Lava Jato chegará ao futebol e roubalheira vai ficar cara, diz ex-vice do Corinthians SÃO PAULO - "Acredito que a Lava Jato está fazendo um bem enorme para o país e acho que vai bater no futebol muito forte. Daqui para a frente, a roubalheira ficou cara", afirma Luis Paulo Rosenberg, economista que teve papel fundamental na gestão e reconstrução do Corinthians como vice-presidente e diretor de marketing, de 2007 a 2012.
Em uma conversa animada com O Financista, o consultor sênior da Rosenberg Partners falou sobre a passagem vitoriosa pelo Corinthians, seu clube de coração, detalhando erros e acertos de uma estratégia que multiplicou as receitas do clube paulista. Ele foi o mentor da vinda de Ronaldo Fenômeno ao Parque São Jorge, e, sob a liderança de Andrés Sanchez, ajudou a realizar dois dos maiores sonhos corintianos: a construção de seu estádio e a conquista da Taça Libertadores da América, em 2012.
Para Rosenberg, o acontecimento que julga como a “cereja do bolo” foi o acordo com a fabricante de caminhões Iveco. “Uma fabricante de caminhão não quer vender caminhão quando estampa o nome na camisa do Corinthians. Ela fez o que chamamos de co-branding. Associou a marca dela com a minha. Ela achava a minha marca tão forte naquele momento que quis se associar. Esse para mim foi o suprassumo do sucesso do marketing. Quer dizer que você chegou lá”, completa. Quer começar o dia bem informado? Espresso Financista. Leitura obrigatória para quem quer ficar pronto para o dia.
Sobre o momento do futebol brasileiro, o economista diz que, para destravar o valor dos clubes, basta fazer o que está no próprio DNA deles. Quanto ao poder financeiro da China no mercado de futebol, ele crê que veio para ficar. “Do mesmo jeito que o Cosmos levou o Pelé para os Estados Unidos, eles fizeram tudo do jeito chinês. Já leva 50”. E brinca: “Se imaginaria que, até por acidente estatístico, um país que tem 1 bilhão e 400 milhões de habitantes teria 22 jogadores de futebol decentes... Pois é, eles não têm. Eles perdem para a Malásia”.
No histórico profissional, Rosenberg atuou em instituições como Citibank, Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Suzano, Banco BBVA e Nestlé, além de ter participado da vida econômica do país nos anos 1980 e 1990, como assessor do então ministro Delfim Netto durante o governo José Sarney e membro da equipe de negociação do Brasil com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Em relação ao momento político e econômico do país, Rosenberg afirma que não há um líder e o interesse de longo prazo do Brasil fica em segundo plano diante dos objetivos de curto prazo dos candidatos. “Tem que fazer uma revolução fiscal e que não passa por corte de gastos, mas passa por reforma da Constituição. Não adianta achar que cortar dois mil cargos de confiança vai fazer diferença.”
Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista:
O Financista: Como começou sua trajetória no Corinthians?
Luis Paulo Rosenberg: Eu fui para o Corinthians como corintiano. Sorte que eu era economista. Até 2008 o Corinthians estava em uma fase muito ruim. Eu era conselheiro e fizemos um movimento para impedir o presidente. Ele caiu e o Andrés Sanchez foi eleito. Um bando de bem intencionados, uma união das forças do bem. Logo depois da vitória, o Andrés me disse: ‘Não tem ninguém aqui que saiba como ganhar dinheiro. Então você vem e nos ajuda’. O Corinthians estava mal e eu topei. Em vez de pegar a área financeira, fiquei com a área de marketing porque era vista como geradora de receita. Eu tive uma bela experiência de mais de 20 anos no board da Nestlé. O convívio com marketing lá é muito forte. É uma das empresas mais bem sucedidas neste quesito. Tratei de colocar tudo que eu sabia no Corinthians, respeitando sempre oferta e procura e usando a paixão de corintiano. Quando se mexe com marketing, é preciso estar consciente de que se trabalha na administração de uma imagem. Há um Corinthians na alma de cada corintiano que pensa no clube pelo seu comportamento em campo, sem dúvida, mas também no papel dele na sociedade, na relação com os outros clubes, na modernização do futebol. O Corinthians de 2007 não tinha nada disso, estava muito afastado. Começamos então um movimento pra colocar o Corinthians de volta no sonho do corintiano.
Isso passava por muita transparência, pela independência do futebol. Mudou o conceito de gerir o clube e o marketing trabalhou essa imagem. Basicamente eu me apoiei, primeiro, em uma equipe excepcional que já estava lá, mas que era cerceada pela corrupção. Segundo, no princípio de que o marketing não gasta dinheiro. Ou seja, não quero vender um programa que eu tenha de botar dinheiro. O programa precisa ser referendado pelo mercado. Haverá alguém ganhando dinheiro para fazer isso, um parceiro, alguém que queira arriscar. Esse era meu crivo para saber se o projeto era bom ou não. Terceiro, tudo que eu decidia era imaginando que havia mais de 30 milhões de loucos por cima do meu ombro, dizendo o que gostariam que eu fizesse. Assim, fui para ficar seis meses e só consegui sair quando eu desci do avião com a taça de campeão do mundo.
Foi uma trajetória incrível de série B até ser campeão do mundo. A receita do Corinthians deve ter crescido cinco, seis vezes no período. Espero que tenha ficado como uma marca no futebol brasileiro, no sentido de mostrar que ‘fazendo papai e mamãe’, com luz apagada e lençol por cima dá tudo certo.
Também tentei mostrar que, por mais bem sucedido que seja o cartola, a passagem dele tem começo, meio e fim. Eu saí sem ser saído. Em primeiro lugar custa muito caro ser cartola. Se você não rouba, trabalha de graça. E, no meu caso, põe uma carga sobre os meus sócios muito grande. Segundo, ninguém é dono de ninguém. Não é possível que o sucesso te faça dono de um clube. É necessária a característica de renovação e modernidade, de sangue novo, e não aquele processo de envelhecimento e enrijecimento que acontece quando você coloca os seus amigos, os amigos dos seus amigos... É aí que você admite uma sacanagem ali e outra aqui. E quando você vai ver a podridão tomou conta de tudo.
O Financista: O senhor mencionou a experiência na Nestlé. O que o senhor trouxe da cabeça de empresário para implementar no futebol? Houve resistência ou andou muito bem?
Rosenberg: Eu tive muita felicidade de ter o Andrés como presidente. Apesar de não ter educação formal, ele tem uma intuição incrível. É um homem de visão a longo prazo. Sempre admirei mais quem não tem uma formação universitária formal e consegue fazer coisas mais ousadas e competentes. O grau de delegação que ele me deu foi um negócio absurdo. Ele dizia que, se eu era do ramo, tinha que fazer e ele que engolisse as dúvidas dele. Tudo que saiu errado a culpa é só minha; e não foram poucas. Eu era muito ousado, mas não queria acertar tudo. Se eu acertasse sete de dez, e errasse três, e se não houvesse prejuízo para o Corinthians, estava bom.
Por exemplo, a TV Corinthians foi um lançamento precoce, muito bacana. Acho que vamos caminhar para isso, mas naquele momento não dava e o empresário que investiu quase se arrebentou, mas sem prejuízo nenhum para o Corinthians. Eu também tentei um jornal de segunda-feira, bem parcial do jeito que o corintiano gosta, mas não estava maduro e quem investiu perdeu dinheiro.
Eu considero que a minha tentativa de “achinezar” o Corinthians também não deu. Agora está rolando essa euforia com a China, eu tentei fazer isso seis anos atrás. Fui para a China, estabeleci convênios, mas não caiu no gosto do Corinthians, da diretoria e não foi para frente. Criei aquele clube Corinthians na Argentina, com a ideia de capturar jovens talentos, mas também não foi para frente. Outro tiro n’água foi o Corinthians do Paraná. No fundo, eu me valendo das estatísticas que diziam que o primeiro time de torcida no Paraná era o Corinthians, pensei que daria certo, mas não deu porque só éramos grandes no norte do Paraná. Em Curitiba, não.
Então não é que a gente só acerta. Erramos no atacado. O sócio-torcedor na época não existia. Eu criei e coloquei uma tabela progressiva. Com os primeiros 20 mil sócios, 95% da receita ficaria com o operador e 5% com o Corinthians. E o percentual ia crescendo conforme o número de sócios aumentava, de forma que eu não quebre o operador. Hoje era para estar com 95% da receita para o Corinthians. Mas depois que eu saí fizeram um questionamento no contrato e dividiram meio a meio.
O fundamental para o sucesso é a sintonia de alma. Por exemplo, eu fiz cinco filmes longa metragem do Corinthians. Deram muito dinheiro? Não, mas também não perdi. Eu nunca perco. Mas o bem que fez para a Fiel, comprar um DVD de R$ 20 e levar aquele passado nosso para a casa. Eu editei também por volta de 30 livros sobre o Corinthians das mais diversas formas. Tínhamos um fotógrafo full time com o time, como se fosse um membro da comissão técnica. É esse esforço de fazer a Fiel sorrir. Eu criei até time de polo. Há três times no mundo que tem equipe de polo: Barcelona, Boca Juniors e Corinthians. Nunca que o mano da Gaviões foi ver um jogo, mas saber que o Corinthians tem um time de polo enche de satisfação.
Nunca tivemos problemas com a torcida. Minha posição em relação às organizadas foi sempre muito clara. Fico perplexo quando alguém fica indignado que eles têm ingressos mais baratos porque têm prioridade. Então vão reclamar com o cartão fidelidade da Gol, com a American Express que dá cartão platinum. Segmentar seus consumidores de acordo com a fidelidade é o básico do marketing puro. Em um jogo de futebol, o Corinthians provê o vídeo, mas quem produz o áudio é a torcida organizada. Faz parte do show. Eu preciso tê-los lá dentro, empurrando o time, sem contar que eles nos ajudam a ganhar.
Tudo o que fazíamos tinha um referencial de análise, visando maximização de resultados a longo prazo que chocava com o imediatismo que havia até então. Isso produziu resultados incríveis.
O Financista: Qual foi a cereja do bolo do marketing do Corinthians?
Rosenberg: Foi quando tivemos o patrocínio da Iveco. Por que eu acho isso melhor do que a Caixa, que é o maior contrato do Brasil, ou do que a Medial, que entrou pagando o maior contrato da história quando estávamos na série B? Porque esses têm um ganho imediato e óbvio. Todo produtor de bem de consumo de massa vê na minha camisa um outdoor global. É o clube que está mais na Rede Globo, uma exposição gigante. Agora uma fabricante de caminhões não quer vender caminhão quando estampa o nome na camisa do Corinthians. Um marketing direto com as transportadoras seria muito mais eficiente. A Iveco fez o que chamamos de co-branding. Ele associou a marca dele com a minha. Ele achava a minha marca tão forte naquele momento que ele quis se associar. Para mim foi o suprassumo do sucesso do marketing. Quer dizer que você chegou lá.
O Corinthians defendeu que o estádio da copa fosse o Morumbi, representou Santos, São Paulo e Palmeiras na negociação de direitos de TV em 2008, detonou o antro de corrupção que era o Clube dos 13. Esse é o Corinthians que a torcida deseja. E as empresas gostaram. Trouxemos uma respeitabilidade ao Corinthians que não tem comparação.
A dificuldade em vender naming rights não é por causa do preço, nem porque não seja atraente ter o nome no estádio mais bonito do Brasil, modéstia à parte. É porque é um casamento. A marca ficará no estádio por uns 20 anos.
A forma como você se comporta quando um menino morre com um morteiro na Bolívia pode custar muito caro. Nesse episódio, por exemplo, eu já estava fora, mas acho que erramos feio. Foi o anti-marketing. O Corinthians apoiar os suspeitos em vez de abraçar o menino. Não se sabe, mas o menino estava lá por que era corintiano. Veio da cidade dele pra ver o Corinthians. E nós não estávamos no enterro.
Então o branding é o zelo pela marca, como você constrói e mantém uma imagem. Não adianta dizer que você é, você tem que fazer. O Corinthians foi o primeiro clube no mundo a colocar na camisa “Força Japão “ em japonês e jogar com a bandeira do Japão no dia seguinte do tsunami. Em troca, dois anos depois, no evento da celebração dos mortos da tragédia, veio o prefeito da cidade atingida aqui em São Paulo e plantamos 30 mil árvores, uma para cada vítima. Percebe? Você sai da caixinha e vira uma entidade. Depois os outros começaram a imitar.
Nós lançamos um programa de compensação de carbono. Para cada gol do Corinthians, plantávamos cem árvores junto com o banco que nos patrocinava. Cada vez que viajávamos, calculava-se qual era a emissão de carbono que o Corinthians tinha produzido e se plantava um número de árvores para zerar isso. Quando o programa pegou e virou um show, eu chamei o Palmeiras para ser sócio. O nosso goleiro na época, o Júlio César, e o goleiro do Palmeiras eram os garotos-propaganda, dizendo que a causa era tão nobre que até conseguia juntar Corinthians e Palmeiras. Essas coisas que mudam o futebol, não proibir entrar bandeira no estádio.
Eu acho que brincar no futebol, aguçar a rivalidade, é bom. É adversário, não é inimigo. Acabou o jogo somos todos iguais ralando no metrô. Há muito a ser feito ainda. O mais importante é mostrar que, por mais safada que seja a federação, a CBF, você pode fazer a sua revolução no clube, mudar dramaticamente e colher resultados muito rápidos.
O Financista: Onde entra o Ronaldo nessa história?
Rosenberg: Assim como o goleiro, o diretor de marketing também precisa ter sorte. Olha a sucessão de coincidências favoráveis. Ele estava em um momento profissional muito discutível porque não era certo que se recuperaria. Ele estava em um momento emocional desastroso por causa daquele caso dos travestis. E ele tinha propostas da Arábia. Foi então que o empresário dele veio conversar e pediu a mesma coisa que os árabes estavam oferecendo. Eu caí na gargalhada. Eram R$ 2 milhões. Precisaria vender o Parque São Jorge para pagar. Eu falei que poderia pagar R$ 400 mil, mas também daria 80% do patrocínio da manga da camisa, 50% do calção, 30% de amistoso internacional, propagandas que ele faria e poderia ficar com tudo. Enfim, fiz um pacote de novos produtos e adicionei na conta. Disse para ele: ‘Pelas minhas contas se você quiser vier para o Corinthians para ser o Ronaldo, você vai ganhar por volta de R$ 2 milhões por mês. Mas se você vai ficar caído vai morrer com R$ 400 mil, e aí eu estarei encrencado, mas você também estará’. Ele topou a aposta. Houve o maior pique para se recuperar e aconteceu aquela coisa mágica.
O jogador mais internacionalizado do Brasil, que saiu daqui com 19 anos e transitou pelos maiores clubes do mundo e nunca se envolveu com nenhum clube, chega aqui e “o velho se apaixona pela gatinha”. A paixão do Ronaldo pelo Corinthians foi o condimento inesperado e isso retroalimentou com a torcida, foi uma loucura. Foi algo que colocou o Corinthians no mundo. O Ronaldo foi um negócio espetacular. O maior craque que o país já teve depois de Pelé é contratado por um time da série B: estava na cara que a gente não tinha nada que estar na segunda divisão. E ele ganhou os R$ 2 milhões por mês.
Era um negócio tão surreal que eu não escondi de ninguém. Fechamos a negociação no Rio de Janeiro. Quando termina o campeonato brasileiro tem aquela festa de fim de ano. O Andrés tinha ido à festa. Eu aproveitei e combinei na véspera. Falei que no dia seguinte de manhã eu ia marcar um café da manhã no hotel dele para conversar e fechar com o Ronaldo. Peguei o avião aqui em São Paulo, às 6h da manhã, e às 7h30 precisei esmurrar a porta do quarto do Andrés para acordar ele. O Andrés acordou e me perguntou o que eu estava fazendo ali. Falei que era por causa do Ronaldo e ele caiu na gargalhada. Ele falou: ‘Luis Paulo, você sabe quando o Ronaldo vai estar acordado às 8h da manhã para tomar um café no Rio? Nunca! Desiste! Não vai fechar nada’. Mas eu insisti para ele se arrumar e descer para tomar o café. Às 8h da manhã em ponto entra o Ronaldo no salão do hotel com o empresário. Conversamos. Eu e o empresário dele começamos a brigar por alguns detalhes. O Ronaldo então olhou para o Andrés e disse: ‘É assim que você quer? Então está fechado.’ Aí o Andrés vibrou.
Um evento emocional marcante da gestão foi esse. Agora as duas mais importantes foram obviamente o estádio e a Libertadores.
O Financista: Sobre o estádio, o senhor acredita que ele está sendo bem administrado ou poderia estar sendo melhor aproveitado e gerando mais receita?
Rosenberg: Acho que quem está de fora não opina. Se eu achasse isso deveria ter ficado lá até hoje. Ele foi desenhado para um outro Brasil. A crise econômica afeta demais o que dá para fazer lá. Fora isso cada um tem seu estilo.
O Financista: Indo um pouco além, o senhor disse que a gestão do cartola tem começo, meio e fim, justamente em prol da renovação e para as sementes bem plantadas prosseguirem. O senhor nota isso no Corinthians?
Rosenberg: Não. Eu imaginava ele bem mais para frente agora, principalmente a internacionalização. São os dois extremos do processo produtivo. Eu sempre vi um clube de futebol como assemelhado a uma locadora de automóveis. Em uma locadora de automóveis há duas atividades completamente distintas. Primeiro, ela tem que prestar um bom serviço e colocar bons carros à disposição de seus clientes. Além disso, ela precisa ter uma máquina de comprar e vender carros tão eficiente quanto, por que se não ela quebra. Eu queria que o Corinthians fosse a mesma coisa. Nós vamos fazer de tudo para ser campeão, esse é o nosso objetivo. Mas eu preciso de uma máquina de produzir jogadores e saber vendê-los, absolutamente perfeita. É assim que eu vou enriquecer. De um lado eu tenho lucros e perdas recorrentes e, do outro, eu tenho ganho de capital.
Então eu achava importantíssimo que a base ficasse totalmente subordinada ao profissional. O que eu quero? Eu tenho um técnico que sabe que nunca mais vai sair do Corinthians e que tem o time titular e os reservas. Ele precisa ter uma solução contingencial para qualquer jogador que saia, ligado à base. Para cada Renato Augusto eu preciso de um moleque de 15, 17 anos, a tal ponto que tira um e coloca outro e não tem problema. Aí eu vou fazer um Corinthians incrível. O Corinthians tem uma capacidade enorme de atrair jogadores. Agora não pode chegar um jogador lá que é 60% do conselheiro XPTO, enquanto o Corinthians fornece a melhor vitrine do mundo. Na hora de vender o ganho fica com o cara e não com o clube. Essa é a parte mais capenga do processo de enriquecimento do Corinthians.
Eu gosto da proposta do Roque Citadini. Se quiser jogar no Corinthians, é 100% do Corinthians. Se eu tiver que dar uma quantidade para o menino, uns 20%, eu acho até legal, como se fosse um bônus de desempenho. Mas intermediário? Nunca. Há problemas na base que são a grande vergonha do futebol. Não houve nenhum avanço. Uma situação muito comum em diversos clubes, algo universal.
O Financista: Hoje o senhor colabora com a Portuguesa.
Rosenberg: Ali é complicado, mas é um clube com um potencial incrível. Porque ele tem zero de rejeição e um potencial de marketing enorme, representado pelas padarias. Há 6 mil padarias em São Paulo, com 4 mil delas sendo de portugueses ou descendentes de portugueses, todos torcedores. A Lusa tem uma coisa que não temos no Corinthians. Nossa paixão pelo Corinthians é muito mais alavancada pelo vínculo de cumplicidade entre nós, loucos do bando, do que entre cada um de nós e o clube. Dois corintianos sempre se reconhecem. Falamos a mesma linguagem, gostamos das mesmas coisas. O torcedor da Lusa tem vínculos com o passado. É a comida da vovó quando ele tinha cinco anos. É o time do avô. É a história do povo dele. É uma relação muito bacana. O Palmeiras tem um pouco disso, mas está mais diluído porque o Palmeiras nunca se orgulhou de ser um time de colônia. A Portuguesa sim. Está lá latente, quem abrir essa caixa de Pandora vai encontrar algo muito bom. Eu acho que a Portuguesa tem tudo pra voltar a ser grande. Tem um potencial enorme, mas lá dentro é muito difícil de fazer as coisas acontecerem. Se no Corinthians tem uma carga emocional grande, na Portuguesa é muito maior. Extravasa o futebol, a paixão. Nem eu entendo direito. E eles também não estão muito abertos a compartilhar as coisas comigo, porque, claro, eu sou um agente infiltrado. Quando eu posso dar algum conselho, conversar com o presidente, eu faço, mas é muito difícil.
O Financista: Anos atrás o senhor viajou para a China e viu como as coisas funcionavam lá. Esse movimento do mercado chinês vindo hoje para o Brasil, com muito dinheiro, tende a ser algo permanente ou é passageiro, como foi anteriormente a Arábia?
Rosenberg: Acho quem tende a durar. Primeiro, a relação de câmbio está muito favorável para a China. Nós ficamos muito baratos. Segundo, você imaginaria que até por acidente estatístico um país com 1 bilhão e 400 milhões de habitantes teria 22 jogadores de futebol decentes. Pois é, eles não têm. Eles perdem para a Malásia. É a mesma coisa que a seleção brasileira perder um jogo para a seleção de Fernando de Noronha. Terceiro, foi eleito um presidente da China que é tarado por futebol. E os times na China são de empresas. Não é que a organização deles é empresarial, estou falando de empresa. Seria como se a Vale tivesse um clube, o Bradesco tivesse outro clube. Então é dinheiro grosso. E uma empresa na China é algo muito grande, não temos nenhuma aqui desse porte. Colocar 10 milhões, 100 milhões em um time de futebol, se o presidente ficar contente está tudo bem. Eles vão pegar sério.
Quando eu fiz contatos lá, a China já tinha sido descoberta pelos europeus como mina de ouro. Faziam o pré-season, vendendo muita camisa e cobrando uma fortuna para fazer amistoso. Eu disse à confederação chinesa que o Corinthians não quer isso. O Corinthians quer um relacionamento de longo prazo. Ajudaria a formar jogadores, ensinaria a China a jogar futebol. Eles me levaram pra ver um jogo grande deles, se não me engano entre o primeiro e o segundo colocado do campeonato. Um negócio lamentável.
Do mesmo jeito que o Cosmos levou o Pelé para os Estados Unidos para começar, a China faz do jeito chinês. Já leva 50 e começa. Acho que isso é definitivo. E é maravilhoso. Veja, se o Corinthians fosse dono de 100% dos jogadores que foram vendidos, teria muito dinheiro na mão do Corinthians agora. Conseguiria montar três times. Mas não dessa forma atual que o jogador joga no Corinthians, mas só 5% é Corinthians.
O Financista: O que poderia ser feito para destravar valor do produto futebol brasileiro?
Rosenberg: Pouco antes de sair do Corinthians, eu tentei juntamente com o São Paulo um negócio novo. Queríamos preparar junto com os outros um código de ética. Uma espécie de Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), como na publicidade e propaganda. A ideia era criar um código de conduta. Apesar de as empresas almejarem o lucro, nesse mundo moderno ligado a questões sociais, ecologia e globalização, o cidadão deixou de ser meramente consumidor. Ele passou a valorizar uma série de atributos que não passam por oferta e procura. As empresas estão se subordinando a esse tipo de coisa. Veja a Samarco. Imagine se isso tivesse acontecido trinta anos atrás. Não ia acontecer nada com a empresa.
Se você tem um código de ética e agrada as empresas, agregando esse conjunto de valores, então você ganha duas vezes. Está do lado do bem, do lado do torcedor e criando um produto valorizado pelo mercado. Esse é o começo de tudo. Claro que profissionalizar a gestão é importante. Transformar o futebol em empresa tem muito charme e eu não gostaria de fazer isso de forma puramente mercadológica. O que eu tentei fazer no Corinthians foi um pacto com Andrés. Na geração do excedente, somos totalmente empresariais, ou seja, controle de custo e maximização de receita fazemos como se isso aqui fosse a General Motors. Na alocação desse excedente, colocamos paixão.
Por exemplo, se eu preciso contratar um Adriano, porque ele se recuperando era o centroavante que eu queria, ainda que economicamente pareça um absurdo, eu faço. Porque é paixão. Não estou aqui para gerar lucro, estou aqui pra gerar excedente e transformar isso em copas. Isso é complicado. Quanto mais a gente se aproximar do referendado pelas empresas, é melhor.
Sob este aspecto, acredito que a Lava Jato está fazendo um bem enorme ao país. É um negócio incrível. Nada do que eles estão encontrando é novidade pra elite brasileira. Sabíamos de tudo isso. Era como se os usos e costumes da elite tivessem legitimado um comportamento totalmente ilegal. E tudo começa, é claro, no financiamento de campanha. De repente, você está vendo que o errado é errado. Não interessa que todo mundo faça. E isso vai migrar para tudo no Brasil.
A impunidade vinha disso, das pessoas de dentro praticando a contravenção. Eu acho que isso vai bater no futebol muito forte. Daqui para frente, a bagunça ficou cara. Era muito de graça. Você podia até contar para os amigos. Um negócio que me deixava incomodado no Corinthians era quando vinham me contar que um diretor havia falado que eu era “cabação”. “Cabação” é o termo exato. Claro que eu sou “cabação”. Se você não entra no jogo, não faz parte da sacanagem você é “cabação”. Quero ver quem não vai ser “cabação” daqui para frente. O futebol sempre visto como um lugar onde tudo era tolerado. Precisou do FBI colocar dois, três na cadeia para a coisa melhorar, e ainda vem a Lava Jato. Eu acho que vocês vão ver uma era do futebol muito bacana.
Vai haver uma pressão para que direitos de televisão sejam mais socializados e você tenha um crescimento mais harmônico entre os times. Houve cancelamentos de contratos de marketing de grandes corporações com a CBF e a Fifa. Isso é o bacana do mercado. Não precisa ser economista. Ou aprende estudando ou aprende pela via complicada, caindo e levantando. Notando que não tem outro jeito de fazer as coisas a não ser respeitar o mercado.
O Financista: Um movimento de profissionalização dos clubes pegando emprestado essa espécie de purgatório ético do país...
Rosenberg: Isso. E no futebol eu acho que hoje o mais importante é o ético no sentido mais amplo. O maior benefício que eu almejava com o sócio-torcedor não era ganhar dinheiro. Claro que é sempre bem-vindo, mas o ponto era acabar com aquelas filas. O que eu já tomei de paulada, chuva, empurrão esperando quatro horas para comprar um ingresso. Hoje, em dia de jogo, o estádio não abre bilheteria. Esse era meu sonho. É este tipo de atitude.
Uma coisa que sempre me espantou como economista foi que eu nunca encontrei dois bancos parecidos. Dar crédito, ou seja, acreditar, é uma coisa muito cultural e cada um desenvolve a sua forma de dar crédito de acordo com a cultura do dono. Assim eles vão ficando cada vez mais diferentes em vez de ficar parecidos. Por exemplo, não deve ter duas coisas mais diferentes no Brasil do que Bradesco e Itaú. General Motors e Ford são iguais, muda só o carro. O Bradesco é a idolatria da mediocridade, a linha japonesa, não se precisa de gênios para crescer. Eu junto dez medíocres, treino, dou valor, ensino a tomar uma decisão colegiada e assim vai para frente. Já no Itaú é a cultura da politécnica, só gente da Politécnica da USP, o ‘geniozinho’ assume tal área e, no fim das contas, os dois bancos estão do mesmo tamanho. Não precisa escolher é só ser o que você é.
Acho que a mesma coisa precisa existir no futebol. Quando alguém me pergunta o que eu faria em um clube Tal, eu digo que primeiro eu precisaria torcer para ele. Eu não sei o DNA de cada um. É necessário conhecer muito bem a cultura para desenhar o clube de acordo com as origens e os valores de cada um. A característica maior do Santos é o futebol atrevido, jovem, bonito. Eles podem estar por baixo, mas o futebol mais alegre é sempre deles. Está no DNA. É um comando totalmente provinciano, retrógrado, que segura o Santos, mas não adianta. É algo que floresce. Imagina fazer o Santos sem essa característica? Enquanto que o Palmeiras tem que crescer em volta da sua origem italiana, precisa valorizar isso. E o São Paulo precisa ser empresa. O São Paulo não tem torcedor, tem consumidor. E o consumidor do São Paulo vai encher o Morumbi se o serviço for de qualidade. Hoje eu acho que o time mais sem rumo é o São Paulo, que era o líder em modernidade na virada do século. É preciso trabalhar a sua identidade. Tem que fazer o seu modelo.
O Financista: O que passa pela sua cabeça quando olha o cenário econômico brasileiro?
Rosenberg: Qual é o problema do Brasil? O problema do Brasil são as contas públicas, não há discussão ou dúvida sobre isso. Agora, as contas públicas diretamente produziram essa situação de recessão e inflação? Não. Ninguém vai dizer que déficit público gera recessão, pelo contrário. E a inflação foi pelo déficit público? Talvez mais pela correção dele. Quando você precisa tomar a atitude de reajustar preços como gasolina e energia em 70% com o câmbio subindo 40%, 50%, você tem um choque de oferta na economia, que com a nossa indexação, gerou um pepino que será um sofrimento para resolver.
O déficit público não transita pelas equações macro. Ele transita pela credibilidade. Pela falta de confiança que qualquer um tem em um país que vê a dívida crescer nessa velocidade e não faz nada a respeito. Esse é o problema central do Brasil. Não há nada errado no setor privado, não tem nada errado nas contas externas, não tem nada errado no empreendedorismo. E a intervenção estatal na economia já diminuiu uma barbaridade, e não aumentou. Não são programas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida que vão prejudicar o país. O país terá que fazer uma revolução fiscal que não passa por corte de gastos, mas sim por reforma da constituição. Não adianta achar que cortar dois mil cargos de confiança vai fazer diferença. Temos que desvincular receita e despesa, acabar com reajuste real de aposentados. Isso não existe, como ele vai ganhar aumento pela produtividade se ele não trabalha?
Uma medida incrível que está aí no Congresso, apoiada pela CUT inclusive, diz que qualquer decisão entre sindicatos patronais e trabalhadores prevalece sobre CLT. Se está todo mundo mal, e o patrão e o trabalhador combinam que o reajuste será metade da inflação e quando retomar vai ser inflação e meia, ninguém tem que se meter nisso.
Eu vejo isso acontecendo no governo Dilma? Só se eu for louco. Precisa ser um grande governo, com forte legitimidade. Eu não acho que ela vai ser cassada, então vamos ter que engoli-la até 2018. Será complicado diante do desemprego e queda de salário.
Nesses 40 anos de macro, sempre comparei muito Brasil com Argentina. Não porque eu sou meio brasileiro e meio argentino, por causa da minha mãe. Eu sempre achei que a Argentina chega na beira do precipício, compõe o tango e pula cantando o tango. Já o Brasil chega na beira, olha o tamanho e fala ‘porra, foda isso né?’. E sai de mansinho. Acho que nós temos uma capacidade de nos reconciliarmos.
Então não vem nada de definitivo, mas podem começar a emitir sinais de início de um processo de fazer a coisa certa, ou pelo menos de deixar de fazer coisas erradas, que sejam suficientes para atravessaremos até 2018. E aí em 2018 uma campanha belíssima, com grandes candidatos defendendo um programa sólido. Voltando para o exemplo da Argentina, um ano antes das eleições ou mais, só a hipótese de ter o Macri já começou a mudar.
Ou seja, o maior problema do Brasil hoje chama-se credibilidade, expectativas favoráveis. O desemprego vai aumentar desastrosamente. Mas lá para o segundo semestre, agosto, setembro, a inflação já estará cedendo e pode dar uma melhorada. Isso pode ser de alguma forma liderado pelo PMDB. O PMDB lidera, o PT faz de conta que é contra mas vota dividido, o PSDB faz de conta que é a favor e vota dividido. Assim chegamos inteiros até a próxima eleição para fazermos um negócio bacana.
Acho muito ruim o quadro, fragilizado, mas eu vejo um novo Brasil nascendo disso tudo.
O Financista: A velocidade do aumento da dívida sobre o PIB tem gerado o temor de eventual calote nas contas públicas, sob a hipótese de o governo não fazer nada. O que pensa a respeito considerando que o senhor participou da negociação do Brasil com o FMI nos anos 1980.
Rosenberg: O que eu vou negociar hoje com o FMI se eu tenho US$ 390 bilhões de reservas? Quando nós fomos ao FMI, o Delfim Netto ligava toda noite para o Federal Reserve (o banco central norte-americano) e pedia um dinheiro emprestado para fechar a conta do Banco do Brasil. Ele dava dólares em troca de condicionalidades. Assim você dançava esse minueto e saia do buraco. Agora é interno. Não preciso da ajuda de ninguém.
O Financista: E a dívida da Petrobras?
Rosenberg: Se vender 100% da Transpetro e da BR Distribuidora, zera a posição e acabou. Agora vai falar isso para o sindicato. E não adianta vender só metade. Imagina o que o chinês não vai pagar para ter metade dos postos de gasolina do Brasil?
Vou ser caricatural, mas é fácil sair dessa crise, ela não tem nenhum desafio técnico, nenhuma grande equação a ser resolvida. Ela precisa que o interesse de longo prazo do Brasil prevaleça aos interesses de curto prazo dos candidatos. Só isso, não é pouco.
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