fornecem os médicos podem ter que devolver aos cofres públicos o valor pago aos falsos profissionais. “Vou entrar com pedido para que isso seja feito. A prefeitura pagou por um serviço que não teve. Ela contratou médicos e essa mão de obra não foi fornecida”, explica o promotor. Em São Roque (SP), a Diretoria de Saúde informou que recomendou à Santa Casa a suspensão dos serviços prestados pelas empresas Inova e Guazza. Mesmo assim, o hospital anunciou que, pelo menos enquanto durarem as investigações, as empresas continuam prestando os serviços médicos. No local, alguns pacientes atendidos pelos profissionais que utilizavam documentos de outros médicos ainda estão agendados para retornar a uma nova consulta. É o caso da auxiliar de embalagem, Selma Regina Barbosa, que machucou o ombro no fim de junho e foi atendida pela primeira mulher a ser descoberta no esquema, identificada apenas como “Vilca”. “Ela mandou tirar raio-x e falou que não tinha dado nada, mas mandou tomar uma injeção para passar a dor”, conta Selma. Depois de se consultar com outro médico, descobriu o verdadeiro diagnóstico. “Ele falou que eu estou com problema no nervo do braço. Aí, eu tive que passar por um ortopedista mesmo, até que me encaminharam para Sorocaba”, afirma a auxiliar de embalagem. A Santa Casa ainda não divulgou o total de pacientes que deve passar por nova consulta. Até o momento, mais de 400 pessoas já foram atendidas, seja pelo SUS, pelo convênio ou particular. No Ministério Público de São Roque, nenhum inquérito sobre o caso foi aberto. Entenda o caso O caso dos falsos médicos que atuavam em unidades de saúde da região veio à tona depois que uma mulher que atendia no pronto-atendimento do município de Alumínio (SP), com o nome e registro profissional de Cibele Lemos, foi embora de um plantão sem dar justificativa à equipe que trabalhava com ela. Indignado, o diretor da unidade decidiu consultar o Conselho Regional de Medicina (CRM) para tomar uma atitude administrativa. Porém, ao abrir o perfil da profissional, viu que a foto não condizia com a pessoa que trabalhava no local. Depois disso, a Diretoria de Saúde, a empresa responsável pela contratação e a Polícia Civil passaram a investigar todos os profissionais contratados pela pela prestadora de serviços, que fornecia profissionais para Alumínio, Mairinque e São Roque. 60 óbitos Entre os documentos apreendidos em uma operação da Polícia Civil no dia 17, estavam pelo menos 60 declarações de óbito assinadas pelos falsos médicos. A informação é da delegada Fernanda Ueda. O material foi recolhido em São Roque. “Essas declarações foram feitas por quatro pessoas que, em tese, não teriam habilitação. Também não se descarta que eles tenham feito a prática médica e o óbito tenha sido declarado por outro profissional. Existe uma semelhança muito grande entre os médicos falsos com aqueles dos quais eles utilizavam o CRM “, explica Ueda. O delegado seccional Marcelo Carriel diz que a investigação deve averiguar esse envolvimento dos falsos médicos com os óbitos. ”Agora é a investigação para se constatar se esses óbitos são decorrentes de um mau atendimento ou da falta de um atendimento adequado, como um encaminhamento que não deveria ocorrer, ou se qualquer coisa desse tipo que tenha levado ao óbito dessas pessoas”. O que dizem as empresas A Innovaa, empresa prestadora de serviços responsável pelas contratações dos médicos, emitiu uma nota sobre o caso. De acordo com o comunicado, as admissões foram feitas com base na apresentação dos documentos pessoais e do registro do profissional no Conselho Regional de Medicina (CRM) e, no caso dos médicos irregulares, todos os documentos apresentados condiziam com profissionais médicos registrados no CRM. Segundo a empresa, a falsificação desses documentos não foi detectada, inclusive porque as fotos dos profissionais só passaram a aparecer no site do Cremesp no dia 6 de julho. Já o Instituto Ciências da Vida informou que está à disposição da polícia e que também é vítima da situação, já que se sente igualmente enganada pelos falsos médicos. O ICV esclareceu ainda que, a partir dos fatos denunciados, ampliou o rigor na seleção e contratação dos profissionais e das empresas fornecedoras de mão de obra médica. Fonte: G1 |