O Ministério da Educação (MEC) divulgou na última quarta-feira (22) os dados mais recentes sobre o ensino básico no país. O panorama dos desafios para esta etapa da formação dos estudantes brasileiros foi desenhado pelo "Censo Escolar da Educação Básica 2023" e contou ainda com dados da "Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016-2023 (PNAD)", realizada pelo IBGE.
Os dados mostram que 8,8 milhões de brasileiros de 18 a 29 anos não terminaram o ensino médio e não frequentam nenhuma instituição de educação básica, segundo informações coletas pela PNAD Contínua.
Considerando todas as faixas etárias, são 68.036.330 cidadãos sem a escolarização básica no país.
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Segundo resultados do Censo Escolar, os seguintes fatores sinalizam um alerta para que brasileiros continuem fora da escola:
Na EJA, o número de adultos matriculados caiu 7% de 2022 a 2023.
O ensino médio é "campeão" de evasão escolar, afirma o ministro da Educação, Camilo Santana. De acordo com o Censo, de 2020 a 2021, 7% dos alunos do 1º ano desistiram dos estudos e 4,1% foram reprovados.
Segundo os especialistas, a reprovação é um dos fatores que levam o aluno a abandonar a educação básica. Em 2022, após o fim das políticas de aprovação automática adotadas por estados na pandemia, os índices de retenção voltaram a crescer. Nos anos finais do ensino fundamental (5º ao 9º ano), 7,9% dos estudantes foram reprovados, e no ensino médio, 13,4%.
Em 2023, no 6º ano do ensino fundamental, 15,8% dos estudantes não tinham a idade adequada (porque foram reprovados, por exemplo, ou porque abandonaram o colégio em algum período). Esse é mais um fator que pode aumentar o risco de, futuramente, o jovem interromper os estudos.
"Não queremos deixar ninguém para trás. Queremos reverter a tendência de o jovem precisar ir para a EJA lá na frente", diz Santana.
Ele reforçou que esse é o objetivo do Programa Pé-de-Meia, que dará um incentivo financeiro para os alunos de baixa renda que estiverem matriculados no colégio.
Para Ivan Gontijo, gerente de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação, a necessidade de ingressar no mercado de trabalho, a estrutura defasada do "antigo" ensino médio e as lacunas de aprendizagem são outros fatores que levam o jovem a sair precocemente da escola.
"A discussão de por que abandonaram os estudos tem muita a ver com a experiência que tiveram no colégio. As taxas de evasão são maiores no 1º ano, exatamente quando o aluno começa outro ciclo e encontra mais disciplinas, mais professores e um currículo muito grande", afirma Gontijo.
"O novo ensino médio [já em vigor] tem muitos problemas e precisa ser 'reformado', mas é importante que essa flexibilidade curricular seja mantida."
Por outro lado, há números que apresentam uma perspectiva de redução na evasão escolar:
A educação em tempo integral, uma das apostas do governo Lula para diminuir os índices de desistência, registrou um aumento no percentual de matrículas no ensino médio: de 20,4% para 21,9% na rede pública e de 9,1% para 11% na rede privada. Na média geral, 1 a cada 5 alunos brasileiros do ensino médio estuda em tempo integral.
"Todos os estudos e evidências já mostraram que uma escola de tempo integral que amplie o projeto de vida do aluno -- que tenha apoio psicológico e na área esportiva -- é uma escola que diminui abandono e evasão", afirma o ministro.
O ensino técnico, seja nos colégios ou após a formação da educação básica, cresceu significativamente: em um ano, as matrículas saltaram 12% e chegaram a 2.413.825. É mais uma tentativa de atrair o jovem para os estudos.
Considerando apenas o ensino técnico integrado ao ensino médio (ou seja, oferecido pela escola), há 782.129 alunos matriculados.
Camilo Santana anunciou também que pretende promover um programa que una a EJA e o ensino técnico: adultos e idosos poderão retomar os estudos com uma modalidade escolar que seja profissionalizante.
Para Gontijo, do Todos Pela Educação, outra iniciativa importante seria pagar quantias maiores no Pé-de-Meia para os alunos de tempo integral. "Muita gente de baixa renda acaba não se matriculando nessas escolas, porque precisa trabalhar. Na periferia, as vagas nos colégios integrais ficam mais ociosas. Seria interessante dar valores maiores para esses alunos", afirma.
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Creches retomaram crescimento, mas meta segue distante
Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) era atingir o índice de, no mínimo, 50% das crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches em 2024. A etapa, apesar de não ser obrigatória, traz benefícios para o desenvolvimento infantil e oferece a oportunidade de as mães voltarem ao mercado de trabalho após a gestação.
Segundo os números do Censo, o Brasil ainda está distante do objetivo, apesar de registrar uma melhora: em 2022, 36% dos alunos dessa faixa etária estavam na escola; em 2023, o patamar saltou para cerca de 41%.
"Foi a etapa que mais sofreu na pandemia", afirma Carlos Moreno, diretor de estatísticas educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). "Agora, voltamos a crescer, e de forma bastante expressiva. Ultrapassamos os 4,1 milhões de alunos na creche."
Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, explica que a creche é um direito da criança previsto na Constituição de 1988. O ideal seria, portanto, prever não só a meta dos 50%, e sim uma realidade em que toda família que queira matricular o aluno encontre uma vaga.
"Cada município tem um contexto diferente. Nos grandes centros urbanos, provavelmente [o índice de] 50% das crianças na creche não seria suficiente, pois a demanda é muito maior do que isso", diz a especialista.
A estrutura das escolas de educação infantil (creches e pré-escolas) também necessita de investimentos, mostra o Censo:
menos da metade (41,8%) tem materiais para atividades artísticas;
57,7% oferecem banheiros adequados para as crianças;
apenas 6,7% têm quadra de esportes.
"Como garantir a qualidade da educação e o consequente desenvolvimento infantil se há falhas em ambientes básicos, como banheiros, quadras e materiais adequados? Não basta expandir, é preciso qualificar", afirma Luz.
Distorção idade-série: quantos alunos estão na etapa correta?
Como dito no início da reportagem, em 2023, no 6º ano do ensino fundamental, 15,8% dos estudantes não tinham a idade adequada (porque foram reprovados, por exemplo, ou porque abandonaram o colégio em algum período).
O maior percentual da distorção idade-série foi identificado entre alunos do 6º ano da educação indígena: 39,1%. Em seguida, estão a educação especial (36,4%) e a quilombola (28,4%). A menor taxa de inadequação estava entre os estudantes brancos (9,6%).
Entre os estados, Amapá (32,4%), Pará (31,7%) e Rio Grande do Norte (29,6%) apresentaram os maiores índices de distorção. Já aqueles com as menores taxas foram São Paulo (5,9%), Ceará (7,4%) e Mato Grosso (8,3%).
Escolas públicas perderam 500 mil alunos em um ano, enquanto rede privada cresceu
Em relação a 2022, houve uma ampliação de 4,7% das matrículas em escolas privadas (cerca de 423 mil novos alunos). Já a rede pública encolheu: houve uma redução de mais de 500 mil alunos nesse período.
Provavelmente, segundo Gontijo, o que aconteceu foi o seguinte: esses estudantes que entraram nas escolas particulares em 2023 tinham migrado para as públicas em 2020-2021, durante a crise financeira na pandemia de Covid-19. Agora, os familiares voltaram a poder pagar as mensalidades.
Para Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec (ONG que atua com projetos focados na educação pública), a retomada do crescimento da rede privada de educação só reforça a importância da educação pública de qualidade.
“A escola pública tem qualidade, o grande desafio é fazer com que essa qualidade seja igual para todo mundo.”
Fonte: G1