Contrariando expectativas iniciais, o ano de 2023 caminha para ser o mais quente já registrado da história.
Os oceanos ficaram mais quentes, o gelo da Antártica nunca esteve tão reduzido e eventos climáticos extremos atingem todos os continentes, sendo o mais recente a onda de calor no Brasil, sobretudo nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Sabe-se há muito tempo que as temperaturas continuarão a subir à medida que os humanos continuarem a liberar quantidades recordes de gases de efeito de estufa que aquecem o planeta, como o dióxido de carbono (CO?), principalmente através da queima de combustíveis fósseis.
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Essa é a principal causa do aquecimento global.
Mas há outros fatores que podem explicar o aumento das temperaturas globais particularmente neste ano.
O fenômeno climático, amplamente conhecido dos brasileiros, está por trás das altas temperaturas registradas neste ano.
Durante o El Niño, as águas superficiais mais quentes no leste do Pacífico liberam calor adicional na atmosfera, o que leva a um aumento nas temperaturas atmosféricas globais.
Esse fenômeno vem se fortalecendo neste ano, embora não tenha atingido o pico de 2016.
Apesar disso, espera-se que se intensifique nos próximos meses.
O El Niño de 2023 pode estar liberando ainda mais calor do que os anteriores, porque o mundo já tinha estado numa fase fria prolongada — um fenômeno climático oposto, conhecido como La Niña.
O La Niña manteve as temperaturas globais sob controle durante um período consideravelmente longo, uma vez que menos calor escapou da superfície do mar para a atmosfera.
Mas, durante esse período, os oceanos continuaram a absorver quantidades recordes de calor, parte do qual está agora finalmente sendo liberado para a atmosfera.
Normalmente, os cientistas esperam um atraso de cerca de três meses entre a intensidade máxima do El Niño e o pico da temperatura global do ar, explica Zeke Hausfather, cientista climático da Berkeley Earth, uma organização científica sediada nos EUA.
Mas as temperaturas do ar aumentaram muito mais rapidamente durante este El Niño do que nos anteriores, e ainda nem atingiram a sua força total.
Como diz Hausfather, "este El Niño é estranho".
A redução de alguns poluentes atmosféricos — destinados a limpar o ar que os humanos respiram — pode, na verdade, ter uma consequência indesejada para o aquecimento.
Isso ocorre porque algumas pequenas partículas transportadas pelo ar, conhecidas como aerossóis, como sulfato ou poeira, tendem a refletir parte da energia do Sol de volta ao espaço.
Geralmente, isso esfria a superfície da Terra.
As contribuições para o aquecimento de 2010-2019 em comparação com os níveis de 1850-1900 são dominadas pelos gases com efeito de estufa (cerca de +1,5?°C) e parcialmente compensadas por outros fatores humanos como os aerossóis (cerca de -0,4?°C), originando um aquecimento global de cerca de 1,1?°C. A variabilidade natural é muito menos significativa.
As regulações introduzidas em 2020 para incentivar combustíveis marítimos mais limpos reduziram em cerca de 10%.as emissões globais de dióxido de enxofre (SO?), um poluente atmosférico nocivo para os humanos respirarem.
Mas isso parece ter aumentado as temperaturas, especialmente em pontos críticos de navegação como o Atlântico Norte.
"Vimos rapidamente, a partir dos dados de satélite, que menos luz solar estava sendo refletida e mais luz solar estava sendo absorvida pelos oceanos", explica Leon Simons, pesquisador climático do grupo Clube de Roma.
Nem todos os cientistas concordam sobre a importância dos aerossóis para explicar os recordes de temperatura de 2023.
"É difícil argumentar que a regulamentação [do novo combustível para transporte] em 2020 criaria um salto repentino em 2023 que não vimos em 2022", argumenta Hausfather.
Foto: Reprodução
Em janeiro de 2022, ocorreu uma enorme erupção do vulcão subaquático Hunga Tonga-Hunga Ha'apai, no arquipélago de Tonga, no Pacífico.
A pluma vulcânica atingiu uma altura "inédita" de 55 km acima da superfície da Terra e desencadeou fluxos recordes de detritos subaquáticos.
Importante para o clima, também liberou cerca de 150 milhões de toneladas de vapor de água na estratosfera. O vapor de água é um gás de efeito estufa, como o dióxido de carbono —, podendo ter contribuído para o aquecimento.
Os estudos até agora indicam que a erupção pode ter tido apenas um efeito limitado nas temperaturas globais do ar, talvez inferior a 0,05 °C. Mas os cientistas continuam tentando estabelecer o seu impacto total.
O gelo marinho que rodeia a Antártica está bem abaixo de qualquer nível de inverno registrado anteriormente, segundo dados de satélite em setembro.
O gelo marinho do Ártico está em declínio há muito tempo, mas até 2017 contrariou em grande parte as previsões e permaneceu relativamente estável. Isso pode estar mudando agora, com consequências para as temperaturas globais.
Quanto menos áreas de gelo brilhante e reflexivo, mais energia do Sol é absorvida pela superfície mais escura do oceano. Por sua vez, isso acelera o aquecimento.
"A preocupação é que a Antártica esteja imitando o Ártico", funcionando “como um radiador e não como um refrigerante”, exemplifica Martin Siegert, do Instituto de Pesquisa Grantham sobre a Mudança Climática e o Meio Ambiente, ligado à Universidade Imperial College, em Londres, no Reino Unido.
Não está claro se as mudanças na Antártica contribuem para o calor de 2023 ou são uma consequência dele.
Mas elas indicam como o aquecimento poderá acelerar no futuro, assinala Siegert.
Embora a taxa de aquecimento pareça ter acelerado nas últimas décadas, ainda não excedeu de forma consistente a gama de temperaturas possíveis que os cientistas esperavam dos modelos climáticos.
Isso proporciona alguma garantia de que o mundo ainda não entrou numa nova fase de alterações climáticas descontroladas.
No entanto, um grupo de importantes cientistas climáticos alertou recentemente que o clima poderá mudar mais rapidamente do que o esperado no futuro.
Eles consideram que o clima ainda não respondeu plenamente aos gases com efeito de estufa já emitidos.
Uma razão para isso poderia ser o efeito de resfriamento artificial dos aerossóis, que deixa mais aquecimento "em fase de preparação" do que se pensava anteriormente, argumentam.
Nem todos os cientistas concordam com essa opinião, mas os impactos climáticos devastadores que estão sendo sentidos atualmente destacam os desafios que o mundo já enfrenta.
Às vésperas da cúpula climática COP28, no fim deste mês, isso "deveria realmente estimular ações para acelerar a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis", explica Lili Fuhr, do Centro de Direito Ambiental Internacional, em Washington DC, nos Estados Unidos.
"Não precisa ser pior do que esperávamos para ser um enorme problema com o qual a sociedade precisa lidar urgentemente", diz Hausfather.
"A mudança climática é tão ruim quanto esperávamos. E isso já é ruim o suficiente."
Fonte: BBC