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Brasil : Starbucks: fazendas de café certificadas são flagradas com trabalho escravo e infantil em Minas Gerais
Enviado por alexandre em 10/06/2024 10:05:51

Investigação exclusiva revela casos de descontos ilegais em salários e falta de banheiro e equipamentos de proteção em propriedades que ostentam o selo de ‘aquisição ética’ da multinacional. Representantes dos trabalhadores apontam falhas em auditorias
Por Hélen Freitas e Poliana Dallabrida | Fotos: Lela Beltrão
 

Maior e mais famosa rede de cafeterias do mundo, com 35 mil pontos de venda em 83 países, a Starbucks mantinha em seu programa de “aquisição ética” produtores flagrados com trabalho escravo e infantil, além de cafeicultores autuados por descontos ilegais nos salários, falta de fornecimento de água potável e de equipamentos de proteção básicos para a colheita do grão.

Ao menos quatro propriedades foram palco de problemas assim enquanto ainda eram fornecedoras da multinacional americana. Os casos são retratados no relatório “Por trás do café da Starbucks”, publicado pela Repórter Brasil (disponível em português e em inglês).

Fazendas no Brasil são origem de parte do café usado pela rede de cafeterias americana, que afirma comprar 3% do grão produzido no mundo (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)

O documento mostra que fazendas de café em Minas Gerais onde a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego flagrou violações trabalhistas possuem – ou possuíram até recentemente – o selo C.A.F.E. Practices, sigla para Coffee and Farmer Equity, o programa de certificação que, segundo a Starbucks, avalia fornecedores em mais de 200 indicadores ligados à transparência, qualidade, responsabilidade social e ambiental. É mais uma situação que expõe as limitações do mercado certificador.

“Independente da certificadora, o modelo é frágil, pouco transparente. Todos os anos mostramos casos de fazendas certificadas com trabalhadores sem registro, que não recebem férias, 13º”, observa o coordenador da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere), Jorge Ferreira dos Santos Filho. 

As irregularidades trabalhistas no setor não se resumem à cadeia de fornecimento da Starbucks. A Repórter Brasil já mostrou problemas semelhantes entre fornecedores da Nestlé, McDonald’s e outras grandes empresas compradoras de grãos.

Em 2022, o cultivo de café foi um dos cinco setores com maior volume de denúncias de exploração de trabalhadores no Brasil. Ao todo, 39 propriedades de café foram fiscalizadas e 159 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão.

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Safrista resgatado tinha 15 anos

Um dos casos destacados é o da Fazenda Mesas, em Campos Altos, onde 17 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em agosto de 2022. No grupo havia um adolescente de 15 anos e outros dois jovens de 16 e 17 anos.

O trabalho exposto ao sol ou à chuva e que exige manuseio de cargas pesadas – a saca de café pesa 60 quilos – está enquadrado na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil e é proibido para jovens de 16 a 18 anos. Já o trabalho de menores de 16 é proibido em qualquer circunstância, com exceção da categoria aprendiz, com requisitos como frequência escolar e tutoria.

A Mesas é administrada por Guilherme de Oliveira Lemos, que também comanda a Fazenda Ourizona e a torrefadora Café Ourizona, em Córrego Danta, e a Fazenda Bom Jesus e Pedras, em Santa Rosa da Serra.

O Café Ourizona ostenta o selo C.A.F.E. Practices, da Starbucks. Entrou no programa um mês antes do flagrante de trabalho escravo na Mesas, mostra um post no Instagram de julho de 2022. Além disso, as propriedades são certificadas pela Rainforest Alliance, selo renovado em março deste ano, mesmo após o resgate dos trabalhadores.

Evidências indicam a administração conjunta das propriedades. Trabalhadores da Fazenda Mesas que estavam na informalidade tiveram suas carteiras registradas em nome da Ourizona depois da operação dos auditores fiscais do Trabalho. 

Conforme o relatório de fiscalização, o empregador não fornecia nem as ferramentas básicas para a colheita, como rastelo, bolsa e pano para armazenar grãos. Uma trabalhadora contou que precisava comprar luva nova a cada quatro dias para proteger as mãos ao colher os grãos. Os R$ 5 por luva saíam de seu bolso, assim como o valor do chapéu, de botinas, da comida e do alojamento – tudo em desacordo com as leis trabalhistas.

Descontos irregulares para pagamento de equipamentos, como a máquina derriçadeira (acima), são comuns em fazendas de café, dizem representantes de trabalhadores (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)

Na lavoura não havia local montado para o almoço. No chão ou dentro de um ônibus, trabalhadores consumiam uma comida fria ou aquecida numa lata com álcool. Sem banheiro químico, as necessidades eram feitas no mato ou no cafezal.

Por meio de seu advogado, Lemos afirmou que não responderia à reportagem. A Starbucks admitiu que a Mesas é certificada, mas não explicou se será suspensa. “Nossos registros não mostram queixas trabalhistas ativas, litígios ou reclamações abertas contra Guilherme de Oliveira Lemos”, afirmou a empresa. A Rainforest Alliance confirmou a certificação e informou que duas auditorias foram feitas no local. “De acordo com os relatórios da Entidade Certificadora enviados à Rainforest Alliance para a auditoria de maio de 2023, não havia informações sobre essas inspeções em agosto de 2022”, alegou. Leia a íntegra das respostas aqui.

‘Erro do RH’

Outro caso de adolescente trabalhando irregularmente é o da Fazenda Cedro-Chapadão, em Ilicínea, administrada juntamente com a Fazenda Conquista por Sebastião Aluísio de Sales, esposa e filhos.

Em julho de 2022, um jovem de 17 anos foi resgatado de condições análogas à escravidão nos cafezais da família. Ele e outros 25 haviam saído de Irecê (BA), a 1.500 quilômetros de distância, para colher café nas duas fazendas. A fiscalização identificou outras 11 violações trabalhistas.

Selos de certificação e placas de “Atenção” não foram suficientes para prevenir irregularidades trabalhistas em fazendas do grupo Cedro-Chapadão, em Ilicínea (MG) (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)

Segundo Rodrigo Sales, filho de Sebastião, a contratação do jovem de “17 anos e 9 meses” ocorreu por “erro do nosso departamento contábil de RH [Recursos Humanos]”. Documentos acessados pela fiscalização trabalhista apontam que outro adolescente, de 16 anos, havia sido contratado para colher café naquele ano.

O resgate do jovem ocorreu na Fazenda Conquista e não na Cedro, que tem o selo C.A.F.E. Practices. Mas as práticas eram as mesmas nas duas propriedades, e os trabalhadores também haviam sido contratados para atuar na Cedro. “As Fazendas Reunidas Cedro-Chapadão são um grupo, portanto a administração é feita de forma conjunta, os trabalhadores safristas estão cientes do cronograma de trabalho para colheita, que se inicia na Fazenda Conquista e segue para as demais fazendas conforme a maturação do café”, admitiu Rodrigo Sales.

Alojamento de trabalhadores temporários do grupo Cedro-Chapadão; em 2022, um jovem de 17 anos foi resgatado de condições análogas à escravidão na colheita da empresa (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)

A fiscalização diz que o empregador não disponibilizava água potável e equipamentos de proteção, como luvas, chapéus e botas. No alojamento não havia roupas de cama, armários nem local apropriado para refeição. O grupo ainda precisou pagar pelas passagens de ônibus desde Irecê, o que era obrigação do contratante. Em depoimento, o jovem resgatado disse que lhe foram descontados R$ 400 da passagem, além de despesas de alimentação. 

Sebastião Sales pagou cerca de R$ 6 mil em rescisões e danos morais. Rodrigo Sales se defende: “As Fazendas Reunidas Cedro-Chapadão jamais submeteram qualquer trabalhador a condições degradantes, trabalho forçado ou condições análogas à escravidão”. Segundo ele, a Cedro foi certificada pela C.A.F.E. Practices em 2021, mas só participou do programa em 2022 e não houve comercialização com a Starbucks no período. Já a multinacional se limitou a dizer que a propriedade não está mais ativa no programa, sem informar quando saiu e o porquê. Leia a íntegra dos esclarecimentos aqui.

Reincidentes

Também detentora do C.A.F.E. Practices, a empresa familiar Bernardes Estate Coffee, dona de duas fazendas em Patrocínio, é reincidente em violações.

Em 2019 foram nove multas por não oferecer equipamentos de proteção individual (EPIs) nem material para primeiros socorros gratuitos, não fornecer papel higiênico, nem chuveiros em quantidade suficiente, não garantir local adequado para refeições e tampouco uma caixa d’água protegida contra contaminação. Três anos depois, José Eduardo Bernardes foi autuado por 16 infrações, entre elas não possuir os recibos de pagamento de empregados, não oferecer treinamentos exigidos por lei e não garantir banheiros na frente de trabalho.

A Repórter Brasil esteve na fazenda neste ano e testemunhou a repetição de problemas. Constatou que nem todos utilizavam EPIs. Trabalhadores relatam que são recrutados em cidades distantes, mas o contrato só é assinado quando chegam, estratégia usada para burlar o pagamento do transporte. Contam também que os patrões cobram aluguel dos que se hospedam num alojamento da família.

Colheita na Bernardes Estate Coffee, em Patrocínio (MG). Trabalhadores colhem o café, jogam os frutos na lona, separam os galhos e enchem sacos de 60 kg (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)

A Bernardes Estate Coffee não respondeu às perguntas enviadas por e-mail. A Starbucks confirmou que a empresa é certificada, disse que passa por investigações, mas se negou a compartilhar detalhes. Leia a íntegra.

Outro caso de reincidência é o do produtor Carlos Augusto Rodrigues de Melo, presidente da Cooxupé, maior cooperativa de cafeicultores do país e principal fornecedora da Starbucks, segundo dados de exportações acessados pela Repórter Brasil. Propriedades da família Melo foram autuadas por descumprimento de regras trabalhistas em 2021 e em 2022.

Em 2021, uma fiscalização constatou descontos ilegais em salários para aquisição de máquinas derriçadeiras e combustível para a colheita na Fazenda Pedreira, em Cabo Verde (MG). No ano seguinte, outra fazenda da família, a Palmital, recebeu 16 autos de infração por não pagar direitos trabalhistas, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a multa de 40% em demissão sem justa causa.

Os problemas persistem. Neste ano, a Repórter Brasil encontrou no local trabalhadores provenientes do Vale do Jequitinhonha, norte de Minas, que dizem trabalhar nas lavouras por falta de outras oportunidades. “Gostar, a gente não gosta, mas a necessidade faz o trabalho ficar maravilhoso”, afirmou um rapaz de 24 anos que já tinha perdido dez quilos em um mês.

O aspecto dos pequenos alojamentos (quarto, cozinha e banheiro) denota descuido com a limpeza. A reportagem constatou paredes de banheiro encardidas do chão ao teto. Não há área para refeições, preparadas em um fogão de duas bocas comprado pelos trabalhadores. Os empregados dizem que o gás de cozinha também sai do bolso deles, assim como cobertores e travesseiros, o que contraria a lei. A água de consumo e de banho é armazenada em um antigo tanque de combustível.

Alojamento de trabalhadores da Fazenda Pedreira, ao fundo, e antigo tanque de gasolina utilizado para armazenar a água consumida pelos safristas (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)

Em nota, a Fazenda Pedreira se limitou a dizer que “cumpre a legislação trabalhista” e que segue “as determinações exigidas para obtenção de certificações internacionais”. A propriedade não negou relação com a Starbucks, mas não esclareceu quando foi certificada. A Starbucks afirmou que o selo da Pedreira está “expirado”, sem informar quando isso ocorreu. Já a Cooxupé afirmou que garante a rastreabilidade de seus produtos e que respeita normas ambientais, sociais e legais. Todos os esclarecimentos podem ser lidos, na íntegra, aqui.

Sem surpresa

As violações ocorrem num setor que está em quarto lugar em receita no ranking de receita da balança comercial do Brasil. Em 2022, foram 52,8 milhões de sacas colhidas, o que garante ao país o posto de maior exportador mundial do produto. Na ponta da cadeia, a Starbucks Corporation, que compra cerca de 3% do café produzido no mundo, registrou lucro líquido de US$ 3,2 bilhões em 2022.

Nesse cenário, não há “desculpas” para não garantir a contratação formal de safristas e seus direitos trabalhistas, diz Gustavo Ferroni, da Oxfam Brasil: “Isso não depende de uma articulação de políticas públicas, mas do próprio setor”.

A Starbucks Corporation registrou lucro líquido de US$ 3,2 bilhões em 2022. Fazendas fornecedoras da rede são certificadas por programa próprio de aquisição ética (Foto: Asael Peña/Unsplash)

Em 2020, a organização calculou em 41% a lacuna entre o salário médio nas lavouras em Minas e um salário digno, que é aquele capaz de contemplar gastos com alimentação, moradia, educação, saúde, vestuário e outras necessidades essenciais, conforme parâmetros da Global Living Wage Coalition (Coalizão Global de Salário de Bem Estar).

Para Ferroni, a C.A.F.E. Practices seria mais efetiva se inspeções ocorressem durante a safra, se as auditorias fossem verdadeiramente surpresas (as visitas são avisadas com antecedência) e se houvesse diálogo com atores de fora das fazendas, como sindicalistas.

A opinião é compartilhada por Jorge Ferreira dos Santos Filho, coordenador da Adere. “Se os produtores são avisados que a fazenda será auditada, não existe auditoria-surpresa”, conclui o representante dos trabalhadores.

Brasil : Caso de grilagem liga frigoríficos a rede de corrupção e lavagem de dinheiro
Enviado por alexandre em 10/06/2024 10:02:57


DE NOVA MAMORÉ (RO) – Protegidos por um esquema de vigilância armada provido 24 horas por dia pelo governo de Rondônia, 605 cabeças de gado pastavam até abril dentro do Parque Estadual de Guajará Mirim, uma unidade de conservação de proteção integral da Amazônia onde a pecuária é proibida.

Os animais estavam ali após serem tomados pelo Estado. Seu dono, segundo a Polícia Militar  de Rondônia, é um pecuarista apontado como invasor da área de preservação – ele foi preso em novembro durante uma megaoperação que retirou suspeitos de grilagem do local. O rebanho acabou apreendido para evitar eventual venda, já que, segundo as autoridades, cúmplices do homem detido seguiam soltos e rondavam o local para tentar retirar o gado de lá.

“Identificamos uma organização criminosa atuando no parque que envolve proprietários de fazendas que são vizinhas à unidade de conservação”, explica o promotor de Justiça de Rondônia Pablo Hernandez Viscardi, que atua nas investigações. “Essas propriedades são usadas para lavar o gado, que na verdade é criado dentro do parque. Sem essa manobra, não é possível vender para os frigoríficos”, completa.

O fio que conecta pecuária, desmatamento e grilagem no Parque Estadual de Guajará Mirim vai além dos crimes ambientais: investigações feitas por autoridades nos últimos dois anos, às quais a Repórter Brasil teve acesso, sustentam que integrantes da quadrilha estariam envolvidos com casos de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, falsidade ideológica, extorsão e estelionato.

O gado é o elemento que conecta as irregularidades. E documentos inseridos nos autos processuais ou obtidos diretamente pela Repórter Brasil mostram negócios feitos entre os acusados dos crimes e alguns dos maiores frigoríficos do Brasil, nos últimos anos – a exemplo de JBS, Marfrig e Frigon.

CORREDOR ECOLÓGICO E INDÍGENA

O Parque Estadual de Guajará-Mirim abrange uma área de aproximadamente 200 mil hectares e é uma unidade de conservação de proteção integral. Segundo a legislação brasileira, este tipo de unidade de proteção ambiental tem as regras mais rígidas de uso, sendo permitido apenas uso indireto dos recursos naturais. Já as unidades de uso sustentável podem comportar atividades econômicas e de subsistência, desde que manejadas dentro de um conceito de respeito ao meio ambiente.

O parque faz parte de um importante corredor ecológico em Rondônia que conecta várias unidades de conservação e terras indígenas. Ao norte, se limita com o território Karipuna, que por sua vez está ligado à Reserva Extrativista de Jaci-Paraná. Ao sul, estão a terra indígena Eru-Eu-Wau-Wau, várias outras reservas extrativistas e parques nacionais. “É um corredor não só rico de biodiversidade, mas de cultura, de identidade”, observa a indigenista Neidinha Suruí, da Associação Kanindé.

Mas várias dessas áreas têm sido alvo de invasões. “O parque foi invadido, nosso território também, a Resex Jaci Paraná, que fica ao lado, também está invadida. Aí fica difícil porque não tem mais floresta, não vai ter mais floresta em pé”, alerta o cacique-geral do povo Karipuna, André Karipuna.

Em incursões recentes à borda sul de seu território, exatamente onde a terra indígena faz fronteira com o parque, a liderança encontrou vestígios da existência, nessa região, de povos tradicionais isolados. “Se nós estamos ameaçados, imagina os parentes isolados”, preocupa-se.

Suruí, que participa de expedições em busca de vestígios, corrobora. “Acreditamos que esses indígenas estão num grupo extremamente reduzido, ou foram mortos ou expulsos dali [por conta das invasões]”.

Um juiz preso

Em agosto do ano passado, as várias pontas de atuação do grupo acusado dos crimes começaram a ser conhecidas quando o Tribunal de Justiça de Rondônia decidiu que o então juiz da comarca de Buritis (RO), Hedy Carlos Soares, deveria perder a função porque teria vendido sentenças em troca de propina.

O caso que deu origem à decisão descortinou investigações que apontam a participação de Soares no esquema de grilagem de terras e criação de gado dentro do Parque Estadual de Guajará Mirim.

Entre as sentenças colocadas sob suspeita, estava uma decisão do então juiz tomada dois anos antes, em março de 2018. Na ocasião, Soares autorizou um homem chamado Erivan da Silva Teixeira a permanecer na posse de quase mil hectares de terra de uma fazenda chamada Cantão. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente de Rondônia (Sedam), a área estava dentro do Parque Estadual de Guajará Mirim.

Nos cálculos da Sedam, naquela altura, Teixeira já havia desmatado 780 hectares dentro do parque. “Essa circunstância o transforma em um dos maiores invasores e degradadores da citada unidade de conservação”, diria o Ministério Público (MP) de Rondônia alguns anos depois, ao analisar o caso durante o julgamento do juiz. Na área desmatada, Erivan Teixeira plantou pasto, conforme deixou registrada a sentença de Soares.

Acontece que, pelo menos desde janeiro daquele ano, o juiz possuiria um contrato com Teixeira para o arrendamento da Fazenda Cantão, conforme revelado por uma reportagem da Agência Pública em 2022. E as investigações do MP também demonstraram que, no ano seguinte, o então juiz teria emitido Guias de Trânsito Animal (GTAs) movimentando quase 300 cabeças de gado entre a Cantão e a Fazenda Prosperidade, em Buritis, de sua propriedade.

Hedy Carlos Soares também foi flagrado por servidores da Sedam saindo de um churrasco na fazenda, no feriado de 7 de setembro de 2018.

Áreas desmatadas no interior do Parque Estadual Guajará Mirim deram lugar a imensas pastagens de gado, tudo articulado por quadrilhas organizadas (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)
Áreas desmatadas no interior do Parque Estadual Guajará Mirim deram lugar a imensas pastagens de gado, tudo articulado por quadrilhas organizadas (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)

Na visão do Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia, que mandou investigar a conduta de Soares, havia “interesse do próprio magistrado no deferimento do pleito de manutenção de posse, dada a relação negocial que possuía com o proprietário da Fazenda Cantão.”  Soares ainda decidiria restituir um trator, uma carreta e outros bens ao infrator ambiental em outros processos judiciais nos quais suas decisões foram questionadas.

Mas, segundo as autoridades, Teixeira não era mero arrendatário, nem eventual parceiro de negócios de Hedy Carlos Soares. Uma investigação sobre outra sentença do ex-juiz, tomada em 2020, revelou a existência de um “grupo de pecuaristas” no qual ele estaria incluído e sobre os quais recaem suspeita de fraude, sonegação de impostos e ocultação de patrimônio, “configurando, em tese, crimes de falsidade ideológica, sonegação fiscal, associação criminosa e possível lavagem de capitais”, segundo concluiu um investigador em 2022. Esse caso ainda não possui decisão final e corre em sigilo de justiça.

Entre os integrantes de tal grupo, segundo as investigações, estão tanto Erivan da Silva Teixeira como seu cunhado, Walvernags Cotrin Gonçalves – o homem preso em novembro de 2023 por invasão do Parque Estadual de Guajará Mirim e de quem a polícia confiscou as 605 cabeças de gado que estavam na unidade de conservação.

A reportagem procurou os advogados de Hedy Carlos Soares, Walvernags Cotrin Gonçalves e Erivan da Silva Teixeira para ouvir suas explicações – mas apenas a Defensoria Pública de Rondônia, que está atuando em nome de Teixeira nos processos, respondeu. O órgão explicou, no entanto, que apesar de ter sido designado para esta função, “não teve qualquer contato com o réu”, e que a legislação brasileira impede o compartilhamento de contatos diretos dele. A íntegra pode ser lida aqui.

Gado vendido para São Paulo​

Nesta outra decisão elencada como evidência da parcialidade do juiz, Hedy Carlos Soares liberou um caminhão carregado de gado que havia sido parado por fiscais da Secretaria Estadual de Finanças (Sefin) em Vilhena, na fronteira entre Rondônia e Mato Grosso. O caminhão não havia pago o ICMS, imposto obrigatório em transações interestaduais. A justificativa de Soares era que a remessa de bois estava sendo feita entre fazendas de um mesmo contribuinte, uma pessoa chamada Marcos da Cunha Coelho – tese depois questionada por autoridades da Sefin de Rondônia, do Ministério Público e da Justiça. A sentença liberando o trânsito do gado foi dada em novembro de 2020.

A GTA que acompanhava o caminhão não mencionava a Fazenda Cantão, mas o endereço fornecido como origem dos animais – BR 421, km 221, Jacinópolis –  era o mesmo que aparece vinculado a essa propriedade em outras transações a que a Repórter Brasil teve acesso. O MP de Rondônia também localizou nos sistemas do Idaron inúmeras transações de gado entre Marcos da Cunha Coelho e Hedy Carlos Soares e rastreou repasses financeiros entre eles.

Servidores da SEDAM patrulham uma área invadida por fazendeiro no Parque Estadual Guajará-Mirim (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)
Servidores da SEDAM patrulham uma área invadida por fazendeiro no Parque Estadual Guajará-Mirim (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)

“Os elementos informativos e provas produzidos nos autos evidenciam que a decisão judicial proferida pelo Juiz de Direito Hedy Carlos Soares visou satisfazer interesse pessoal, na medida em que há indícios robustos de que a carga retida pela Sefin, ou ao menos parte dela, lhe pertencia ou era de seu interesse”, concluiu o MP em 2022, depois de uma investigação.

Já o caminhão que transportava a carga estava registrado no nome de Walvernags Cotrin Gonçalves – supostamente o dono dos bois apreendidos no parque em novembro do ano passado, com quem Soares também teria feito “transações expressivas de compra e venda de gado”, segundo documentos da investigação.

“As provas produzidas demonstraram, sem sombra de dúvidas, que um grupo de pecuaristas tem utilizado o nome de Marcos da Cunha Coelho nas movimentações de bovídeos e transporte para o estado de São Paulo, dentre eles aparece o juiz investigado”, explica o MP, nominando tanto Hedy Carlos Soares, como Gonçalves e Teixeira.

A decisão de Soares teve efeito multiplicado: segundo dados da Secretaria da Fazenda de Rondônia, depois desse dia, o grupo teria realizado diversas remessas de gado para São Paulo usando o nome de Marcos da Cunha Coelho – o volume de animais cresceu ano a ano. Foi rastreado o trânsito de pelo menos 1.110 cabeças de gado, cujo valor total pode ter gerado a sonegação de R$ 348,6 mil em ICMS. “É provável que todo gado enviado em nome de Marcos da Cunha Coelho para a Fazenda Arabiri, situada em Birigui/SP, não tenha sofrido a incidência do ICMS, escorada na decisão proferida por Hedy Carlos Soares”, observa o MP nos autos.

Procurado pela reportagem, o advogado de Marcos da Cunha Coelho não enviou comentários.

Negócios com frigoríficos

As investigações sobre as remessas de gado dos acusados para São Paulo apontaram também a existência de três contratos assinados em janeiro de 2021 pelo ex-juiz Hedy Carlos Soares e por Marcos da Cunha Coelho com a Fazenda Chaparral, no município de Rancharia. A propriedade – um confinamento que se dedica à engorda de bois e vacas próximos ao abate – é fornecedora de importantes frigoríficos e recebeu animais de ambos.

GTAs consultadas pela Repórter Brasil revelam que em dezembro daquele mesmo ano, a Fazenda Chaparral forneceu animais à unidade de Lins da JBS, em São Paulo. A JBS informou que a propriedade “encontra-se atualmente bloqueada” pela empresa e que “todas as aquisições estavam de acordo com o Protocolo de Monitoramento do Ministério Público Federal e com a Política de Compras” do frigorífico. 

Já a unidade da Marfrig em Promissão (SP) adquiriu animais da Fazenda Chaparral entre 2022 e 2024. Procurada, a empresa ressaltou não ter recebido gado da propriedade em 2021, ou seja, no ano em que as investigações mencionam seus negócios com Soares e Coelho.

Sob ameaça, Parque Estadual de Guajará-Mirim é lar de espécies em extinção e pode ser área habitada por indígenas isolados (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)
Sob ameaça, Parque Estadual de Guajará-Mirim é lar de espécies em extinção e pode ser área habitada por indígenas isolados (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)

Uma das peças dos inquéritos sigilosos aos quais a Repórter Brasil obteve acesso mostram planilhas de contabilidade e inclusive extratos bancários do grupo ligado ao ex-juiz Hedy Carlos Soares – acusado também de lavagem de dinheiro. Os documentos fazem menção à JBS tanto no contexto de emissão de GTAs, como também registram depósitos que o frigorífico fez em contas de pessoas ligadas ao então magistrado.

Além disso, várias propriedades e pessoas investigadas pelas autoridades aparecem fazendo remessas de gado direta e indiretamente para os grandes frigoríficos brasileiros.

Um exemplo é Andréia de Lima Sinotti. Entre 2021 e 2022, ela encaminhou animais para serem abatidos pelo matadouro da JBS em Vilhena, conforme GTAs acessadas pela Repórter Brasil. A fazenda fornecedora, segundo os documentos, seria a Chácara Mãe e Filha, localizada em Buritis (RO).

Acontece que, em declarações prestadas às autoridades, Sinotti admitiu não ser pecuarista de fato. Apontada como “laranja” do ex-juiz nas investigações, ela disse que todas as GTAs emitidas e vendas realizadas em seu nome eram feitas por seu marido, que, por sua vez, realizava as operações em nome de Hedy Carlos Soares. O marido de Sinotti também confirmou, em depoimento, que os lucros das negociações eram revertidos ao magistrado.

A JBS é mencionada explicitamente em um balanço de movimentação de animais atribuído à quadrilha e anexado ao inquérito que investiga o ex-juiz. O documento descreve a venda de 13 bois e 5 vacas ao frigorífico em 19 de março de 2021. Nesta mesma data, 13 bois e 5 vacas foram encaminhados à JBS numa venda registrada em nome de Sinotti e da Chácara Mãe e Filha, de acordo com uma GTA obtida pela Repórter Brasil

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Em outra coincidência semelhante, o balanço informa a venda de 20 vacas ao frigorífico no dia 25 de março de 2022 – mesma data em que registros de GTAs apontam a JBS como destinatária de uma remessa de animais da Chácara Mãe e Filha com as mesmas características.

O balanço de animais que descreve essas transações não menciona a Chácara Mãe e Filha, mas apenas a Fazenda Prosperidade, localizada também em Buritis e, esta sim, oficialmente registrada em nome do ex-juiz Soares. Em 2019, ela teria recebido, segundo o MP, centenas de animais para engorda oriundos da Fazenda Cantão, localizada dentro do Parque Estadual de Guarajá Mirim.

O próprio Walvernags Cotrin Gonçalves, o homem do gado apreendido em novembro dentro do parque, forneceu animais diretamente para a JBS de Vilhena e de Pimenta Bueno em 2021 e 2022, e para a Marfrig de Ji-Paraná entre 2020 e 2021.

Nesse período, o Sítio Oliveira – fazenda de Gonçalves registrada como fornecedora dos frigoríficos – recebeu repetidamente remessas de gado de propriedades cujo endereço as situam no limite do Parque Estadual de Guajará-Mirim e também da Fazenda Prosperidade e da Chácara Mãe e Filha.

A JBS informou que tanto o Sítio Oliveira como as propriedades em nome de Andréia Sinotti – Chácara Mãe e Filha e a Fazenda Sombra da Mata – “encontram-se atualmente bloqueadas” e que os negócios feitos no passado seguiram os protocolos de compra responsável do frigorífico. A Marfrig também admitiu ter comprado animais de Walvernags Cotrin Gonçalves em 2020 e 2021, mas também afirma que a propriedade “não possuía nenhuma inconformidade com os critérios socioambientais” – e ressaltou ainda que “encerrou suas atividades em Ji-Paraná (RO) em setembro de 2021”.

“As eventuais irregularidades apontadas pela Repórter Brasil eram praticadas em elos anteriores da cadeia”, acrescenta a JBS, o que, na opinião do frigorífico, “reforça a urgência de endereçar o desafio setorial de monitorar toda a movimentação de gado bovino, visto que as empresas processadoras de proteína não têm acesso às GTAs de outros elos da cadeia produtiva, impedindo que tenham visibilidade sobre práticas irregulares como as apontadas pela reportagem”. As notas podem ser lidas integralmente aqui.

Andréia de Lima Sinotti não quis comentar. Os demais pecuaristas mencionados não enviaram respostas aos questionamentos enviados a seus advogados.

Unidade da JBS em Porto Velho aparece como uma das destinatárias de gado criado em fazendas relacionadas às investigações (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)
Unidade da JBS em Porto Velho aparece como uma das destinatárias de gado criado em fazendas relacionadas às investigações (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)

A Frigon, por sua vez, aparece como destino de animais remetidos por Gonçalves via uma fazenda chamada Recanto, em Nova Mamoré, entre 2018 e 2019 – situada na borda do Parque Estadual de Guajará Mirim. Essa fazenda está registrada em uma base de dados do Incra, mas aparece como “cancelada” por “sobreposição parcial com Glebas Públicas devidamente certificadas”. 

A localização do imóvel registrada nos sistemas públicos coincide com o local apontado pelos policiais como a sede da Fazenda Cantão, no Parque Estadual de Guajará Mirim. O frigorífico não respondeu às tentativas de contato da reportagem.

Bitcoin e pirâmide financeira

Não são poucas as vezes em que as autoridades que investigam Hedy Carlos Soares consideram, nos diversos processos em que ele está envolvido, a hipótese de que o ex-juiz teria participado de esquemas de lavagem de dinheiro. Um exemplo seria o uso da ficha de pecuarista de outras pessoas para movimentar seu próprio rebanho, como no caso de Andréia Sinotti. “Evidencia o crime de falsidade ideológica e traz indícios de possível ocultação patrimonial, elemento caracterizador do crime de lavagem de capitais”, observa o MP em uma das peças da investigação.

Também aparecem entre as peças de investigação movimentações bancárias nas contas de pessoas ligadas ao grupo dito criminoso que não condizem com os rendimentos pessoais: Marcos da Cunha Coelho, por exemplo, é pedreiro de profissão, mas movimentou 77 milhões de reais entre 2019 e 2021, segundo apurou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). “O acervo probatório produzido nos autos não deixa dúvidas quanto à condição de “testa de ferro” de Marcos da Cunha Coelho”, conclui o relatório.

Segundo as investigações, Soares fez transações “expressivas” de dinheiro, que “aparentam não condizer com os rendimentos declarados pelo investigado à Receita Federal do Brasil”. “Vale registrar que o apuratório evidenciou ainda que o investigado Hedy Carlos Soares utiliza o nome de terceiros em seus negócios, o que além de demonstrar que seu patrimônio é maior do que o apresentado, indica possível ocultação de bens e lavagem de capitais, sem contar os investimentos realizados em criptoativos”, informa o MP na investigação.

Por fim, o MP levantou ainda repasses financeiros entre Soares e um casal que intermediava a venda de bitcoins – eles são investigados pela polícia por esquemas de pirâmides financeiras. Autoridades encontraram fotos do procedimento investigatório que corre em São Paulo salvas por Soares em suas contas virtuais. Segundo as autoridades, desde dezembro de 2019, o ex-juiz saberia do envolvimento das pessoas a quem repassou recursos “em esquemas fraudulentos”, conforme um relatório assinado pelo MP.

“Táticas de guerrilha”

A “sala de situação” do Batalhão de Polícia Ambiental de Rondônia dentro do Parque Estadual de Guajará Mirim fica num cantinho improvisado do refeitório na ampla casa de madeira com varanda recoberta de tela contra insetos que serve de base para as equipes de plantão. 

Foi nesse cantinho que o tenente-coronel Adenilson Silva Chagas colou um grande mapa na parede e sinalizou com marcadores coloridos os “alvos” da Operação Mapinguari, de desocupação do parque. “Walvernags” e “Baiano” (o apelido de Erivan da Silva Teixeira) são dois desses pontos assinalados no mapa em áreas onde estariam suas fazendas, vizinhas uma da outra.

Capitão Adenilson, do BPA-RO, mostra os alvos da Operação Mapinguari, que iniciou em agosto de 2023 e ainda mobiliza grande efetivo para evitar retorno de grileiros (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)

O mapa foi preparado para acompanhar a desocupação do parque como se fosse uma guerra, com territórios a serem conquistados – no caso, reconquistados pelo estado depois de terem sido invadidos por grileiros. 

Estes, por sua vez, lançaram mão de táticas de “guerrilha”, nas palavras de Chagas, o comandante do Batalhão de Polícia Ambiental e também da Operação Mapinguari, de desocupação do parque. Ele relata eventos como árvores derrubadas propositalmente nas estradas de terra, que impediam a passagem das viaturas (em um caso, precisaram trabalhar a noite toda para serrar os troncos e abrir novamente passagem), emboscadas e ataques a tiros, inclusive com um servidor da Sedam ferido. Em uma ocasião, houve um levante popular para evitar a apreensão de uma máquina que ajudava os invasores a abrir estradas e derrubar a mata.

Sede da fazenda que policiais indicam ser de Walvernags Cotrin Gonçalves – ele, entretanto, não possui registro válido de propriedade nos sistemas públicos
Sede da fazenda que policiais indicam ser de Walvernags Cotrin Gonçalves – ele, entretanto, não possui registro válido de propriedade nos sistemas públicos (Foto: Alessandro Falco/Repórter Brasil)

Walvernags Cotrin Gonçalves seria, segundo as autoridades, um desses invasores insistentes. Ele teve a prisão preventiva decretada depois de ter sido detido em três oportunidades anteriores – em todas, liberado pelo delegado de plantão. “Não bastasse isto, Walvernags inicialmente destruiu e, após, com a inserção de gado, que utilizava parte dessa importantíssima Unidade de Conservação como pastagem, impediu ou ao menos dificultou a regeneração natural de aproximadamente 459,11 hectares de floresta”, registra uma decisão judicial negando sua soltura.

A área antes ocupada por Walvernags, segundo as autoridades, tem sinais visíveis do que seria sua atividade: uma cerca antes destruída pela polícia que ele teria reconstruído, parafusando plaquinhas de metal para unir as partes serradas pela autoridade, pasto plantado, e os bois, que até abril eram vigiados 24 horas por dia pelo batalhão de choque de Rondônia.

“Esta noite ouvimos gente chamando o gado para tentar levar e, uma semana atrás, um drone ficou sobrevoando a área para contar quantos bezerros haviam nascido”, explica o sargento Francinei Mendes, que estava de plantão na tarde em que a Repórter Brasil esteve por lá.

Em abril, o comandante Chagas conseguiu uma autorização judicial para retirar os bois da área. Mobilizou o efetivo, percorreu com o rebanho três quilômetros entre essa área do parque e o curral do invasor, onde estavam esperando os caminhões que levariam os animais para uma entidade assistencial, que os receberia como doação.

Os vaqueiros que conduziram o gado estavam com o rosto coberto para não serem identificados e foi preciso desligar o sistema de câmeras de propriedades do entorno “pois os mesmos temiam pela sua integridade física”, relata o boletim de ocorrência da ação. 

O temor tinha uma razão, segundo o documento: uma tentativa anterior de retirada dos animais havia sido feita ainda em 2023. “Na última hora, a empresa de transportes contratada recuou. O proprietário disse que havia recebido telefonemas com ameaças de morte, caso levasse embora os bois”, lamenta Chagas.

Brasil : Justiça impede ICMBio de retirar ‘bois piratas’ de floresta protegida na Amazônia
Enviado por alexandre em 10/06/2024 09:58:19

Cerca 1.500 cabeças de gado seriam retiradas da Flona do Jamanxim, no Pará, quando pecuarista recebeu decisão favorável de desembargador do TRF1 para reaver os animais; liminar estacionou a operação que previa retirada de até 6.000 bois da floresta
Por Isabel Harari e Diego Junqueira | Edição Carlos Juliano Barros

CERCA DE 1.500 BOIS estavam prestes a ser retirados da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no sudoeste do Pará, onde os animais são criados ilegalmente em uma área da Amazônia  que deveria ser de mata preservada. 

Porém, nesta quarta-feira (22), a Justiça Federal barrou a operação do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão ambiental do governo federal, e permitiu que o pecuarista apontado como infrator retomasse o gado.

A decisão judicial, acessada pela Repórter Brasil, é em caráter liminar (provisório) e foi tomada pelo desembargador Eduardo Filipe Alves Martins, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O processo corre em sigilo.

O magistrado reverteu sentença de 1ª instância que havia negado anteriormente o mesmo pedido do pecuarista Rodrigo da Cruz Pereira. Agora, com a decisão favorável, o fazendeiro tem dez dias para transportar o gado para fora da floresta protegida. O valor do rebanho apreendido supera R$ 4 milhões, estima o órgão ambiental.

O ICMBio, ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, deu início à operação em 3 de abril, quando publicou no Diário Oficial uma notificação para que pecuaristas  retirassem as cabeças dos chamados “bois piratas” em 30 dias.

Como o transporte voluntário dos animais não ocorreu, o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) expediu em 6 de maio uma recomendação para a remoção dos animais.

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A retirada de fato começou na última sexta-feira (17) na Fazenda Ferradura, arrendada por Rodrigo Pereira, mas embargada por desmatamento ilegal. O ICMBio e a Adepará (Agência de Defesa Agropecuária do Pará) cogitaram a possibilidade de destinar parte do gado apreendido para o Rio Grande do Sul, assolado por enchentes históricas. A operação visava remover até 6.000 animais de algumas fazendas da região. A ação, porém, foi bloqueada na primeira fazenda fiscalizada após a liminar judicial.

Na avaliação de uma fonte ligada à operação, que não será identificada, o caso ilustra a dificuldade de combater crimes ambientais na Amazônia. “Estão dando salvo conduto para uma pessoa que está com gado dentro de área embargada. É um salvo conduto para o crime”, critica.

O advogado Pedro Henrique Gonçalves, responsável pela defesa do fazendeiro, diz que está na propriedade acompanhando o transporte dos animais. “Se não fosse a burocracia imposta, conseguiríamos retirar de forma mais eficiente”, afirmou.

Procurado pela Repórter Brasil, o MPF-PA disse que não iria comentar, pois o caso corre em sigilo. Já o ICMBio não respondeu.

Imagens da Fazenda Ferradura, onde o pecuarista Rodrigo da Cruz Pereira criava milhares de animais dentro de uma área que deveria ser de mata preservada. A propriedade fica a apenas 15 km da Fazenda Arara Azul, fora da Flona do Jamanxim, de onde o fazendeiro vendia animais para friogoríficos. Fato levanta suspeita para 'lavagem de gado' (Foto: Reprodução)
Imagens da Fazenda Ferradura, onde o pecuarista Rodrigo da Cruz Pereira criava milhares de animais dentro de uma área que deveria ser de mata preservada. A propriedade fica a apenas 15 km da Fazenda Arara Azul, fora da Flona do Jamanxim, de onde o fazendeiro vendia animais para friogoríficos. Fato levanta suspeita para ‘lavagem de gado’ (Foto: Reprodução)

Apreensão de animais é mais eficiente que multas e embargos

A apreensão de animais criados ilegalmente em áreas de conservação é considerada uma das medidas mais eficazes para coibir crimes ambientais na Amazônia.Segundo o “Protocolo para Retirada de Gado de Áreas Protegidas”, do ICMBio, as multas e os embargos não têm surtido o efeito necessário.

De acordo com o documento, as multas aplicadas por desmatamento raramente são pagas e não costumam atingir seu objetivo. “A apreensão do gado criado ilegalmente nas áreas desmatadas e a retirada de estruturas ligadas a essa atividade tendem a reverter ambas as deficiências, já que promovem uma invariável descapitalização do infrator e, automaticamente, permitem a recuperação ambiental do local”, diz o texto.

O MPF-PA, no documento em que recomenda a operação na Flona do Jamanxim, alerta que há “indícios de um esquema de “lavagem de gado’” na região. O protocolo do ICMBio também alerta para essa suspeita, na qual bois com origem em áreas irregulares são transferidos para locais sem qualquer ilegalidade – e assim misturados com animais criados de forma regular, dificultando o monitoramento.

De acordo com a Procuradoria, esses animais criados ilegalmente em áreas de preservação costumam sujar toda a cadeia de produção de carne, pois acabam vendidos de forma indireta para frigoríficos, que posteriormente vendem a carne para supermercados.

A Repórter Brasil teve acesso a imagens feitas na Fazenda Ferradura que mostram brincos de identificação de animais com o nome de outra propriedade fora da Flona do Jamanxim. É a Fazenda Arara Azul, a apenas 15 quilômetros da área embargada, e apontada como origem de centenas de animais vendidos por Rodrigo da Cruz Pereira, entre 2018 e 2022, segundo dados de trânsito animal obtidos pela reportagem. 

Brincos de identificação da Fazenda Arara Azul, que fica fora da Flona do Jamanxim, foram encontrados dentro da unidade de conservação, em área usada por fazendeiro para criar o 'boi pirata'(Foto: Reprodução)
Brincos de identificação da Fazenda Arara Azul, que fica fora da Flona do Jamanxim, foram encontrados dentro da unidade de conservação, em área usada por fazendeiro para criar o ‘boi pirata'(Foto: Reprodução)

“Não vejo qualquer indício de “lavagem de gado”. Estamos tratando de trabalhadores rurais que estão na região desde a década de 80 e só fazem trabalhar. O único fato que envolve tais personagens, é o fato de serem familiares e atuarem no mesmo ramo de atividade, inexistindo crime”, respondeu Pedro Henrique Gonçalves,  advogado de Pereira, após ser questionado sobre os brincos da Fazenda Arara Azul encontrados dentro da unidade de conservação.

A Procuradoria alega também que há risco sanitário na criação de animais em áreas embargadas e sem registro, situação que não permite o controle e monitoramento adequado dos animais.

Santuário verde cobiçado pelo agronegócio

A Flona do Jamanxim é uma área de 1,3 milhão de hectares situada às margens da BR-163 e cobiçada pelo agronegócio. A rodovia é conhecida como estrada da soja e conecta a zona graneleira do norte do Mato Grosso aos portos exportadores no rio Tapajós. Poucos quilômetros dali está o Parque Nacional do Jamanxim, que está no centro de uma disputa judicial no Supremo Tribunal Federal envolvendo a construção da Ferrogrão – conhecida como “ferrovia da soja”.

Segundo o MPF-PA, a Flona do Jamanxim historicamente figura “como a unidade de conservação federal mais desmatada do país”. Desde 2006, quando foi criada, até 2022, quase 10% da floresta foram destruídos e convertidos em pasto para criação ilegal de gado. 

A Flona do Jamanxim se tornou uma das áreas prioritárias de atuação do ICMBio neste ano, com foco na retirada dos animais. Essa ação se tornou mais frequente nas unidades de conservação da região. Em 2023, mais de 3.000 cabeças foram removidas da Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, segundo o MPF-PA. Tal operação resultou na destinação de mais de 4.200 hectares para recuperação ambiental, além de multas superiores a R$ 24 milhões. 

Na Flona do Jamanxim, só é permitida a exploração sustentável por ribeirinhos e extrativistas, além de atividades de pesquisa. Fazendeiros, porém, alegam que ocupavam a área antes de a reserva ser criada, mas que não receberam indenizações da União para deixarem o local.

Fazenda Ferradura está localizada muito próxima dos limites da Flona do Jamanxim (Imagem: Qgis, Google Satellite, CNFP 2022)
Fazenda Ferradura está localizada muito próxima dos limites da Flona do Jamanxim (Poliana Dallabrida/dados de Google Satellite, CNFP e Qgis de maio de 2024)

No pedido ao TRF1, os advogados de Rodrigo da Cruz Pereira alegam que o pecuarista não é dono da área, mas sim um “terceiro de boa-fé”, que arrenda o imóvel desde 2018 e não tem “conhecimento acerca de possíveis ilegalidades”. Alega também que o dono do imóvel o possui desde 2002.

“Naquela região existem pessoas que estão há décadas em seus imóveis, muito antes da criação da Flona, e o gado ali existente é fruto de uma vida toda“, dizem os advogados.

Em sua decisão, o desembargador Eduardo Filipe Alves Martins entendeu que o pecuarista não teve acesso “ao auto de infração, ao relatório de fiscalização e ao processo administrativo que deu origem à notificação de retirada de gado de sua propriedade/posse, não podendo exercer o contraditório e a ampla defesa”.

“No arrendamento temporário de pastagens, não é usual se verificar a regularidade do imóvel cujos pastos são arrendados, bastando o conhecimento e a concordância de quem se apresenta como seu legítimo possuidor. E não consta, ao menos neste momento processual, que o agravante teria conhecimento de tais embaraços por outros meios”, diz o desembargador.

No entanto, segundo a fonte ligada à investigação, a presença dos brincos da Arara Azul em área situada dentro da Flona é um indício de que o fazendeiro tinha conhecimento de que criava gado ilegalmente em uma unidade de conservação.

O MPF-PA alerta em sua recomendação que “ninguém poderia manter atividades de pecuária em áreas ilegalmente desmatadas no interior da Flona Jamanxim e que isso, por si só, já ensejaria todas as medidas administrativas e criminais previstas em lei”.

* Versão anterior desta reportagem informava, erroneamente, que a Flona do Jamanxim está no centro de uma disputa judicial no STF envolvendo a Ferrogrão. Porém, é o Parque Nacional do Jamanxim que é objeto da ação no Supremo. O texto foi corrigido em 27 de maio de 2024.

Brasil : Ribeirinhos do Amapá vão exportar 10 toneladas de açaí em pó para os EUA
Enviado por alexandre em 07/06/2024 10:20:00

Primeira exportação direta para os Estados Unidos ocorrerá ainda em junho. Amazonbai possui 141 cooperados em comunidades na foz do Rio Amazonas. ... - Veja mais em https://portalamazonia.com/economia/ribeirinhos-do-amapa-vao-exportar-10-toneladas-de-acai-em-po-para-os-eua/
Extrativistas do Arquipélago do Bailique, no litoral do Amapá, trabalham com o manejo florestal comunitário e têm impulsionado a produção de açaí, um dos frutos mais consumidos na Região Norte do país. A cooperativa Amazonbai, que reúne 141 ribeirinhos da região, vai realizar este mês a primeira exportação direta de açaí liofilizado (açaí em pó) para os Estados Unidos (EUA).

De acordo com a cooperativa, a contratação inicial foi de 10 toneladas do produto. A venda para os estadunidenses deve garantir um valor de até R$ 2,4 milhões por mês aos ribeirinhos.
Pacote de açaí em pó, mostrado por Amiraldo PIcanço, presidente da Amazonbai — Foto: Rafael Aleixo/g1
Foto: Rafael Aleixo/g1 Amapá

    “É um produto novo que a gente tá lançando no mercado com inovação, tecnologia e buscando agregação de valor pro nosso produto. Ele é bem procurado na indústria de cosméticos e farmacêuticos como incapsulados, por exemplo”, descreveu Amiraldo Picanço, presidente da Amazonbai.

A produção é transportada do Bailique por cerca de 12 horas em uma embarcação até a cidade de Macapá. Depois, o produto é levado em um veículo até a fábrica da Amazonbai, onde ocorre o processo de branqueamento.
Açaí em pó, produzido pela Amazonbai, no Amapá — Foto: Amazonbai/Divulgação
Foto: Divulgação/Amazonbai

A extrativista Simone Lobato Calandrini, de 31 anos, é uma das cooperadas e disse estar feliz com a produção deste ano. Ele descreveu que coleta o fruto desde a adolescência e contou que o trabalho tem garantido o sustento da família.

    “A produção do açaí é muito boa. No começo eu tinha bastante dificuldade de subir, porque eu me apertava muito no açaizeiro e arranhava meu braço. Mas agora consigo subir e até pegar os cachos de dois açaizeiros”, disse a extrativista.

Simone Lobato Calandrini, extrativista no Bailique — Foto: Rafael Aleixo/g1
Foto: Rafael Aleixo/g1 Amapá

A cooperativa já possui o selo internacional FSC de Manejo Florestal e Cadeia de Custódia, que é uma certificação pioneira para a cultura do açaí.

*Por Rafael Aleixo, do g1 Amapá ... - Veja mais em https://portalamazonia.com/economia/ribeirinhos-do-amapa-vao-exportar-10-toneladas-de-acai-em-po-para-os-eua/

Brasil : Pesquisador do Museu Goeldi participa de pesquisa que descobriu 3 novas espécies de cobras corais
Enviado por alexandre em 07/06/2024 10:15:17

Em estudo publicado na revista científica Systematics and Biodiversity, pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, do Steinhardt Museum of Natural History e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, apresentam três novas espécies de cobras corais do gênero Micrurus, distribuídas pelas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, em partes da Mata Atlântica e da Caatinga.

Micrurus bonita, Micrurus janisrozei e Micrurus anibal foram os nomes dados pelos pesquisadores às novas espécies de cobras corais. Micrurus bonita é uma homenagem à ‘Maria Bonita’, personagem histórica do cangaço e símbolo da cultura nordestina brasileira.

Micrurus janisrozei homenageia o biólogo e especialista em cobras corais Janis A. Roze e a Micrurus anibal faz uma homenagem em memória de Anibal Rafael Melgarejo Gimenez, herpetólogo e toxicologista uruguaio radicado no Brasil que contribuiu para os estudos das cobras brasileiras, especialmente as cobras corais.

A descoberta é resultado da pesquisa de doutorado de Lywouty Nascimento, sob a orientação da Dra. Ana Lúcia Prudente, do Laboratório de Herpetologia do Museu Goeldi.

Leia também: Entenda a diferença entre as cobras coral-verdadeira e falsa-coral

A publicação também conta com as contribuições de Roberta Graboski, que atualmente realiza suas pesquisas no Laboratório de Herpetologia no Steinhardt Museum of Natural History, na Universidade de Tel Aviv e Nelson Silva Jr., do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais e Saúde, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Abordagem integrativa

Tradicionalmente, os estudos taxonômicos, responsáveis pela descoberta e descrição de novas espécies de seres vivos, são baseados em evidências morfológicas, isto é, a partir da análise acurada da forma e da estrutura dos organismos.

As características morfológicas desempenham um papel fundamental em diagnosticar a diversidade de espécies, como as cobras corais, todavia, para tornar ainda mais aprimorada a descrição de novas espécies, os pesquisadores do Museu Goeldi destacam a necessidade de uma abordagem integrativa, agregando outros tipos de análises para alcançar uma delimitação taxonômica mais precisa e minuciosa do gênero.

Segundo a publicação, algumas serpentes classificadas como sendo a Micrurus ibiboboca já foram confundidas com outras cobras corais do nordeste brasileiro devido às similaridades nos seus padrões de cor e no formato das suas escamas cefálicas, o que torna a identificação morfológica mais difícil e leva ao aumento de ocorrências de erros taxonômicos.

Para se ter uma ideia, atualmente o grupo de cobras Micrurus possui mais de 80 espécies reconhecidas e distribuídas geograficamente desde o sudeste dos Estados Unidos até o sul da América do Sul. No Brasil, 38 espécies já foram identificadas como sendo pertencentes a este grupo. Agora, com a nova descoberta, mais três espécies, até então confundidas com a Micrurus ibiboboca, passam a compor esse quantitativo. Como abordagem integrativa, além da análise morfológica, os pesquisadores também realizaram análises moleculares para chegar ao resultado da pesquisa.

Estudos taxonômicos incluindo conjuntos de dados moleculares são essenciais para avaliar e inferir de maneira mais acurada a diversidade do gênero Micrurus, e são uma poderosa ferramenta taxonômica para identificar e descobrir novas espécies.
Coleções científicas

    “As coleções servem de base para os estudos sistemáticos e taxonômicos. A descrição de uma nova espécie passa pelo processo de análise comparativa de espécimes preservados nas coleções científicas”, explica a Drª Ana Lúcia Prudente.

Os pesquisadores construíram um conjunto de dados geográficos com 492 amostras de 130 localidades para as espécies que fazem parte do grupo da Micrurus ibiboboca. Foram incluídos espécimes examinados em coleções científicas e utilizados apenas exemplares cuja identificação e origem foram confirmados. Para realizar este estudo, a equipe de pesquisadores visitou coleções herpetológicas de diferentes instituições científicas do Brasil, Estados Unidos, França e Reino Unido.

Ana Lúcia Prudente pontua que, “ao comparar esse material da Caatinga e da Mata Atlântica, observamos diferenças significativas no padrão de cor. Isso nos levou a uma investigação mais aprofundada de outros complexos de caracteres, incluindo as moléculas”.

Por meio de análises nas amostras das coleções, os pesquisadores descobriram que as diferenças significativas nos padrões de cores das populações de Micrurus ibiboboca estavam relacionadas à cor do focinho, número e comprimento dos anéis triadais e no padrão de cores dos primeiros anéis brancos das tríades (uma sequência de três anéis pretos, separados por dois anéis brancos e intercalados por dois anéis vermelhos).

Os resultados demonstram a importância das coleções científicas para os identificação de novas espécies e análise contínua da diversidade biológica. Além disso, evidenciam que as regiões da Mata Atlântica e Caatinga são áreas de alta biodiversidade, com incidência de espécies endêmicas e ameaçadas, o que chama a atenção para a necessidade fundamental de preservação desses biomas.

    “Infelizmente não se sabe o status de conservação dessas espécies, pois a descoberta é a primeira parte desse processo. E cada espécie descoberta apresenta um potencial único, mostrando também o próprio potencial de biomas como a Mata Atlântica e a Caatinga em relação à descoberta de novas espécies”, destaca o pesquisador Lywouty Nascimento.

Muitas espécies do próprio gênero Micrurus ainda permanecem pouco conhecidas, com várias linhagens divergentes incluídas em complexos de espécies. Dados do Sistema de Alertas de Desmatamento da Mata Atlântica – SAD, evidenciaram uma queda contínua no desmatamento do bioma no ano passado, mas apesar desse registro, ainda assim a área desmatada entre janeiro e agosto de 2023 foi de 9.216 hectares.

Segundo Lywouty, “em um ambiente cada vez mais degradado, a gente perde a biodiversidade. Mas a pesquisa mostra que mesmo com toda a degradação que a Mata Atlântica sofreu e ainda sofre, ainda há espécies novas a serem descobertas”.

*Com informações do Museu Goeldi
 ... - Veja mais em https://portalamazonia.com/meio-ambiente/pesquisador-do-museu-goeldi-participa-de-pesquisa-que-descobriu-3-novas-especies-de-cobras-corais/

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