Denúncias de extrativistas do Acre derrubam esquema bilionário de grilagem ligado a condenado por morte de Dorothy Stang
Operação Terra Prometida revelou destruição de 598 hectares na Floresta do Antimary; quatro envolvidos foram condenados pela Justiça Federal, incluindo Amair Feijoli da Cunha
A morte da missionária foi encomendada por Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão. Amair Feijoli da Cunha, o Tato, foi condenado a 18 anos de prisão como intermediário do crime. Foto: captada
Um dos maiores esquemas de grilagem e destruição ambiental da Amazônia começou a ser desmontado a partir de denúncias de extrativistas da Floresta Estadual do Antimary, em Sena Madureira. As queixas sobre ameaças, ocupações ilegais e desmatamento acelerado em glebas públicas federais no Acre deram origem a investigações que culminaram na condenação de quatro envolvidos pela Justiça Federal – entre eles Amair Feijoli da Cunha, já condenado pelo assassinato da missionária Dorothy Stang em 2005.
Os moradores tradicionais relataram que posseiros da Fazenda Canaã, dentro da área do Antimary, promoviam intenso desmatamento para abertura de pastos e intimidavam famílias extrativistas.
A ação criminosa devastou 598 hectares de floresta – equivalente a quase 600 campos de futebol – causando prejuízo ambiental estimado em R$ 18 milhões. As denúncias acreanas foram o estopim da Operação Terra Prometida, que posteriormente se conectou à Operação Xingu para desarticular um esquema ainda maior no sul do Amazonas.
Amair Feijoli da Cunha (também conhecido como Tato), que foi condenado a 18 anos de prisão pela morte da missionária Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005, em Anapú, no Pará. Foto: captada
600 campos de futebol desmatados
Fares Feghali, delegado regional de Polícia Judiciária, disse que o resultado foi efetivo e destacou que o grupo agia de forma criminosa na região.
“Hoje acreditamos que tivemos resultados efetivos no combate a grupos criminosos que vinha fazendo grilagem e devastação de terras da União e devastação do meio ambiente, com importante resultados, tirando de circulação, com medidas preventivas, pessoas de alta periculosidade, então os trabalhos de hoje foram muitos efetivos com relação a grilagem de terra, desmatamento que vem ocorrendo no estado do Norte e acreditamos que foi bem satisfatório”, disse.
Os crimes ambientais foram detectados nas terras que Feijoli ocupa no Antimary e nas duas fazendas que ele comprou em Lábrea (AM). Foto: captada
Do Antimary ao sul do Amazonas: o esquema revelado
A Operação Xingu comprovou que o grupo atuava entre os dois estados, envolvendo um grileiro, pecuaristas e um técnico responsável por “esquentar” propriedades no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e no Cadastro Ambiental Rural.
Localização da área de estudo na Floresta Estadual do Antimary em imagem Landsat-8/OLI de 09/09/2016 na composição RGB 654. Foto: capada
No sul do Amazonas, o esquema destruiu cerca de 800 hectares de floresta apenas em 2022, ampliando o rastro de devastação iniciado no Acre.
Condenados
A Justiça Federal sentenciou:
Amair Feijoli da Cunha – 9 anos de prisão + 220 dias-multa
Patrick Coutinho da Cunha – 12 anos e 8 meses + 214 dias-multa
José Admir Ferreira – 12 anos e 9 meses + 190 dias-multa
Alexandre Alcantra Costa – 6 anos e 4 meses + 130 dias-multa
Para reparação dos danos, o valor mínimo fixado foi de R$ 20,71 milhões.
As sentenças ainda não são definitivas e podem ser avaliadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Feijoli foi preso em agosto de 2023 pela Polícia Federal por conta dos crimes atribuídos a ele e ao grupo. Em novembro de 2022, uma decisão da Justiça Federal havia determinado que ele saísse das terras em um prazo de 60 dias. Foto: captada
Amair Feijoli da Cunha, condenado por envolvimento na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, sofreu uma nova sentença, agora por crimes ambientais. Conforme decisão da Justiça Federal do Amazonas, do último dia 10, ele terá que cumprir 9 anos de prisão. Cabe recurso e ele poderá recorrer em liberdade.
Conforme investigação, na qual Feijoli chegou a ser preso, ele ocupou terras públicas dentro da Floresta Estadual do Antimary, unidade de conservação de responsabilidade do Acre e também estava com duas terras em Lábrea (AM).
Conforme o advogado Danilo Gonçalves de Campos, que representa Feijoli e o filho, os condenados seguirão em liberdade enquanto os recursos são julgados.
Morte de missionária americana no Pará completará 21 anos em fevereiro 2026
O dia 12 de fevereiro de 2005 marcou a história dos conflitos agrários no Pará. Foi nesta data que a missionária Dorothy Stang foi assassinada em Anapu, sudoeste do Pará. A vítima relatava que sofria ameaças e, segundo pessoas próximas da religiosa, sua morte estava anunciada: o clima era tenso na região e, no dia do crime, Dorothy tinha um encontro marcado com agricultores da região. “Eu pedi a ela que não fosse para a reunião, eu sabia que aquilo poderia ser uma cilada”, relembra o procurador Felício Pontes Jr, do Ministério Público Federal.
Dorothy Stang foi morta em Anapu no dia 12 de fevereiro de 2005. Cinco réus foram julgados por envolvimento no caso. Foto: captada
Dorothy Stang foi morta com seis tiros pelo pistoleiro Rayfran das Neves Sales. A repercussão internacional do caso deu visibilidade para conflitos de terra na Amazônia. Na época, a ministra do meio ambiente, Marina Silva, esteve na região e deslocou um aparato policial para as investigações. As polícias civil e federal iniciaram uma caçada para prender os suspeitos. Rayfran foi detido 3 dias após o crime.
O repórter da Rede Globo, Jonas Campos, acompanhou a prisão dos acusados e fez uma entrevista exclusiva com Vitalmiro Bastos de Moura, um dos mandantes do crime. “Nesta entrevista ele caiu em contradição em vários momentos, e deixou claro que escondia alguma coisa”, relembra Jonas. “Me lembro de uma frase emblemática do bispo de Altamira, que declarou ‘aqui quem manda é a lei do .38, é a lei da bala’ durante o velório da missionária”, conta.
Dorothy Stang era de uma congregação católica. Ela veio para o Brasil em 1966. Nasceu em Ohio, nos Estados Unidos, mas decidiu ser cidadã brasileira. Foi naturalizada e passou a morar na Amazônia. Em Anapu, conheceu o drama do pequeno agricultor, sem terra para trabalhar. Virou uma liderança na luta pela reforma agrária e começou a incomodar madeireiros, fazendeiros e grileiros da região.
“É justamente aí que as pessoas envolvidas no crime começaram a alertar que se ela desenvolvesse esse trabalho que estava desenvolvendo, com certeza, muitas terras retornariam para a união e aí começou a ser planejada a morte dela”, avalia o promotor Edson Cardoso, que atuou em julgamentos contra os acusados do crime.
Dorothy coordenava projetos de uso sustentável da floresta em áreas de assentamento do Incra onde, segundo o MPF, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura possuia títulos de terra ilegais. “Todos aqueles documentos que tinham sobre aquela terra, eles apareceram depois que a irmã Dorothy e seus comunitáriosse estabeleceram na região”, disse Felício Pontes.
“Naquela época nós ainda éramos líderes no Brasil, o estado de maior grilagem de terras. Se todos os ocupantes de registros de terra fossem para as suas terras, nós precisaríamos de 3 “Parás”, avalia.
Condenações
Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão, apontados como mandantes do crime, foram condenados a 30 anos de prisão. Bida sentou quatro vezes no banco dos réus. Ele teria oferecido R$ 50 mil pela morte da missionária. Amair Feijoli da Cunha pegou 18 anos de cadeia por ter contratado os pistoleiros Rayfran e Clodoaldo Carlos Batista. A pena de Rayfran foi de 28 anos, e Clodoaldo foi sentenciado a 17. Os julgamentos começaram um ano após os assassinatos, em 2006.
Condenado pela morte de Dorothy Stang e o filho são presos em operação da PF-AC contra crimes ambientais. Foto: Arquivo pessoal
“Eu não tenho conhecimento, no estado do Pará, hoje de morosidade ou de algum crime no campo que falte julgamento. O que acontecia anteriormente era que nós tínhamos uma carência de juízes nas comarcas e, com esse avanço do judiciário, dos 144 municípios nós temos mais de 120 comarcas”, avalia o juiz do caso, Moisés Flexa.
Justiça
Para as entidades que defendem os direitos humanos, muito ainda precisa ser feito para diminuir os problemas no campo – mas as condenações dos réus foram consideradas uma vitória contra a impunidade. “A partir deste marco, desta luta, as pessoas passaram a acreditar que é sim possível julgar, levar ao banco dos réus, homens poderosos, ricos e condená-los como foi feito no caso Dorothy”, destaca Dinailson Benassuly, do comitê Dorothy.
“Nenhuma lutador pela justiça e pela vida, ou mártir, morreu em vão. Essel egado jamais será esquecido e vai se transformando em uma consciência da mesma causa pela qual ela lutou, junto aos que hoje estão em Anapu e em outros lugares”, avalia o padre Paulinho, da Comissão Pastoral da Terra.
Esquema de grilagem e desmatamento que começou a ser investigado no Acre resulta em penas superiores a 40 anos de prisão. Foto: captada



