AtlasIntel: 80% dos moradores de favelas no Brasil e 87% no Rio aprovam chacina

Publicado em: 31/10/2025 15:29
Policiais durante megaoperação que resultou em massacre no Rio. Foto: Jose Lucena/Estadão Conteúdo

Uma pesquisa da AtlasIntel divulgada nesta sexta (31) revelou que 8 em cada 10 moradores de favelas no Rio de Janeiro aprovam a megaoperação policial realizada nos complexos da Penha e do Alemão. A ação, considerada a mais letal da história do país, deixou 121 mortos, incluindo quatro policiais, e mobilizou cerca de 2.500 agentes das polícias Civil e Militar.

De acordo com o levantamento, 87,6% dos moradores de comunidades cariocas disseram aprovar a operação, 12,1% a desaprovaram e apenas 0,3% não souberam ou não quiseram responder.

Entre os demais cariocas, a aprovação foi de 55%, enquanto 40,5% desaprovaram a ação e 4,5% não responderam. A diferença de percepção evidencia a distância entre as experiências de quem vive nas favelas e o restante da população em relação à presença do Estado e ao enfrentamento da criminalidade.

Em âmbito nacional, o cenário se repete: 80,9% dos moradores de comunidades em todo o país aprovaram a megaoperação, contra 19,1% que a desaprovaram. Já entre os brasileiros que não vivem em favelas, o apoio caiu para 51,8%, enquanto a desaprovação chegou a 45,4%.

Foto: Reprodução

A operação, batizada de “Contenção”, teve como alvo o Comando Vermelho (CV), facção que domina o tráfico em parte das comunidades do Rio. O objetivo era cumprir cerca de 100 mandados de prisão, incluindo 30 contra líderes de outros estados, e desarticular a estrutura de comando da organização criminosa.

Durante a ação, houve confrontos intensos e relatos de cenas de guerra em diversas regiões do Rio. Segundo a Polícia Civil, 113 pessoas foram presas — entre elas, Thiago do Nascimento Mendes, o “Belão”, apontado como braço direito de Edgar Alves de Andrade, o “Doca”, principal líder do CV, que conseguiu escapar.

Foram apreendidas 118 armas, incluindo 91 fuzis, além de pistolas e artefatos explosivos. O governo do estado classificou a operação como “um sucesso”, enquanto entidades de direitos humanos e a ONU pedem investigações independentes para apurar possíveis execuções e excessos cometidos pelas forças de segurança.

Chacina: ONU acusa polícia do Rio de “limpeza social” e pede investigação a Lula

Corpos de homens que morreram durante operação no Rio de Janeiro. Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

Relatores da Organização das Nações Unidas enviaram uma carta ao governo do presidente Lula expressando “grande preocupação” com a operação policial realizada nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro. O grupo pediu uma investigação “imediata, independente e minuciosa” para garantir a responsabilização dos envolvidos e a proteção de testemunhas, familiares e defensores de direitos humanos.

O documento afirma que as mortes registradas durante ações policiais no Brasil “são generalizadas e sistemáticas, funcionando como uma forma de limpeza social contra grupos marginalizados”. Os especialistas alertam que a violência policial atinge de forma desproporcional comunidades negras e periféricas e pode configurar “homicídios ilegais”.

Na carta, os representantes da ONU pedem que o Brasil adote medidas emergenciais, suspenda operações que resultem em uso excessivo da força e preserve provas que possam ser usadas em investigações futuras. “As autoridades devem garantir exames forenses independentes, em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos”, diz o texto.

Os relatores também relataram denúncias de corpos encontrados com as mãos amarradas e ferimentos na nuca, além de invasões de domicílios sem mandado judicial, prisões arbitrárias e uso de helicópteros e drones para disparos. Segundo o grupo, esses elementos indicam um padrão de violência institucional.

Agentes da Polícia Civil durante megaoperação que resultou em massacre no Rio. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Outra preocupação destacada foi a tentativa do governo do Rio de Janeiro de investigar familiares e moradores que ajudaram a recolher os corpos após os confrontos. “Estamos particularmente preocupados com as represálias contra as famílias e testemunhas. As autoridades devem garantir sua vida, segurança e integridade pessoal”, afirmaram.

Os especialistas reforçaram que o Brasil vem sendo alvo de críticas recorrentes por parte de organismos internacionais devido ao uso excessivo da força policial. “Este trágico acontecimento ressalta a necessidade urgente de o Brasil reformar suas políticas de segurança, que continuam a perpetuar um modelo de violência policial brutal e racializada”, diz a carta.

O documento é assinado por cinco relatores e membros de mecanismos de direitos humanos da ONU, entre eles Akua Kuenyehia, Tracie Keesee e Victor Rodriguez, do Mecanismo Internacional de Justiça Racial; Bina D’Costa, do Grupo de Trabalho sobre Pessoas Afrodescendentes; e K.P. Ashwini, relatora sobre Racismo e Discriminação Racial.

Arsenal do CV tinha fuzis desviados dos exércitos da Venezuela, Argentina, Peru e Brasil

Fuzis apreendidos em megaoperação feita nos complexos da Penha e do Alemão na última terça-feira (28). Foto: Leslie Leitão/TV Globo

O arsenal de 91 fuzis do Comando Vermelho (CV), apreendido na megaoperação policial realizada na última terça-feira (28) nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, revelou a presença de armamentos que pertenceram às Forças Armadas da Venezuela, Argentina, Peru e do próprio Brasil.

Segundo a Polícia Civil, as insígnias e os detalhes gravados nos fuzis estão ajudando a dimensionar o poder de fogo das facções e a identificar as rotas de entrada das armas no Brasil. O material será submetido a perícia para rastreamento e eventual incorporação ao arsenal das forças de segurança.

“Chamou nossa atenção, embora não seja algo inédito, a presença de fuzis de forças armadas não só do Brasil, como de outros países da América do Sul”, afirmou ao G1 o delegado Vinicius Domingos, da Coordenadoria de Fiscalização de Armas e Explosivos.

A polícia identificou inscrições nos fuzis com siglas de facções, apelidos de criminosos e referências a outros estados, como “baiano” e “Tropa do Lampião”, o que indica alianças entre o Comando Vermelho e quadrilhas de diferentes regiões.

Um dos armamentos fazia referência ao “bonde do Panda”, ligado ao Complexo do Alemão, e outro trazia o número 157, artigo do Código Penal que tipifica o crime de roubo.

Em um dos itens, havia uma bandoleira com identificação do Complexo do Alemão e a marca da facção Família do Norte, de Manaus, reforçando o elo entre criminosos cariocas e grupos do Norte e Nordeste.

 

Calibres e origem das armas

Os fuzis apreendidos eram, em sua maioria, dos calibres 5.56 e 7.62, com fabricação europeia. A polícia acredita que grande parte das armas chega ao Brasil via Paraguai, principal rota de contrabando de armamentos da América do Sul.

O delegado explicou que um fuzil G3, de fabricação alemã, pode disparar até 10 tiros por segundo e comparou o cenário carioca ao de países dominados por cartéis. “Não temos conhecimento, com exceção da Colômbia e do México, de países onde criminosos narcoterroristas utilizam ostensivamente esse arsenal de guerra para manter domínio territorial”, afirmou.

De acordo com os investigadores, há uma nova tendência no tráfico de armas, com quadrilhas trazendo apenas peças essenciais pelo Paraguai e completando o armamento com componentes comprados legalmente pela internet, adaptados de forma artesanal.

Aumento recorde de apreensões no Rio

Os fuzis apreendidos na operação somam-se ao recorde histórico de apreensões no estado. Entre janeiro e setembro deste ano, foram 593 fuzis retirados de circulação, o maior número desde o início da série do Instituto de Segurança Pública, em 2007.

No mesmo período, o Brasil registrou 1.471 apreensões, sendo 40% concentradas no Rio de Janeiro. Na prática, de cada cinco fuzis apreendidos no país, dois estão no território fluminense.

Há também investigações sobre fábricas clandestinas que produzem armas destinadas a facções cariocas. Há duas semanas, a Polícia Federal prendeu integrantes de uma quadrilha que fabricava cerca de 3.500 fuzis por ano para grupos do Complexo do Alemão e da Rocinha.

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