Após dois anos cursando um mestrado nos Estados Unidos, Renata, uma estudante brasileira que preferiu manter o anonimato ao conversar com O Globo, decidiu cancelar os planos de passar o fim de ano no Brasil. A escolha foi motivada pela incerteza sobre a possibilidade de retornar ao país devido às promessas do presidente eleito, Donald Trump, de adotar políticas migratórias mais rígidas, incluindo deportações em massa.
— Decidi permanecer nos EUA porque não sei como será para voltar e concluir minha tese — explicou Renata, que está no país com um visto de estudante. — Estou quase finalizando meus estudos e não quero correr riscos.

Renata faz parte de um grupo de 41 mil brasileiros matriculados em universidades americanas, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores. Esse número é parte de um contingente de mais de 1 milhão de estudantes internacionais no ensino superior dos EUA, que inclui tanto imigrantes regulares quanto 408 mil estudantes sem documentação, segundo o portal Higher Ed Immigration.

Alertas e restrições: um déjà vu de 2017
A apreensão entre os estudantes não é novidade. Instituições como o MIT e a Universidade de Massachusetts (UMass) têm emitido comunicados relembrando as medidas restritivas adotadas por Trump em 2017, quando, logo após assumir a presidência, ele proibiu a entrada de cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos. Neste ano, a retórica anti-imigração voltou a ganhar força, com foco especial nos latinos.
Ana Paula Mesquita, doutoranda na Universidade Estadual do Oregon, relatou o clima de incerteza vivido pelos estudantes: — Durante as eleições, o sentimento já era de dúvida, principalmente entre aqueles que estão no fim de seus contratos de estudo. Tenho colegas que perderam semestres inteiros devido aos bloqueios de 2017.

Impactos econômicos e acadêmicos
Além das barreiras migratórias, há preocupações com possíveis cortes no financiamento de pesquisas. Ana Paula destacou que a escolha de nomes como Robert Kennedy Jr. para liderar o Departamento de Saúde pode impactar negativamente os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), que são a principal fonte de recursos para projetos acadêmicos.
Lucas de Souza, analista político e professor da Universidade Temple, prevê um ambiente de autocensura nas universidades. Segundo ele, Trump pode priorizar áreas tecnológicas em detrimento das ciências humanas, vistas por setores republicanos como “subversivas”. — Universidades que não se alinharem ao governo podem enfrentar dificuldades na regulamentação de programas. Além disso, estudantes estrangeiros devem evitar protestos por medo de represálias — alertou Souza.

Risco de fuga de cérebros
Embora Trump já tenha defendido que graduados em universidades americanas recebam green cards automáticos, especialistas temem uma fuga de cérebros, com pesquisadores buscando destinos mais acolhedores, como países árabes e do Sul Global. — Se os EUA fecharem as portas, outras nações vão aproveitar. Isso pode causar prejuízos à economia americana — afirmou Souza.
Enquanto o cenário permanece incerto, Renata, Ana Paula e outros estudantes estrangeiros preferem agir com cautela, adiando viagens e alimentando a esperança de um futuro cada vez mais dependente de políticas instáveis.