Pesquisa inédita realizou pela primeira vez a clonagem do gene do hormônio do crescimento (rtGH) do tambaqui em laboratório. Embora a Amazônia possua uma vasta diversidade de espécies de peixes, esta é a primeira vez que o GH recombinante de uma espécie nativa tem seu gene traduzido e produzido em laboratório. A clonagem significa um avanço para a zootecnia devido à importância da espécie para a piscicultura brasileira e sua presença de destaque na alimentação das populações amazônicas.
O estudo intitulado ‘Expressão extracelular, purificação e produção em biorreator do hormônio de crescimento de tambaqui (Colossoma macropomum) na levedura Komagataella phaffii (anteriormente Pichia pastoris)’ conta com a participação de pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Genética Animal do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI).
O hormônio do crescimento (GH) é um gene relevante na área de criação e manejo de animais domésticos. A produção aprimorada desse hormônio abre caminhos para inovações biotecnológicas na zootecnia com aplicações práticas que garantem a sustentabilidade da piscicultura, aprimorando as técnicas de manejo dos animais em viveiro.
Na piscicultura, o tambaqui se destaca como a espécie nativa mais produzida no Brasil. Ele tem grande valor comercial por sua alta adaptação ao sistema de criação de peixes em viveiros e pelo amplo mercado consumidor, sendo uma das espécies mais apreciadas e consumidas na culinária do norte do país.
Segundo o artigo publicado na revista científica do Inpa, Acta Amazonica, os resultados desta pesquisa abrem caminho para novos estudos utilizando o hormônio do crescimento, com foco na avaliação e desempenho fisiológico e zootécnico do tambaqui submetido à proteína recriada em laboratório com foco na piscicultura.
Para Jorge Porto, pesquisador do Inpa e um dos co-autores do trabalho, a pesquisa é um marco significativo para o campo da biotecnologia e da piscicultura como um todo. Porto aponta o potencial para transformar a criação de peixes e beneficiar tanto o setor produtivo quanto os consumidores, além de aumentar a oferta e a qualidade do peixe disponível para o consumo da população.
“A importância deste trabalho vai além da realização científica, ele abre portas para uma série de possibilidades na aquicultura biotecnológica amazônica. Estamos muito satisfeitos em ver como uma pesquisa que começou modestamente evoluiu para algo tão impactante e promissor. Esperamos que os resultados deste estudo possam contribuir não apenas para o avanço do conhecimento científico, mas também para o desenvolvimento da piscicultura”, declara o pesquisador.
Durante a pesquisa foi isolada a sequência de cDNA do hormônio GH que determina o crescimento do tambaqui. O GH é produzido em uma glândula localizada no cérebro do peixe, esse hormônio é responsável por regular diversos processos fisiológicos importantes para o desenvolvimento e o crescimento saudável, esse processo ocorre em todos os vertebrados, incluindo os humanos.
O estudo foi conduzido por um grupo de pesquisadores do Inpa, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam). Técnica de reprodução
Para fabricar a proteína em laboratório foi usada a técnica de inserir o gene de cDNA de tambaqui na levedura Komagataella phaffii. Essa levedura é um organismo frequentemente usado em pesquisas relacionadas a biotecnologia por sua eficiência em produzir proteínas que naturalmente não faz parte de suas funções celulares, permitindo que a proteína seja fabricada de forma mais acessível e eficaz para o estudo pretendido.
“Expressar o cDNA do hormônio de crescimento de um peixe em um sistema heterólogo, como a levedura Komagataella phaffii, significa utilizar um organismo diferente do peixe para produzir a proteína desejada. Isto é importante porque pode ser mais eficiente e economicamente viável do que extraí-la diretamente dos peixes”, explica Porto sobre a técnica utilizada na clonagem.
A técnica de isolamento do cDNA permite identificar e replicar o gene do GH, enquanto a expressão do gene na levedura permite a produção em larga escala da proteína. A combinação dessas técnicas é essencial para estudar e aplicar o hormônio de crescimento de forma prática e eficiente na piscicultura.
“Esta descoberta abre novos caminhos para a aplicação de técnicas biotecnológicas na aquicultura, permitindo avanços no entendimento dos mecanismos de crescimento dos peixes e desenvolvimento de novas estratégias para melhorar a produção de pescado”, complementa o pesquisador em Genética Animal.
Para a reprodução do hormônio de crescimento do tambaqui em laboratório, foram usados genes de cDNA do GH coletados em 12 tambaquis em fase de desenvolvimento, juvenis do tambaqui, cultivados na estação de piscicultura do Inpa.
Rebanhos migram para a floresta desde a década de 1970 com apoio do governo, e número de bois na Amazônia Legal já é três vezes maior que o de habitantes; pesquisadores apontam soluções para acabar com o desmatamento no setor
Por Marina Rossi
Uma invasão nem tão silenciosa vem tomando a Amazônia nas últimas décadas. Trata-se de uma marcha bovina rumo ao noroeste brasileiro, que começou na década de 1970 e se acelerou nos últimos anos, a ponto de os estados da Amazônia Legal abrigarem hoje três vezes mais cabeças de gado (89 milhões) do que habitantes (29 milhões).
Na prática, há boas chances de que o seu churrasco tenha relação direta com o desmatamento da Amazônia, já que 43% de toda população bovina do país está ali. Se nada for feito, o crescimento da pecuária na região pode desmatar por ano 10 mil km² – ou seja, até 2030, uma área equivalente à da Irlanda, segundo cálculos feitos por Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Para fazer a conta, Barreto considerou a atual e significativa presença de gado na região, o crescimento da demanda por carne e o nível de produtividade dos pastos brasileiros – considerado baixo pelo pesquisador e autor do estudo “Políticas para desenvolver a pecuária na Amazônia sem desmatamento”.
“A produção de carne bovina em larga escala na Amazônia é um fenômeno moderno”, escreve o pesquisador, pouco antes de explicar por que um país continental cria parte relevante de seu rebanho destruindo a maior floresta tropical do mundo. “Entre a década de 1970 e o fim da década de 1980, o governo federal estimulou a ocupação da Amazônia por meio de projetos de colonização que incluíram a abertura de estradas, o deslocamento de famílias, crédito rural subsidiado e incentivos fiscais para empresas que investiam na região”, explica.
Nas décadas seguintes, a ida de pecuaristas para a floresta se acelerou por conta do aumento da demanda internacional por carne, mas também por incentivos dos governos democráticos. “O governo brasileiro subsidiou a consolidação e expansão da indústria frigorífica, inclusive na Amazônia, para ganhar mercado internacional. Entre 2008 e 2017, a pecuária bovina contou com subsídio médio de R$ 12,3 bilhões por ano, incluindo a isenção de impostos estaduais e federais, além de incentivos, anistias e perdões de dívidas”, afirma.
‘Mais do que carne, o que muitos dos grandes pecuaristas estão produzindo na Amazônia é terra’, diz Raoni Rajão, da UFMG
Como resultado da demanda internacional e das políticas públicas, o Brasil aumentou as exportações de carne de 5% da produção em 2000 para 26% em 2019. Entre 1974 e 2019, o rebanho bovino na Amazônia Legal cresceu quase dez vezes. “Essa região foi responsável por 93% do crescimento do rebanho brasileiro entre 1990 e 2019”, completa o pesquisador.
Além dos incentivos fiscais, outras características da região amazônica colaboram para a invasão de bovinos. “A Amazônia tem muita área plana e muito espaço, algo essencial para a pecuária”, explica Richard Smith, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). O clima também favoreceu esse fenômeno. “A raça zebu [a principal que compõe o rebanho brasileiro] vem da Índia, uma região muito quente, e se adaptou muito bem na Amazônia”.
Além do desmatamento, a transformação da Amazônia em pasto costuma vir acompanhada de queimadas, conflitos com povos originários e grilagem de terras (roubo de terras públicas). Levantamento do Ipam mostra que áreas de pasto ocupam 75% do que foi desmatado nas terras públicas da Amazônia, boa parte resultante de grilagem, contaminando o setor com ilegalidade.
“De maneira genérica, mais do que carne, o que alguns pecuaristas estão produzindo na Amazônia é terra”, diz Raoni Rajão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador na Wilson Center, em Washington DC. “Compra-se terra ali por um preço baixo, fazem pasto para limpar a área e a vendem por até cinco vezes mais do que o preço original. É um negócio lucrativo”, diz.
“A pecuária é uma atividade fácil para domar a terra, pois o gado pode ser criado em áreas com baixa infraestrutura, o que facilita a especulação [imobiliária]”, explica Barreto.
Com terra barata e pouca fiscalização, a ocupação da Amazônia avança sem barreiras nem leis que combatam as ilegalidades, a exemplo das frágeis punições aos infratores, acrescenta o procurador do Ministério Público Federal Daniel Azeredo. “A terra pública invadida não é tomada de volta. Nos últimos 20 anos, todos os governos criaram leis no sentido de regularizar essa grilagem de terras”.
Há 13 anos, Azeredo foi um dos que costurou um acordo com grandes frigoríficos do país – especialmente JBS, Marfrig e Minerva – para tentar acabar com o desmatamento no setor. O programa Carne Legal, ou TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) da Carne, como ficou conhecido, foi assinado em 2009, quando os frigoríficos se comprometeram a comprar somente de produtores que não cometam desmatamento ilegal, que tenham suas propriedades inscritas no CAR (Cadastro Ambiental Rural), não tenham ocorrência de trabalho escravo e nem de invasão a unidades de conservação ambiental, terras indígenas e quilombolas.
Mais de uma década depois do acordo, Azeredo diz que ainda há três furos importantes no programa. “O primeiro é a ‘lavagem do gado’, isto é, muitos animais são criados em uma fazenda que não responde aos critérios estabelecidos pelo TAC, mas seus criadores os transferem a uma fazenda ‘limpa’ antes de vender ao frigorífico”. A segunda questão, ele pontua, é o vendedor indireto, ou aquele que faz a cria e a recria do boi. “Temos casos em que o gado transita por três fazendas antes de chegar ao frigorífico e não sabemos por onde ele esteve antes de chegar até lá”.
Por último, o CAR é autodeclaratório, o que, de acordo com Azeredo, abre margem para falsificações das informações. “Se um produtor teve desmatamento em uma área de sua fazenda em 2015, ele é vetado pelo frigorífico. O que ele faz? Retifica essa área desmatada do CAR, como se ela não fizesse mais parte da sua propriedade”.
Por estas manobras dos pecuaristas, Azeredo diz que é preciso avançar para um sistema de rastreabilidade completa, em que seja possível acompanhar a vida do animal do nascimento ao abate. “O mercado europeu trabalha com isso, com a identificação geográfica, mostrando, por exemplo, que o certificado de origem de um queijo ou um vinho agrega valor ao produto”. Aqui no Brasil, a ausência de vontade política é o maior empecilho para que essa rastreabilidade seja implementada, ele diz.
Aumento da produtividade
A morosidade no avanço de mecanismos capazes de fiscalizar, rastrear e garantir que a carne que chega às prateleiras seja efetivamente livre de desmatamento coloca em xeque toda a cadeia de produção. Enquanto JBS, Minerva e Marfrig prometem levar ao consumidor um bife com desmatamento zero ainda nesta década, todas as fragilidades expostas do setor da carne vão na contramão dessa meta. Levantamento da Repórter Brasil mostrou que os sistemas usados pelos frigoríficos para rastrear a origem do boi ainda são passíveis de fraudes e têm diversas pontas soltas.
As falhas, no entanto, podem ser corrigidas. “O Brasil não precisa mais criar pasto para aumentar sua produção. A Embrapa já desenvolveu tecnologia para ocupar grandes áreas degradadas”, diz Richard Smith, do Ipam. Para ele, esse é um ponto-chave da discussão.
Um caminho para tentar limpar a carne do desmatamento passaria, segundo os especialistas, pela recuperação dos pastos degradados, a rastreabilidade do boi e o aumento da produtividade. “Na prática, isso significa que, ao invés de soltar o gado em uma área gigante e deixá-lo livre para pastar ali, é preciso investir no pasto rotacionado”, diz Barreto. “Ou seja, manejar o boi para áreas em que o capim está no momento ideal para a pastagem, enquanto em outras partes do terreno o pasto está em diferentes etapas do crescimento”.
Outra solução seria aumentar as fiscalizações. “Quando o governo foi duro com o desmatamento, especialmente durante os anos em que Marina Silva era ministra do Meio Ambiente [2003-2008], os fazendeiros foram atrás de melhorar a sua produtividade”, diz Barreto.
O mercado, para o pesquisador, é também capaz de pressionar os produtores a seguirem um caminho sustentável. Ele menciona que fundos de investimentos e bancos internacionais já deixaram de investir em frigoríficos brasileiros pelo não cumprimento de metas ambientais, assim como o varejo, especialmente o europeu, já boicotou a carne brasileira pela mesma razão.
“Não vamos aderir à OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] enquanto não reduzirmos o desmatamento. Se o mundo disser ‘não compro [carne] se for do desmatamento’, pode funcionar”.
Produtores de cacau e pecuaristas lideram movimento armado contra indígenas na Bahia. Grupo tem apoio de políticos de extrema-direita e policiais militares
O remake de “Renascer” estreou em 22 de janeiro, na TV Globo, propondo uma nova visão sobre a produção de cacau na Bahia: moderna e sustentável. Um dia antes, porém, um episódio típico da violência dos antigos “coroneis” deixou sua marca: o assassinato de Maria de Fátima Muniz, da etnia pataxó hã hã hãe. O crime é o mais recente capítulo do longo enredo de ataques contra povos indígenas na costa do cacau.
Nega Pataxó, como era conhecida, foi atingida com um tiro no abdômen por um fazendeiro do “Movimento Invasão Zero”. Por conta própria, grupo vem realizando diversas ações de “reintegração de posse” nos últimos meses, em áreas ocupadas por indígenas e trabalhadores sem-terra.
Sem ordem judicial e com atuação semelhante à de milícias armadas, essas operações são consideradas ilegais por advogados, promotores de Justiça e defensores públicos consultados pela reportagem.
O Invasão Zero é liderado pelo produtor de cacau e pecuarista Luiz Henrique Uaquim da Silva, que ganhou notoriedade por atuar há 20 anos contra a demarcação de terras indígenas na costa do cacau.
Uma das fazendas de Uaquim fica no interior da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, área de 47 mil hectares encravada nos municípios de Ilhéus, Buerarema e Una. O território vai da costa turística ao interior, onde há uma cadeia de montanhas com mata preservada.
Essa região de serras tem solo e clima favoráveis ao cultivo de cacau, o que atraiu a cobiça de produtores rurais ao longo do século 20. Isso causou a expulsão das famílias indígenas de suas terras para aldeias e sítios cada vez menores, segundo relatório da Funai de 2009 que destinou a área aos tupinambás de Olivença.
Quase 15 anos depois e superando os prazos estipulados em lei, o governo federal ainda não concluiu a demarcação do território. Esse atraso é apontado como um dos motivos para os conflitos com os fazendeiros na região.
“Enquanto o processo não termina, os fazendeiros têm a esperança de manter a posse da terra. Então eles vão continuar com esses ataques”, diz Kâhu Pataxó, estudante de direito na UFBA e presidente da Finpat (Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia).
Cinco dias após a morte de Nega Pataxó, o Invasão Zero divulgou nota nas redes sociais para informar que respeita as instituições e as leis, que lamenta o confronto ocorrido e que “jamais incentivou, ou mesmo consentiu, com a prática de atos de violência em desfavor dos invasores de terras”.
A Repórter Brasil enviou um pedido de entrevista a Uaquim, mas não o encontrou até o fechamento da matéria. Após a publicação do texto, o empresário procurou a reportagem e disse, em entrevista, que o movimento não realiza “reintegração de posse”, mas sim ações de recuperação de terra, “sempre” com apoio policial para conferir “legalidade” aos atos, em suas palavras.
O produtor disse também que o movimento “não organizou” a ação que culminou com a morte de Nega Pataxó, que apenas “ajudou a divulgar” a convocação, e que o jovem apontado como autor do disparo não faz parte do Invasão Zero.
A tese dos ‘falsos índios’
Além da indústria cacaueira, o Invasão Zero é formado hoje por empresários da pecuária, da construção civil e do turismo. Políticos baianos e figuras importantes da extrema-direita nacional também apoiam a frente anti-indígena.
A amplitude do movimento se deve à mais de uma década de articulações capitaneadas por Uaquim. Em 2009, ele fundou a Associação dos Pequenos Agricultores de Ilhéus, Una e Buerarema (Aspaiub), com intuito de impedir a demarcação da TI Tupinambá de Olivença.
Na época, produtores, prefeituras e empresas do setor hoteleiro tentavam anular o relatório da Funai com a apresentação de contralaudos que descaracterizariam a condição indígena dos tupinambás.
Os documentos apresentados pelos opositores sustentam que os tupinambás não seriam um povo tradicional, mas sim “mestiços” que teriam se aproveitado do momento histórico para se declararem indígenas. Um dos documentos afirma que os “pioneiros do cacau” teriam labutado com “fé e coragem” para tornar a região “mais civilizada”.
“Nessa região se tentou construir um imaginário em que a monocultura do cacau, baseada na concentração da terra, seria a única via de desenvolvimento possível, negando-se a presença indígena e seus projetos próprios de futuro”, diz a antropóloga Daniela Fernandes Alarcon, que pesquisa as ações de retomada nesta região desde 2010. Hoje ela atua no departamento de mediação de conflitos fundiários do Ministério dos Povos Indígenas, do governo federal.
A Aspaiub e o próprio Uaquim entraram com ações na Justiça para impedir a demarcação e, desde então, fazem lobby na Bahia e em Brasília com esse intuito. Em agosto de 2009, durante audiência na Câmara dos Deputados, Uaquim se referiu aos 50 tupinambás presentes como “fantasiados de índios”.
Os laços com Brasília se fortaleceram durante a CPI da Funai e do Incra (2016/2017), criada para investigar supostos crimes cometidos durante processos de demarcação de terras indígenas, titulação de quilombos e criação de assentamentos de reforma agrária.
“Não há mais por que se criar terra onde não existe! Ou será que todo o Brasil agora vai ser demarcado? É daí que sai o conflito. Não há tradicionalidade [indígena], é isso que tem que ser investigado”, declarou Uaquim em audiência externa da CPI ocorrida em Buerarema, em 2016.
As ações da Funai na Bahia foram o destaque do relatório final daquela CPI, que dedicou mais de 500 páginas ao assunto.
Dois meses após o fim da CPI, o então presidente Michel Temer (MDB) assinou um parecer da Advocacia-Geral da União que instituiu o “marco temporal” das terras indígenas. Segundo essa tese, já rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas aprovada pelo Congresso no final do ano passado, só podem ser demarcadas as áreas com presença de indígenas na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.
Com a projeção política, Uaquim candidatou-se a vice-prefeito de Ilhéus em 2016, pelo PSB, e a deputado federal em 2018 pelo MDB, mas não se elegeu.
Em 2017, ele criou a UDP (União em Defesa da Propriedade). “Cansados de ver suas terras invadidas pelo MST e supostos índios, produtores de cacau decidiram fundar a UDP”, foi como noticiou um diário baiano na época. Era o embrião do Invasão Zero.
“Mesmo com o laudo antropológico [da Funai] e todas as decisões da Justiça a favor da demarcação, os fazendeiros da região de Ilhéus se organizaram para negar a identidade do povo, baseados em preconceito racial e étnico e liderados por essas associações de agricultores”, diz Agnaldo Pataxó Hã Hã Hãe, coordenador-geral do Mupoiba (Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia).
“Eles são um grupo de extermínio dos povos indígenas. São os testas de ferro para fazer valer o marco temporal”, afirma o cacique Nailton Pataxó, irmão de Nega Pataxó, que também foi ferido a bala no dia do ataque.
Milícia
O lançamento oficial do Invasão Zero ocorreu em abril de 2023, na Assembleia Legislativa da Bahia. Além de dezenas de proprietários de terra, estavam presentes membros da Faeb, a federação de agricultura da Bahia, cujo presidente, Humberto Miranda, já se manifestou favorável à autodefesa das terras por parte dos próprios produtores rurais.
A Faeb é vinculada à CNA (Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil), que faz lobby pró-agronegócio em Brasília e tem como presidente o também baiano João Martins da Silva Junior.
Segundo informações obtidas por meio do Cruzagrafos, a plataforma de investigação da Abraji, e confirmadas na base da Receita Federal, o Invasão Zero é presidido por Renilda Maria Vitória de Souza, conhecida como Dida Souza.
Funcionária do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Dida é herdeira de Osvaldo José de Souza, ex-político baiano e grande produtor de cacau e gado. A família fundou a Osvaldo Souza Agropastoril, cuja principal atividade é a produção de cacau, segundo a Receita.
O “Invasão Zero” afirma estar presente em em 200 municípios, coordenados por 16 núcleos regionais.
Em entrevista às mídias da própria organização, Dida Souza conta que todos os estados com o Invasão Zero seguem o mesmo modelo, organizados em diferentes grupos de WhatsApp. Um maior com todos os fazendeiros do estado. Já os menores, chamados de núcleos, comportam de 6 a 8 cidades em um mesmo chat.
“Se ocorre uma invasão na sua terra, você coloca dentro do grupo que participa. Manda sua localização, diz o que está acontecendo, quem está indo, quantos são, e todo mundo dos núcleos ao redor se une e vai tirar o invasor.”, finaliza.
Para o defensor regional de direitos humanos na Bahia, Gabriel Cesar, da Defensoria Pública da União (DPU), o grupo tem uma ‘gênese criminosa” ao constituir um grupo armado para fazer “reintegração de posse ilegal” e sem autorização judicial. “Isso é formação de milícia. Precisa ser investigado”, ele diz.
Segundo informações do jornal O Globo, Uaquim e Dida seriam os administradores dos grupos de WhatsApp que convocaram a marcha de fazendeiros para a ação que vitimou Nega Pataxó.
A ação era resposta a uma retomada de uma fazenda situada em área considerada pelos hã hã hãe como de ocupação tradicional, contígua à Reserva Indígena Caramurú Catarina Paraguaçú.
Essa terra indígena foi reservada em 1927 pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), mas acabou convertida em fazendas particulares nas décadas seguintes. A partir dos anos 1970, o próprio governo da Bahia concedeu títulos de propriedade aos invasores.
Na década seguinte, teve início um longo processo de recuperação do território pelos hã hã hãe, a partir de ações de retomada pelos indígenas.
Em 2012, o STF anulou os títulos de propriedade, mas até hoje a chamada “desintrusão” – como é chamada a retirada dos ocupantes irregulares – não foi finalizada.
A Repórter Brasil procurou a Faeb e seu presidente, Humberto Miranda, além de Dida Souza, mas eles não atenderam aos pedidos de entrevista.
Um mês antes de Nega Pataxó ser assassinada, outra liderança indigena da reserva indígena, Lucas Santos de Oliveira, foi morto a tiros. Desde 2012, os pataxó hã hã hãe contam 32 mortes.
Para Kâhu Pataxó, a ação que resultou na morte de Nega segue o mesmo modus operandi da operação que vitimou três adolescentes da Terra Indígena Barra Velha, em Porto Seguro (BA) em 2022, onde também existe uma demanda de ampliação do território.
Uma das vítimas, de 14 anos, morreu durante uma ação contra uma retomada do povo pataxó – a área ocupada já foi delimitada pela Funai terra indígena, em processo também não finalizado.
“São as mesmas organizações que têm organizado o que eles chamam de segurança, nada mais é que pistolagem, porque em todos os casos são ações feitas com participação de policiais”, diz.
O defensor Gabriel Cesar também chama atenção para a ocorrência de vários episódios com um mesmo modus operandi, mesmo antes de 2023, quando o Invasão Zero foi oficializado.
“O que conecta os casos é a existência de um movimento de criminalização de indígenas tanto político quanto empresarial, como da mídia local, que provoca muita desinformação quanto à legitimidade desse movimento de demarcação”, diz. Ele ressalta também a participação de policiais militares nos episódios.
“A ideia deles é expulsar os indígenas até das áreas demarcadas. E são fortemente armados, têm até policiais milicianos no meio”, diz o cacique Nailton.
Mesmo com os ataques, ele afirma que as retomadas não vão parar. “Se morrer o cacique Nailton, outros ficam para levar o trabalho pra frente”, finaliza.
*Nota da redação: a reportagem foi atualizada em 20 de fevereiro de 2024 para incluir o posicionamento de Luiz Henrique Uaquim da Silva. Além disso, versão anterior da reportagem informava que Uaquim se candidatou a posto de vereador nas eleições de 2016, mas o cargo pleiteado foi o de vice-prefeito. O texto foi corrigido.
Quase 70% da produção brasileira de itens como medula espinhal, aorta, tendão e estômago de bois vão parar no território; parte das exportações são provenientes do frigorífico 163 Beef, que tem entre seus fornecedores fazendas de Bruno Heller, considerado o maior desmatador do Brasil
Por Piero Locatelli , da Repórter Brasil, e Mercedes Hutton, do Hong Kong Free Press | Edição Naira Hofmeister
DE TAIPEI E HONG KONG – Itens desprezados por consumidores brasileiros como medula espinhal, aorta bovina, tendão e omaso – uma parte do estômago do boi – são exportados em volumes expressivos para Hong Kong, que apesar de sua diminuta população, é o comprador número um de miúdos bovinos do Brasil. Entre 2022 e 2023, junto aos pedaços de boi, os importadores desse território levaram para a Ásia produtos do frigorífico abastecido pelo maior desmatador da Amazônia dos últimos anos.
O destino final desses miúdos é um enigma. No passado recente, autoridades locais desbarataram redes de contrabando de carne para a China e fontes admitem que é uma possibilidade que explicaria os volumes desproporcionais de compras de Hong Kong.
A investigação conjunta da Repórter Brasil e do jornal Hong Kong Free Press rastreou a carne que chega à região administrativa de Hong Kong e descobriu que as empresas Harvest Charm, Uni Shining International, Loyalty Union e Galaila International importaram miúdos bovinos do frigorífico 163 Beef, que tem entre seus fornecedores fazendas da família de Bruno Heller, preso em 2023 e apontado pela Polícia Federal como “o maior desmatador” da Amazônia. As fazendas de Heller acumulam multas que somam mais de R$ 27 milhões por desmatamento ilegal.
Enquanto os compradores e governos europeus têm tomado uma série de medidas contra o desmatamento em sua cadeia produtiva e a China continental discute medidas para combater o problema, Hong Kong ainda não possui qualquer exigência sobre a origem do gado e sua rastreabilidade.
Nenhuma das empresas importadoras respondeu às tentativas de contato da reportagem. O frigorífico 163 Beef também não retornou telefonemas e e-mails com pedidos de esclarecimentos. O espaço segue aberto para suas manifestações.
A defesa de Bruno Heller enviou nota dizendo que a investigação em andamento é sigilosa e “todas as circunstâncias abordadas já estão sendo devidamente elucidadas perante as autoridades e os órgãos competentes.” A íntegra pode ser lida aqui.
Endereço de escritório leva a floricultura
Os registros das empresas Harvest Charm, Uni Shining International, Loyalty Union e Galaila International junto ao governo de Hong Kong não trazem informações específicas sobre as atividades exercidas pelas empresas, mas informam seus endereços. A reportagem foi até as sedes e escritórios apontados pelos registros, todos em prédios comerciais construídos nos anos 1980 na região central e portuária de Hong Kong.
No endereço de duas delas, Harvest Charm e Uni Shining International, não existe qualquer indicação de que essas empresas funcionem no local – neste último local, uma placa na porta indica a existência de uma floricultura. No endereço da Loyalty Union e da Galaila International, havia escritórios identificados, mas sem atendimento ao público.
A Galaila é a única das quatro empresas a manter uma página na internet, onde se apresenta como uma revendedora de couro, sem mencionar qualquer negócio ligado aos miúdos bovinos.
As outras três empresas não possuem sites, redes sociais ou marcas próprias. A reportagem enviou cartas registradas e e-mails (quando possível) às quatro empresas perguntando sobre as suas atividades. Três cartas foram entregues, e uma delas foi devolvida ao remetente. Não houve qualquer resposta.
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123 mil toneladas de miúdos para 7 mi habitantes
Com uma população de somente 7,5 milhões de habitantes, Hong Kong é o maior comprador de miúdos bovinos brasileiros, com um volume que chegou a 123 mil toneladas em 2022 – o que daria uma média de 17 toneladas de miúdos por pessoa, se tudo fosse consumido como alimento.
“Os miúdos bovinos brasileiros têm um bom mercado na Ásia, tanto para consumo direto quanto para processamento de alimentos humanos, de animais de estimação e para fabricação de ração para pecuária”, observa Louis Chan, diretor de pesquisas do Hong Kong Trade Development Council, órgão local de incentivo ao comércio internacional.
Na ponta do lápis, o território é, por uma larga margem, o maior comprador de miúdos brasileiros no planeta. Em 2023, respondeu por 69,7% das compras de miúdos e outras partes bovinas, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC).
Vendidos para Hong Kong, os miúdos geram receita maior para os frigoríficos. Se ficassem no Brasil, possivelmente terminaram na chamada “graxaria”, unidade que processa produtos de baixo valor, como sabonetes, explica Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP). “Para o frigorífico, é interessante exportar miúdos porque ajuda a compor a sua receita. Então, quando aparece um mercado como Hong Kong, o frigorífico vai desovar os miúdos para lá”, completa.
Frigoríficos abrem mercado na China
Até 2018, Hong Kong era também o maior importador de carne bovina brasileira em geral. O volume de compras do diminuto território superava aqueles de locais com população dezenas de vezes maiores, como a União Europeia, os Estados Unidos e a China continental. A explicação corrente dentro da indústria de carne para essa liderança era de que o destino final de parte relevante da carne seria o território chinês, onde moram 1,4 bilhão de pessoas.
Hong Kong é parte da China desde 1997, mas conta com moeda, autoridades sanitárias e controles de fronteira próprios, em um mecanismo comumente qualificado como “um país, dois sistemas”. Por isso, a contabilidade das exportações para ambos locais é feita de forma separada.
Em 2019, a China tomou o lugar de Hong Kong como maior comprador da carne brasileira. Isso aconteceu depois que o governo chinês passou a habilitar mais frigoríficos brasileiros para venderem diretamente àquele país – contudo, até hoje não há autorização de Pequim para importação de miúdos do Brasil. Atualmente, Hong Kong ainda é o segundo maior comprador de carne bovina in natura brasileira.
Mercado ilegal na fronteira
As estatísticas oficiais mostram que parte dos miúdos brasileiros que chegam a Hong Kong são reexportados para outros territórios da Ásia. De acordo com estatísticas de reexportação do Governo de Hong Kong, 342 milhões de dólares em subprodutos bovinos brasileiros foram reexportados em 2023, sendo que seus principais destinos foram o Vietnã (50,3%), Taiwan (29,9%) e Coreia do Sul (15,4%).
O governo de Hong Kong reconhece também que há comércio ilegal de produtos de origem bovina com a China continental. Durante os últimos três anos foram presas 160 pessoas e apreendidas mais de mil toneladas de carne congelada que eram traficadas à China, segundo nota enviada à reportagem pelo Centro de Segurança Alimentar de Hong Kong. A íntegra pode ser lida aqui.
“Hong Kong não é apenas um país consumidor, mas também um ponto de entrada para a China. Isso precisa ser rastreado adequadamente”, observa Marina Guyot, Gerente de Políticas Públicas do Imaflora, organização que atua por mais transparência no setor da pecuária.
Um eventual contrabando pode estar carregando a pegada de desmatamento de Hong Kong para a China. A situação não deve mudar em um horizonte curto, já que não há perspectivas claras de que empresas e governo de Hong Kong passem a fazer exigências a respeito de como o boi é criado no Brasil.
“A conscientização entre os consumidores de Hong Kong em relação à sustentabilidade da carne está aumentando lentamente, mas não é substancial o suficiente para promover mudanças no comportamento de consumo e na cadeia produtiva,” diz Lei Yu-Ting, que liderou o setor de pesquisas do Greenpeace East Asia durante doze anos.
Yu-Ting explica que as poucas iniciativas que buscam mostrar qual a origem da carne em Hong Kong estão focadas somente na qualidade da carne e em questões de segurança alimentar. “É difícil para os consumidores saberem se a carne que eles consomem está associada ao desmatamento no Brasil e em outros países,” conclui o pesquisador.
Quer comemorar o Dia dos Namorados com aquela amizade colorida especial? Sexóloga dá dicas de como curtir a data sem compromisso
Com o Dia dos Namorados chegando, uma opção interessante é celebrar a data com uma amizade colorida. Embora pareça estranho, uma pesquisa da Universidade de Chicago (EUA) revelou que 52% dos entrevistados com idades entre 20 e 50 anos já passaram a data com um “amigo com benefícios”.
De acordo com a sexóloga Claudia Petry, especialista em educação para a sexualidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), passar o Dia dos Namorados com a amizade colorida tem seus benefícios. Isso inclui aproveitar a companhia sem compromissos futuros.
“A relação baseada em amizade proporciona confiança e conexão emocional, tornando o dia mais leve, descontraído e em ótima companhia. Não há pressões ou expectativas de um relacionamento romântico tradicional”, explicou Claudia ao Metrópoles.
A sexóloga ainda afirma que a liberdade de explorar atividades divertidas e a ausência de ciúmes são vantagens adicionais. “Em resumo, essa experiência é agradável e descomplicada, permitindo desfrutar da companhia um do outro sem pressões”.
DICAS PARA CONVIDAR A AMIZADE COLORIDA
Uma das dúvidas que pode surgir acerca do assunto é como convidar a amizade colorida sem deixar o clima pesado ou parecer que algo mais sério está rolando. Por isso, Petry deu a dica de ser direto e casual quando for chamar essa pessoa especial para comemorar a data.
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“Você pode enviar uma mensagem simples e descontraída, convidando para passar um tempo juntos, sem colocar expectativas românticas. Por exemplo: ‘Ei, que tal aproveitarmos o Dia dos Namorados juntos? Podemos sair para jantar ou fazer algo divertido. Será legal passar um tempo juntos, sem pressões. O que acha?’”.
A sexóloga acredita que fazer o convite de maneira objetiva ajuda a demonstrar interesse em celebrar a data com a amizade colorida, mas de uma maneira leve e sem criar expectativas românticas.
O QUE FAZER
O Dia dos Namorados, neste ano, cairá em uma quarta-feira. Para quem deseja comemorar em pleno dia de semana, Claudia listou alguns programas que podem ser ideais para a ocasião:
Jantar em casa
Vale a pena preparar uma refeição especial juntos ou encomendar algo delicioso para desfrutar em casa. “Podem criar ainda um ambiente aconchegante com velas e música”.
Maratona de filmes ou séries
“Escolham filmes românticos ou suas séries favoritas e passem o dia assistindo juntos. Preparem algumas guloseimas e aproveitem o conforto do sofá”, aconselha Petry.
Noite de jogos
Outra recomendação da sexóloga é organizar uma noite de jogos em casa. A dupla pode jogar cartas, tabuleiro ou até mesmo dados eróticos ou baralho kama sutra para apimentar o momento.
Spa em casa
Transformar a casa em um spa pode ser uma boa pedida para a data. “Preparem banhos relaxantes, massagens e cuidados com a pele. Desfrutem de um momento de tranquilidade e bem-estar”.