Não restaura só a floresta, restaura vidas: como rede comunitária de coleta de sementes transforma a Amazônia e o Cerrado
Iniciativa, que há 17 anos promove reflorestamento com a técnica da muvuca de sementes, recuperou milhares de hectares e transformou vidas
A Rede de Sementes do Xingu transforma vidas promovendo reflorestamento e preservação ambiental, com destaque para a técnica da muvuca de sementes, que une comunidades indígenas, agricultores familiares e coletores urbanos em um esforço coletivo de restauração ecológica e empoderamento social, especialmente de mulheres.
Mais do que plantar árvores, restaurar uma floresta pode transformar vidas. Ao longo dos últimos 17 anos, a técnica da muvuca de sementes, utilizada pela Rede de Sementes do Xingu (RSX), tem semeado novas matas na bacia dos rios Xingu e Araguaia e novos caminhos para milhares de pessoas. Povos indígenas, agricultores familiares e coletores urbanos encontraram nesse projeto uma fonte de renda e um propósito comum: reflorestar o futuro e enfrentar, com esperança, a crise climática.
Formada por coletores de Mato Grosso, a Rede de Sementes do Xingu conduz todo o processo, da coleta à comercialização, de sementes nativas da Amazônia e do Cerrado. Por meio da técnica da muvuca de sementes, os coletores reúnem espécies com diferentes ciclos de vida e funções biológicas, cuidadosamente combinadas para recriar o equilíbrio natural de uma floresta.
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Uma das pessoas que fazem parte dessa iniciativa é Eliane Righi, moradora do assentamento Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Bordolândia, no município de Serra Nova Dourada (MT). Ela atua como coletora e também como diretora da RSX, representando sua comunidade e ajudando a fortalecer o trabalho coletivo da rede.
“Eu conheci a rede quando a gente ainda estava acampado na luta pela terra. A Comissão Pastoral da Terra sempre nos acompanhou, e foi através dela que conheci a Rede de Sementes do Xingu. A nossa primeira coleta foi de castanha de caju. Quando a gente pegou o sítio, em 2010, não tinha árvore nenhuma, nada de sombra. Então, a gente plantou o caju primeiro, para ter sombra e também a fruta”, contou ao Terra.
A coleta de castanha de caju foi possível em 2015, cinco anos após ela e sua família conquistarem o lote de terra e terem iniciado a plantação. A partir daí, Eliane ajudou a formar o grupo de coleta do assentamento e atuou como “elo” entre o grupo local e a diretoria da rede por nove anos, até ser convidada para integrar a própria direção da RSX.
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Com o tempo, o trabalho de coleta se diversificou e ganhou força. “Primeiro era caju, agora já tem espécie nativa, tem xixá, angico, caroba”, explicou. Segundo ela, o impacto foi grande não só para o meio ambiente, mas também para a comunidade. “Os nossos sítios todos são arborizados, e os coletores preservam as APP [Área de Preservação Permanente], tudo cercado para o gado não ter acesso”.
No entanto, atualmente, Eliane e os outros moradores do assentamento têm sentido os impactos das mudanças climáticas no trabalho de coleta de sementes. “A gente coleta semente observando a natureza, o período de floração, o de maturação, e antes, uns anos atrás, a gente sabia direitinho: tal período ela floresce, tal período ela produz”, contou. “Agora, já tá tudo diferente, a gente não tem mais certeza do período certo, tem que estar observando o tempo todo”.
EMPODERAMENTO FEMININO E ATUAÇÃO INDÍGENA
Eliane destaca o esforço em trazer as espécies mais para perto das moradias, tornando a coleta mais sustentável. “Eu tenho meio hectare de muvuca plantada no meu sítio. Esse ano já coletei mamoninha e caju lá”, contou, orgulhosa de ver o reflorestamento acontecendo dentro da própria comunidade.
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Mas a transformação que a rede trouxe à vida dela vai além da terra e das árvores. Ela diz que o envolvimento com a RSX mudou sua autoconfiança e sua visão como mulher. “Eu sempre fui muito tímida. Agora, eu já me expresso, já vou a vários eventos representar a rede, junto com outras ou sozinha”, afirmou. Para ela, a Rede de Sementes do Xingu é um espaço de fortalecimento pessoal e coletivo, principalmente para as mulheres.
“O empoderamento das mulheres é algo que a rede em si dá essa força. Você vai perdendo a timidez, vê que tem direito de falar, que você é igual a todo mundo. Não restaura só a floresta, restaura vidas também”, destaca Eliane.
Já Ryweakatu Rytee Kayabi, do povo Kayabi, é uma das jovens integrantes da Rede de Sementes do Xingu e atua hoje como técnica na área de Sociobiodiversidade. Nascida e criada no Território Indígena do Xingu, no Baixo Xingu, município de Querência (MT), ela cresceu vendo o trabalho da rede acontecer ao redor de sua comunidade. “Meu pai já acompanhava o trabalho da rede bem no início, e eu era criança ainda”, contou. Hoje, aos 24 anos, ela reconhece que o envolvimento com a RSX moldou grande parte de sua trajetória pessoal e profissional.
O primeiro contato direto de Ryweakatu com a rede aconteceu por acaso. “Eu fui convidada para participar de uma reunião de coletores, acho que foi em 2015 ou 2016. Eu era muito nova e meus pais nem deixavam eu sair, tiveram que conversar com eles para eu poder ir”, lembrou.
A partir dessa reunião, ela começou a se envolver nas atividades da comunidade, aprendendo a registrar entregas e a ajudar na venda de artesanatos produzidos pelas mulheres da aldeia. “Eu comecei com as vendas dos artesanatos e fui aprendendo a mexer nas planilhas, fazer os controles. Fui gostando e criando vínculo com a rede”, disse.
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Com o tempo, Ryweakatu assumiu o papel de “elo” do grupo, sendo responsável por representar sua comunidade nas reuniões da rede. A jovem admite que no começo era tímida e insegura. “Eu era a única que não falava nada nas reuniões, falava muito baixinho”, contou rindo. Mas o contato com outras coletoras e a participação nos cursos de formação oferecidos pela RSX foram transformadores.
“A rede é uma escola. As pessoas te acolhem, te ajudam a se sentir bem, e você vai aprendendo a fazer as coisas, a se virar. Foi ali que eu fui entendendo o que eu queria para a minha vida”, diz Ryweakatu.
Aos 15 anos, Ryweakatu fez sua primeira viagem para fora do território: uma ida a Brasília para participar do Encontro dos Povos do Cerrado. Desde então, ela passou a representar sua comunidade em eventos e reuniões, ganhando cada vez mais confiança. Em 2022, após um período difícil marcado por doenças e pela perda de familiares, foi convidada para atuar como técnica da rede. “Foi um desafio enorme, porque eu era jovem e muitas pessoas diziam que eu não tinha formação para estar ali. Mas eu quis mostrar de outro jeito que eu consigo fazer, que eu tenho muito ainda para aprender”, afirmou.
Hoje, Ryweakatu acompanha diferentes grupos dentro do Xingu, ajudando a organizar encontros e apoiar os processos de coleta e gestão das sementes. Ela chegou a coordenar o evento de 15 anos da Rede de Sementes do Xingu, um marco para a história da organização. “Foi a primeira vez que organizei algo assim, mobilizando as pessoas, articulando tudo. E ali eu percebi: a gente consegue fazer, sim”, disse com orgulho.
“PODER TRANSFORMADOR”
A jovem explica que a coleta de sementes é um trabalho coletivo que tem impacto direto na recuperação de áreas degradadas e na preservação das nascentes do Xingu. “A rede tem essa missão de restaurar as nascentes e reflorestar o território, mas também é uma forma de ensinar e unir os povos”, afirmou. Segundo ela, as mudanças climáticas têm dificultado a coleta.
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“As mudanças estão muito rápidas. Ano passado teve semente que nem se desenvolveu, floresceu, mas queimou. E isso desanima o trabalho das coletoras, porque não depende da gente, é a natureza que decide”, contou.
Mesmo diante das dificuldades, Ryweakatu acredita no poder transformador da rede. “A Rede de Sementes do Xingu é uma solução. Ela começa com o reflorestamento, mas vai muito além disso”, explicou. Para ela, a iniciativa representa esperança e resistência frente às crises ambientais e sociais. “A gente tem que preservar o que tem aqui. É um exemplo para outros povos que estão lutando pelas suas terras. A rede ajuda a enfrentar as mudanças climáticas e traz esperança de equilíbrio.”
MOTIVAÇÃO PARA REFLORESTAR
A coordenadora de Comunicação da Rede de Sementes do Xingu, Lia Domingues, reforça que o trabalho é um esforço coletivo de restauração ecológica e social. Hoje, a rede reúne seis etnias indígenas, agricultores familiares de 11 assentamentos rurais e também coletores urbanos, especialmente de Nova Xavantina e Canarana (MT).
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“Na muvuca, a gente coloca sementes com ciclos diversos e complementares, no intuito de criar uma nova floresta, de restaurar uma área degradada”, explicou. Para Lia, essa diversidade é o que torna a rede forte, bela e resiliente. “A gente sempre fala que não existe muvuca de sementes sem muvuca de gente”.
A técnica da muvuca se destaca por ser eficiente, barata e ecológica. “Ela é de baixo custo, sobretudo comparada a técnicas tradicionais como o plantio de mudas, e os resultados são incríveis do ponto de vista ecológico”, contou Lia. Áreas restauradas com muvuca tendem a ter mais diversidade, mais plantas por hectare e maior resistência natural.
Nos 17 anos de trajetória, a Rede de Sementes do Xingu já coletou e comercializou quase 400 toneladas de sementes nativas, o que possibilitou a restauração de cerca de 11 mil hectares de áreas degradadas.
Do ponto de vista da gestão, a RSX é exemplo de governança comunitária. “Quando a rede surgiu, não existiam outras redes de sementes em que a gente pudesse se inspirar. Foi errando e acertando que criamos uma estrutura que funciona”, explicou Lia. Hoje, são 700 coletores organizados em 24 grupos, cada um com um “elo” que faz a ponte entre as comunidades e a equipe técnica. Essa estrutura descentralizada garante a autonomia local e fortalece os laços internos.
A coordenadora reconhece, porém, que ainda há desafios. O principal deles é a falta de demanda de mercado. “Por incrível que pareça, não falta semente, o que falta é demanda”, afirmou. Segundo Lia, essa é uma dificuldade comum a outras redes comunitárias do Brasil: a coleta poderia ser ainda maior se houvesse compradores suficientes.
Mesmo assim, ela mantém o otimismo. “O mundo está aquecendo, a gente precisa restaurar. A rede mostra que é possível fazer isso de um jeito mais justo, sustentável e participativo. A gente é uma formiguinha nadando contra a maré de um sistema que destrói muito mais do que restaura, mas seguimos firmes, porque sabemos que o que fazemos é parte da solução”, disse.
FLORESTA FUTURO VIVO
Em outra área da floresta amazônica, na área conhecida como Mosaico Gurupi–Turiaçu, corredor ecológico entre o oeste do Maranhão e o leste do Pará, a Vivo iniciará um projeto de restauração e regeneração com duração prevista de 30 anos. O Floresta Futuro Vivo, em parceria com a re.green, referência na restauração ecológica em escala, prevê a recuperação e proteção de uma área de 800 hectares de floresta, o equivalente a 740 estádios de futebol.
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Fotos: Reprodução
A re.green ficará responsável pela execução técnica e socioambiental do projeto, do desenho ecológico da restauração até o uso de tecnologias de monitoramento para acompanhar o crescimento das mudas, o avanço da regeneração natural e os benefícios climáticos e ecológicos.
“Conservar a floresta Amazônica é uma medida essencial para o equilíbrio do clima no planeta. Como empresa líder em sustentabilidade, damos mais um passo importante no compromisso com a biodiversidade. A parceria com a re.green reflete esta visão de longo prazo com a regeneração da Amazônia”, afirma Joanes Ribas, diretora de Sustentabilidade da Vivo.
Fonte: TERRA

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