Área de pasto queimado às margens da BR-319, próximo a Humaitá . A cidade do sul do Amazonas está no entroncamento da BR-319 com a Rodovia Transamazônica. Foto: Lalo de Almeida/ Folhapress
Estudo publicado nesta terça-feira (25) pelo Observatório da BR-319 mostra que as ações governamentais conseguiram conter, nos últimos dois anos, o desmatamento nos municípios situados na área de influência da rodovia federal que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), mas o fogo continua um problema.
A “Retrospectiva 2024: Desmatamento e focos de calor na área de influência da rodovia BR-319” traz dados e análises do cenário de fogo e destruição da vegetação nativa em 13 municípios, 42 Unidades de Conservação e 69 Terras Indígenas, no período de 2010 a 2024
Os dados apresentados no estudo – oriundos de diferentes fontes – foram compilados e sistematizados pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam). Eles são considerados, pelo Observatório da BR-319, como um marco para as análises e uma base para entender melhor as dinâmicas do Interflúvio Madeira-Purus
As informações do estudo demonstram uma trajetória complexa do desmatamento e dos focos de calor na área de influência da BR-319. Há um padrão de crescimento do desmatamento até 2022, seguido por uma redução significativa em 2023 e 2024. No entanto, os focos de calor apresentam variações mais instáveis, com tendência de aumento a partir de 2014.
Entre 2010 e 2024, o ano que menos queimou foi 2013, quando foram computados 2.986 focos nos 13 municípios da área de influência da rodovia. O maior valor foi registrado em 2022, quando 14.183 focos foram computados, ganhando somente de 2024, quando 13.616 focos atingiram tais cidades.
“Isso indica que, embora o desmatamento esteja sendo contido em algumas regiões, ainda há desafios na contenção de incêndios florestais. Além disso, o aumento de desmatamento em Unidades de Conservação federais, como a Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro em Rondônia e o Parque Nacional (Parna) Mapinguari entre Amazonas e Rondônia, preocupa, pois indica pressão crescente sobre Áreas Protegidas, que como o próprio nome indica, deveriam estar resguardadas dessas situações. Assim, com tudo que foi apresentado na retrospectiva, podemos afirmar que, melhorar a fiscalização é fundamental para se poder pensar novamente em pavimentação”, explica Heitor Paulo Pinheiro, especialista em geoprocessamento e analista do Idesam.
Segundo o Observatório, o poder público precisa “tomar as rédeas do processo de licenciamento e outras obras em andamento da rodovia”. Segundo eles, é essencial qualificar a governança local, dando condições para que o Estado esteja presente, tanto com órgãos de comando e controle, quanto com assistência social, em saúde, educação e acesso a direitos.
Bactérias encontradas no solo da Amazônia são fontes de estudo de um grupo de pesquisadores do Pará e de São Paulo (Foto: Reprodução)
Por Guilherme Jeronymo, da Agência Brasil
SÃO PAULO – Parte da pesquisa de ponta em fármacos no Brasil se faz levando amostras de solo de Belém (PA) para um complexo de laboratórios maior que um estádio de futebol em Campinas, no interior paulista. Toda essa viagem é para colocar seres microscópicos no que é, grosso modo, o maior microscópio da América do Sul, o acelerador Sirius, parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Com essa ferramenta, é possível entender como funcionam os genes das bactérias e quais substâncias elas conseguem criar.
As equipes envolvidas buscam substâncias com potencial antibiótico e antitumoral, e os primeiros resultados foram publicados em dezembro em uma revista especializada internacional.
O motivo dessa viagem do solo amazônico é a parceria entre o CNPEM e a Universidade Federal do Pará (UFPA). O trabalho de campo começou recolhendo amostras de solo dos interiores do Parque Estadual do Utinga, reserva de conservação constituída em 1993 e que conta com áreas restauradas e áreas sem intervenção humana recente. O grupo investigou três espécies bacterianas das classes Actinomycetes e Bacilli isoladas, de solo da Amazônia, compreendendo bactérias do gênero Streptomyces, Rhodococcus e Brevibacillus.
O passo seguinte se deu quando os pesquisadores do laboratório EngBio, da UFPA, liderados por Diego Assis das Graças, usou o sequenciador PromethION, da Oxford Nanopore (Reino Unido), “que se destaca por gerar leituras de alta qualidade, permitindo o sequenciamento de genomas complexos com alta produção de dados e baixo custo.
A tecnologia de sequenciamento baseada em nanoporos permite a análise em tempo real e a leitura direta de DNA. Além disso, sua portabilidade e flexibilidade o tornam adequado para aplicações em laboratório e campo”, explicou Diego, que é um dos autores do primeiro artigo escrito a partir dessa fase da pesquisa.
Com esse sequenciamento, foi possível olhar para os genes e entender como eles atuam na construção de enzimas, e os caminhos que as tornam moléculas mais complexas. Metade delas era desconhecida.
“Estas moléculas são o foco dos nossos estudos, pois têm grande importância para desenvolvimento de fármacos e medicamentos. Por exemplo, mais de 2/3 (dois terços) de todos os fármacos já desenvolvidos no mundo têm origem em moléculas pequenas naturais, os metabólitos secundários ou metabólitos especializados”, explicou a pesquisadora Daniela Trivella, coordenadora de Descoberta de Fármacos do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências).
A análise dos dados foi feita também no LNBio e utilizou o Sirius. Esse sequenciamento é muito mais acessível, em termos de custos e tempo, do que era há uma ou duas décadas. Com isso, é possível analisar o que Trivella explicou serem bactérias “selvagens”, ou seja, aquelas encontradas na natureza. A estimativa atual é que menos de 1 em cada 10 espécies de bactérias selvagens sejam cultiváveis em laboratório, e quando o são menos de 10% dos genes que carregam são expressos em laboratório. Todo o resto é “perdido” para a ciência, sem estes métodos de ponta. “Então, existem muitas bactérias que ainda não conhecemos e muitos produtos naturais que não conseguíamos produzir em laboratório, ou os produzíamos em baixíssimo rendimento”, completou Daniela.
Em resumo, o lugar importa, e muito. “Os agrupamentos de genes biossintéticos são responsáveis pela produção de substâncias com potencial biológico, como medicamentos. Mesmo em organismos já estudados, como as bactérias do gênero Streptomyces, vimos que ainda há muitas substâncias desconhecidas nos exemplares isolados do solo da Amazônia. Isso mostra como o ecossistema é essencial para novas descobertas. A Amazônia, nesse sentido, continua sendo uma área rica e pouco explorada para desenvolver novos produtos”, disse em nota outro dos participantes, o pesquisador Rafael Baraúna (EngBio-UFPA), que coordenou o trabalho pela UFPA.
O passo final foi levar a produção para uma escala de laboratório. Entendendo quais os genes que produzem cada substância, com uma técnica avançada chamada metabologenômica, os pesquisadores “convenceram” espécies de bactérias de manejo comum no laboratório a aceitarem esses genes e produzirem as substâncias, produzindo quantidades que possam ser testadas e trabalhadas. “Com o DNA codificante alvo, a bactéria domesticada, que não produzia o metabólito de interesse, passa a produzi-lo, pois recebeu artificialmente a sequência de DNA que vimos na floresta. Assim temos acesso a esta molécula para desenvolver novos fármacos a partir dela. Ou seja, um acesso a novas moléculas a partir de uma rota biotecnológica”, disse Trivella.
Esse conjunto de testes não isola uma ou duas moléculas. Com toda a estrutura do CNPEN um laboratório dedicado, como o LNBio, pode realizar até 10 mil testes em um único dia. Essa velocidade compete com outra, voraz, a da devastação. O ano de 2024 teve o maior número de queimadas e incêndios na Amazônia nos últimos 17 anos. Para tentar ajudar na corrida, pelo lado da ciência, os investimentos para pesquisas no bioma, anunciados na última reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) estão no patamar de R$ 500 milhões nesta década, com potencial de ajudar a valorizar economicamente o território e sua cobertura original.
Como parte dos alvos são moléculas para tratar infecções e tumores, o retorno tem potencial superior ao dos investimentos. “Todos estes métodos estão condensados na Plataforma de Descoberta de Fármacos LNBio-CNPEM. Esta plataforma realiza a pesquisa em novos fármacos, indo desde a preparação de bibliotecas químicas da biodiversidade e seleção de alvos terapêuticos para o desenvolvimento de fármacos, até a obtenção da molécula protótipo (a invenção), que então passa por etapas regulatória para chegar na produção industrial e aos pacientes na clínica”, ilustra Trivella. Segundo ela as próximas fases da pesquisa levarão as equipes de campo longe até de Belém, para a Amazônia oriental. Lá esperam confirmar o potencial imenso de novas moléculas do bioma e comeár a entendê-lo ainda melhor.
Esse trabalho faz parte de um esforço maior para criar um centro de pesquisa multiusuário na UFPA, apoiado pelo CNPEM e por projetos nacionais como o Iwasa’i, recentemente implementado no contexto da chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 19/2024 – Centros Avançados em Áreas Estratégicas para o Desenvolvimento Sustentável da Região Amazônica – Pró-Amazônia.
Duas secas: como falta de chuvas e baixa umidade do solo agravam incêndios na Amazônia
Estudo também aponta influência do El Niño, que muda circulação do ar e reduz chuvas, além do comprometimento da função das águas subterrâneas de manter umidade do solo em períodos longos de seca. Por Redação 20 de janeiro de 2025
Foto: Jader Souza/AL Roraima
O trabalho de um grupo de cientistas, com a colaboração do Instituto de Geociências (IGc) da USP, revela a maneira com que a combinação de duas formas de seca amplifica o risco de incêndios florestais na Amazônia. De acordo com a pesquisa, a seca meteorológica, marcada pela falta de chuvas, favorece o surgimento de focos de incêndio, ao mesmo tempo que a seca hidrológica, diminuindo a umidade do solo e da vegetação, cria um ambiente muito inflamável.
📲 Confira o canal do Portal Amazônia no WhatsApp
Os pesquisadores também apontam que os eventos de El Niño, que mudam a circulação do ar, reduzindo as chuvas, aumentaram a área queimada em 244% no período entre 2015 e 2016, e que secas prolongadas comprometem o papel das águas subterrâneas de manter a umidade dos solos. Os resultados do estudo são relatados em artigo publicado na revista Science of The Total Environment, no último mês de dezembro.
A pesquisa abrangeu toda a Bacia Amazônica, que é a maior bacia hidrográfica do planeta, com aproximadamente 7,4 milhões de quilômetros quadrados (km²). “A seca meteorológica é caracterizada pela redução de precipitação em uma região durante um período específico”, declara ao Jornal da USP o professor Bruno Conicelli, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, que integra o grupo de autores do artigo. “É uma resposta direta às variações climáticas e tem impactos imediatos no ciclo hidrológico superficial”.
“Já a seca hidrológica refere-se à redução da disponibilidade de água em corpos hídricos, como rios, lagos e aquíferos”, explica o professor. “Diferentemente da seca meteorológica, ela possui um efeito prolongado, pois depende do tempo necessário para que o solo e os aquíferos reajam às variações de precipitação”. Na Amazônia está localizada a maior bacia hidrográfica do planeta, com 7,4 milhões de quilômetros quadrados (km²); variações na queda nos níveis de água subterrânea reforçam necessidade de estratégias localizadas de manejo e conservação. Imagem extraída do artigo. Águas subterrâneas e El Niño
O trabalho teve como objetivo principal compreender como as secas meteorológicas e hidrológicas afetam os incêndios florestais na Amazônia, com destaque para o papel das águas subterrâneas e a influência dos eventos de El Niño. “Além disso, buscou avaliar a distribuição temporal da seca hidrológica em diferentes níveis de profundidade do solo, analisar a relação entre os indicadores de seca meteorológica e hidrológica e investigar o impacto dos eventos de El Niño no agravamento das condições de seca e no aumento da área afetada por incêndios florestais entre 2004 e 2016”, descreve Conicelli.
Os principais conjuntos de dados empregados na análise incluem indicadores de seca hidrológica (DI), obtidos do satélite GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment), e o Índice de Precipitação Padronizado (SPI), calculado a partir dos dados do satélite Tropical Rainfall Measuring Mission (TRMM). Dados sobre a fração mensal de área queimada foram fornecidos pelo Global Fire Emissions Database (GFED4), permitindo identificar padrões temporais e espaciais nos incêndios. A intensidade dos Eventos de El Niño (ENSO) foi avaliada usando o Oceanic Niño Index (ONI), que categoriza os episódios em fraco, moderado, forte e muito forte, a partir dos dados obtidos do Golden Gate Weather Service. O professor relata que todos os dados foram processados e analisados usando técnicas estatísticas e ferramentas computacionais avançadas, garantindo a confiabilidade dos resultados.
“Os indicadores de seca hidrológica (DI), derivados do GRACE, permitiram avaliar como as reservas de água subterrânea foram afetadas ao longo do tempo. No entanto, embora tenha considerado a bacia como um todo, os resultados destacaram padrões regionais específicos”, salienta Conicelli.
“No nordeste da Amazônia, por exemplo, observou-se uma menor concentração de umidade em todas as camadas do solo analisadas, tornando essa região mais vulnerável a incêndios florestais. Por outro lado, no sul da bacia, houve uma tendência de redução da umidade em níveis mais profundos, como os aquíferos, indicando uma resposta mais lenta da água subterrânea às mudanças na precipitação. Esses padrões ressaltam a heterogeneidade ambiental da Amazônia e a necessidade de estratégias localizadas de manejo e conservação”.
Segundo a pesquisa, os eventos de El Niño tiveram um impacto significativo na intensificação das condições de seca e no aumento dos incêndios florestais na Amazônia. “Durante períodos de El Niño muito intensos, como o de 2015 e 2016, a área queimada aumentou em até 244% em relação à média anual. Esse fenômeno climático reduz a precipitação na bacia amazônica ao alterar os padrões de circulação atmosférica, o que prolonga os períodos de seca. Como consequência, a vegetação se torna mais seca e suscetível ao fogo”, destaca o professor.
“As águas subterrâneas desempenham um papel crítico nesse contexto. Por serem reservas de água que respondem mais lentamente às mudanças na precipitação, elas sustentam a umidade do solo durante períodos de seca meteorológica. No entanto, quando os níveis de água subterrânea caem devido a secas prolongadas, a recuperação é lenta, aumentando a vulnerabilidade da região a períodos prolongados de aridez e, consequentemente, aos incêndios”. Em condições climáticas normais, águas subterrâneas ajudam a manter umidade do solo, no entanto, eventos extremos como o El Niño, que reduzem as chuvas e levam a secas prolongadas, potencializam riscos de incêndios florestais. Imagem extraída do artigo. Mapas indicam variação dentro da Amazônia do Indicador Hidrológico de Seca (DI), umidade superficial do solo (sfsm), umidade do solo na zona radicular (rtzsm), água subterrânea (gws) e fração de área queimada (bf), além da oscilação dos índices no período entre 2004 e 2016. Imagem extraída do artigo. Gestão sustentável
De acordo com o professor do IGc, pesquisa revelou que ambas as formas de seca atuam de maneira sinérgica para aumentar significativamente a extensão e a gravidade dos incêndios na Amazônia. “A seca meteorológica, com sua rápida manifestação, pode desencadear condições favoráveis para o fogo”, aponta, “enquanto a seca hidrológica, ao reduzir a umidade do solo e da vegetação, cria um ambiente altamente inflamável”.
“É essencial implementar sistemas de alerta precoce baseados no monitoramento contínuo de águas subterrâneas, índices climáticos e indicadores de seca hidrológica e meteorológica”, recomenda Conicelli. “Ferramentas tecnológicas, como os satélites GRACE e TRMM, desempenham um papel crucial ao fornecer dados em tempo real, permitindo a previsão de eventos críticos, como secas prolongadas e aumento do risco de incêndios”.
“Além disso, a gestão sustentável da terra deve ser priorizada, com medidas para reduzir o desmatamento e promover práticas agrícolas que conservem o solo e a vegetação nativa”, sugere o professor. “Outro ponto relevante é a necessidade de investir em educação ambiental para sensibilizar as comunidades locais sobre os impactos das mudanças climáticas e engajá-las em práticas de conservação”.
O trabalho foi realizado por uma equipe interdisciplinar de pesquisadores, incluindo Naomi Toledo, Gabriel Moulatlet, Gabriel Gaona, Bryan Valencia, Ricardo Hirata e Bruno Conicelli, que assinam o artigo. As instituições participantes foram a Universidad Regional Amazónica Ikiam (Equador), a University of Arizona (EUA) e o Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (CEPAS-USP), do IGc (Brasil).
O aumento é reflexo, em sua maioria, de práticas agropecuárias que utilizam o fogo como ferramenta para expansão de pastagens, segundo o documento
Dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) em relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743, indicam um total de 24.554 focos de incêndio neste ano, em contraste com os 9.037 registrados no ano anterior. O aumento é reflexo, em sua maioria, de práticas agropecuárias que utilizam o fogo como ferramenta para expansão de pastagens, segundo o documento.
As queimadas na Amazônia, especialmente no Pará, atingiram níveis preocupantes em 2024. Entre janeiro e outubro deste ano, os municípios de São Félix do Xingu, Novo Progresso, Altamira, Itaituba, Jacareacanga e Ourilândia do Norte registraram um aumento alarmante de 172% nos focos de queimadas em comparação ao mesmo período de 2023.
O estudo detalhado do relatório sugere que a maioria dos incêndios (42%) ocorreu em áreas de desmatamento consolidado, enquanto 35% foram registrados em zonas de desmatamento recente e 23% sobre vegetação nativa. Esse padrão reflete um ciclo problemático de desmatamento associado à pecuária e à preparação de terras para atividades agropecuárias.
Além disso, as queimadas em áreas recentemente desmatadas destacam a pressão contínua para a expansão das atividades econômicas, mesmo em áreas protegidas. De acordo com o Decreto 2.887/2023, que declarou estado de emergência ambiental em 15 municípios críticos, esforços como as Operações Curupira resultaram em reduções significativas no desmatamento em 2023. Apesar disso, o impacto na incidência de queimadas foi insuficiente para conter o avanço deste ano.
Enquanto as áreas desmatadas diminuíram de forma geral no Pará — uma queda de 28,4% na taxa de desmatamento do período Prodes 2024 em relação a 2023 —, o número de queimadas subiu consideravelmente. Especialistas apontam que a desaceleração no desmatamento não foi acompanhada por uma fiscalização suficiente para impedir a utilização do fogo em áreas já convertidas para uso agropecuário.
Fotos: Reprodução
O relatório também sugere que atos ilícitos, como queimadas intencionais para grilagem de terras, contribuem para o cenário alarmante. Além disso, causas não intencionais, como equipamentos agrícolas e até mesmo o descarte de cigarros, também foram mencionadas.
DESAFIOS
Apesar das reduções significativas de desmatamento observadas em municípios como São Félix do Xingu (-64%) e Altamira (-52%) no período Prodes 2024, a escalada das queimadas exige respostas mais incisivas. O STF, que acompanha o caso na ADPF 743, busca pressionar por ações mais eficazes que abordem não apenas o desmatamento, mas também as práticas associadas às queimadas ilegais e à expansão agropecuária.
INFRAÇÕES AMBIENTAIS
O relatório da Semas também apresentou dados sobre a aplicação de autos de infração relacionados à temática ambiental nos anos de 2023 e 2024, conforme solicitado pelo Item IX da Ata da audiência do STF. Confira abaixo:
Número de autos de infração em 2023: 1.292; Número de autos de infração em 2024: 1.398; Valores totais de autos de infração em 2023: R$ 520.161.170,08; Valores totais de autos de infração em 2024: R$ 1.066.817.462,23.
Com isso, o total acumulado no período analisado foi de 2.690 autos de infração, representando R$ 1.586.978.632,31 em multas aplicadas. Esses números evidenciam um aumento expressivo tanto no volume de penalizações quanto nos valores arrecadados, o que reflete a intensificação das ações de fiscalização ambiental na região.
Pesquisa avaliou como um peixe amazônico, o tambaqui, responde quando exposto simultaneamente a uma mistura de agrotóxicos e a um cenário extremo de mudanças climáticas, com temperaturas mais elevadas e maior concentração de gás carbônico na atmosfera.
Os quatro compostos utilizados no estudo (clorpirifós, malathion, carbendazim e atrazina) foram escolhidos por serem encontrados nos rios de áreas urbanas de Manaus, Belém, Santarém e Macapá.
Ficou demonstrado como a capacidade do tambaqui em metabolizar os agroquímicos é comprometida em águas mais quentes e com maior concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera; os danos podem atingir o fígado, o sistema nervoso e o DNA do animal.
A pesquisa aponta os riscos também à segurança alimentar da região, que encontra nos peixes sua principal fonte de proteínas; apenas em Manaus se consome cerca de 400 toneladas de tambaqui por ano.
Nos laboratórios do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), há um lugar informalmente chamado de “sala do futuro”. Nesta sala, é simulado um cenário de extremo de mudanças climáticas, conforme as projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC: temperaturas cerca de 5 ºC mais quentes daquilo que é medido em tempo real, em Manaus, e maior concentração de CO2 na atmosfera (708 partes por milhão a mais, precisamente). Ali, a bióloga Samara Souza conduziu um experimento com tambaquis, expondo-os, para além dessas condições extenuantes, a uma mistura de agrotóxicos encontrados nas águas das proximidades da capital amazonense.
“Quando se fala em mudanças climáticas, o aumento das temperaturas não é o único elemento em que devemos prestar atenção”, explica Adalberto Val, coordenador do Instituto Nacional de Tecnologia (INCT-Adapta), onde a pesquisa foi conduzida. “Também devemos avaliar como a temperatura e a concentração de CO2 na atmosfera interagem com outros degradadores ambientais, como é o caso da poluição por agrotóxicos, formando sinergias perigosas.”
Especializada no efeito de contaminantes em peixes amazônicos, Samara já tinha uma compreensão madura de como diferentes agrotóxicos afetam os animais. Combiná-los a um cenário extremo de mudança climática é, para ela, uma maneira de compreender melhor o que ocorre nos habitats e quais desafios os organismos enfrentarão no futuro, na ausência de políticas que lidem com essas questões.
“Porém, é impossível recriar em laboratório tudo que ocorre no ambiente”, pondera Samara. “Podemos pensar inclusive que, no habitat, essas interações e seus efeitos podem ser mais negativos que as encontramos nos experimentos.”
Leito seco do Lago do Aleixo, em Manaus, em novembro de 2023, a pior estiagem da reigão em cem anos. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Para o estudo, 36 tambaquis juvenis foram divididos entre um cenário que simula as condições atuais de temperatura e CO2, e o cenário extremo, sendo expostos a esses ambientes por 96 horas. Dos quatro agrotóxicos utilizados, dois (clorpirifós e malathion) são inseticidas, além de um herbicida (atrazina) e um fungicida (carbendazim), em concentrações semelhantes às encontradas nas águas das proximidades de Manaus.
Mesmo em concentrações abaixo do que é considerado letal para os peixes, a mistura dos compostos já traz impactos negativos aos tambaquis, como danos no fígado e efeitos adversos no sistema nervoso, que levam à paralisia e perda de funções. Porém, somado ao cenário climático extremo, alguns desses danos se exacerbam. Em outras palavras, em temperaturas mais altas, os peixes perdem a capacidade de metabolizar e se livrar desses compostos em seu corpo.
Isso se dá porque o aumento da temperatura ambiente de maneira tão aguda exige do peixe ajustes em seu metabolismo. As consequências disso são graves. Por exemplo, a contaminação por inseticidas organofosforados leva à inibição de uma enzima crucial na propagação de impulsos nervosos dos peixes, a acetilcolinesterase (AChE), e de outras enzimas que têm ação antioxidante nas brânquias.
Conforme explica Samara, “em contato com a água contaminada, os peixes que já estavam lidando com a temperatura alta e a maior concentração de CO2 ficam mais suscetíveis aos agrotóxicos por seu metabolismo não ter a resposta apropriada a eles, produzindo efeitos mais nocivos em comparação ao cenário atual de condições climáticas.”
Essa combinação produziu danos irreparáveis no fígado dos animais, além de danos também no DNA de suas células sanguíneas. “Os resultados demonstram que um futuro de mudanças climáticas combinado com pesticidas será prejudicial para os peixes da Amazônia, potencialmente levando à perda de biodiversidade”, conclui Samara.
Os efeitos de agrotóxicos nos peixes
Atualmente, o Brasil possui cerca de 4.455 agrotóxicos registrados para uso agrícola, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), com usos e formulações diversas, que vão desde a lavoura até a pastagem. Desses, 1.017 são inseticidas organofosforados, a exemplo do clorpirifós e do malathion, utilizados na pesquisa com os tambaquis.
Diversas pesquisas têm se voltado ao efeito dos organofosforados em organismos aquáticos devido ao modo como esses compostos agem. Em insetos, a quem buscam eliminar, esses químicos atrapalham o bom funcionamento do controle do impulso nervoso, inibindo a produção da enzima acetilcolinesterase. “Isso coloca o sistema nervoso em curto, levando a uma paralisia muscular e à morte dos insetos”, explica Roberto Artoni, biólogo e geneticista da Universidade Federal de São Carlos.
Todavia, o composto não afeta apenas as pestes-alvo. Em contato com corpos d’água, esses organofosforados têm o mesmo efeito em peixes ou em insetos aquáticos. Artoni também é autor de pesquisas que testam esses efeitos em tambaquis, sobretudo de um outro organofosforado muito acessível no mercado, o triclorfon. “O composto leva o peixe a perder o equilíbrio. Dependendo da concentração, o animal passa a nadar de lado, com uma letargia que o impede de fugir de um predador ou de migrar em seu habitat natural”, explica. “Pouquíssimos peixes voltam quando expostos já a 50% da concentração considerada letal.”
Analisando tecido do fígado de tambaquis, Artoni e sua equipe também averiguaram como o triclorfon leva à morte celular, ativando genes relacionados à formação de tumores. “Usando o tambaqui como modelo, podemos presumir que, no ambiente, esses compostos também irão prejudicar a saúde de outros peixes, ou mesmo a insetos aquáticos, que fazem parte da cadeia alimentar dos rios. Em última instância, esses agroquímicos podem chegar a humanos, conforme são acumulados nos músculos dos peixes, levando a consequências igualmente relevantes à saúde”, explica Artoni.
Andreu conduziu uma avaliação da capacidade tóxica desses componentes na Amazônia a partir de dados já existentes sobre a letalidade dos compostos para diferentes espécies. Com isso, foi possível determinar como, próximos a essas cidades, as concentrações encontradas dos inseticidas clorpirifós e malathion são altamente perigosas para a biodiversidade aquática. Ao todo, 11 compostos foram detectados nas águas.
“Porém, usamos como referência espécies que já foram estudadas na literatura, sendo que não havia dados suficientes ainda para avaliar o risco especificamente de espécies amazônicas”, avalia Andreu. “Nos agrotóxicos que nós testamos, não achamos uma diferença significativa na sensibilidade entre peixes da Amazônia em comparação com peixes de outras regiões”.
Rio Negro nos arredores de Manaus: 11 pesticidas encontrados. Foto: Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
O crescimento da população urbana na Amazônia gerou um aumento na demanda por comida, que passou a ser atendida por atividades agrícolas de pequeno porte ao redor das regiões metropolitanas. Segundo dados do MapBiomas, a área dedicada à agricultura aos arredores de Manaus saltou de 16 hectares, em 2004, para 197, em 2022.
Um artigo publicado pela The Royal Society of Biological Sciences, em 2013, demonstrou como o cultivo de frutas e vegetais não-nativos é responsável por um aumento do uso de agrotóxicos para combater pestes e competição com outras plantas. Uma vez no solo, os químicos se lixiviam e chegam aos rios com facilidade.
Todavia, os levantamentos sobre uso de pesticidas na região são feitos por universidades e centros de pesquisas, apenas. Atualmente, não há um acompanhamento oficial sobre esse crescimento. A falta de dados disfarça, inclusive, outros usos diversos desses compostos que ocorrem na região sem o devido controle ou fiscalização.
Por exemplo, a professora do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ana Gomes, explica como o triclorfon é utilizado para o combate de parasitas no cultivo de peixes, pela aquicultura da região. “Como este agroquímico não tem regulamentação para aplicação em animais aquáticos, seu uso na aquicultura é irregular. Também não há iniciativa por parte dos setores do governo da região em monitorar esses produtos na aquicultura”, explica.
Publicações científicas, como as do próprio Roberto Artoni, trazem relatos de piscicultores que expõem seus peixes a banhos de imersão com estes compostos, o que gera os efeitos negativos já mencionados nos próprios animais de cultivo. Os estudos evidenciam que organofosforados em peixes cultivados podem ficar até 15 dias nas vísceras do animal sob tratamento. Além disso, se não houver controle de entrada e saída da água neste cultivo, “a possibilidade desses compostos irem para os rios é muito relevante”, alerta Ana.
Procurada pela reportagem, a Associação Independente de Aquicultores do Estado do Amazonas não reconheceu o uso dos compostos citados na piscicultura do estado. Todavia, não há uma avaliação formal dessa utilização por parte da associação.
Agroquímicos no Brasil e suas alternativas
“O aumento da área agrícola explica apenas em parte o consumo de agroquímicos no Brasil”, defende o biólogo Charles dos Santos. Em 2018, Charles publicou um estudo com o levantamento que colocou o país como o maior consumidor de defensivos agrícolas no mundo, com um crescimento da demanda de 150% em 15 anos.
Embora esse acréscimo esteja diretamente relacionado à expansão da fronteira agrícola do país, Charles coloca como outro fator importante nesse aumento o uso inadequado desses compostos. “No temor de perder a produção, há uma tendência para se usar muito mais do que é recomendado, inclusive misturando compostos, para ter essa sensação de maior controle”, aponta Charles.
Todavia, esses agroquímicos tem uma alta persistência e alta mobilidade no meio ambiente. O herbicida atrazina utilizado na pesquisa de Samara, por exemplo, persiste até 100 dias na água antes de se dissolver completamente. Na Europa, a atrazina é banida já há 20 anos, à semelhança do clorpirifós, também proibido. Todavia, o Brasil continua sendo um mercado consumidor desses produtos cuja patentes sequer são nacionais.
Especificamente para a Amazônia, um cenário de mudanças climáticas somado aos efeitos destes compostos se apresenta como uma ameaça à segurança alimentar da região, que encontra nos peixes sua principal fonte de proteínas. Afinal, apenas em Manaus se consome cerca de 400 toneladas de tambaqui por ano. Além de risco à saúde, essa combinação também representaria perdas de produtividade na pesca e na aquicultura da região.
Por outro lado, o Brasil também é um mercado em potencial para alternativas aos agroquímicos. Por exemplo, Charles é um entusiasta do controle biológico nas lavouras, que consiste em introduzir uma espécie que preda a peste em questão até reduzir sua população ou eliminá-la.
“Mas há ainda outras alternativas como rotação de culturas e um manejo integrado de pragas até com drones”, complementa Charles. “As novas gerações de agricultores familiares precisam ter acesso ao que há de mais novo em ciência e tecnologia para reduzir o uso de agrotóxicos e até mesmo reduzir seus custos”.
Já na aquicultura, além da necessidade de haver controle na entrada e saída da água, também estão sendo desenvolvidas pesquisas no âmbito do Inpa e do INCT-Adapta para utilização da tecnologia de bioflocos. Trata-se do uso de microrganismos para a melhoria da qualidade da água nos sistemas de criação, levando a ganhos imunológicos nos animais e, consequentemente, reduzindo o uso de agroquímicos e outros medicamentos.